Cleriston e o carrasco
Em 1º de setembro de 2023, a Procuradoria Geral da República manifestou ao Supremo Tribunal Federal parecer favorável à libertação do baiano Cleriston Pereira da Cunha, mantido em prisão preventiva desde o dia 8 de janeiro. Ou seja, no entendimento do ministério público – a quem cabe o papel de acusador – não havia razão objetiva para manter “Clezão” encarcerado preventivamente. Nem ele nem vários outros brasileiros que a PGR já informou ao tribunal. No caso de Cleriston, havia um sentido de urgência urgentíssima: laudos médicos comprovando o delicado estado de saúde dele, com risco de morte no cárcere. O próprio Cleriston, de viva voz, havia contado a representantes do Ministério Público e do STF, em junho, sobre seus desmaios e vômitos, seu quadro de “vasculite”, os atendimentos que precisou receber na prisão, e a medicação controlada de que dependia para enfrentar diabetes e hipertensão – tudo agravado, acrescento eu, pela privação da liberdade, a saudade do convívio com a esposa e as filhas e a angústia de saber que ele, como muitos outros, não teriam um julgamento justo.
Passou setembro, e nada de resposta de Alexandre de Moraes, ministro do STF responsável pelos inquéritos do 8 de janeiro de 2023. Passou outubro, e nada outra vez. Veio novembro. Primeira semana, segunda semana, terceira semana, e o parecer do ministério público em favor de Cleriston seguiu no vazio, enterrado nas gavetas da indiferença de um ministro já celebrizado pela brutalidade de seus métodos. Na segunda-feira, 20 de novembro de 2023, por volta das 10h, Cleriston desabou no pátio da Papuda. Era hora do banho de sol e nada mais era possível fazer por ele. Fim. Moraes já poderia, enfim, mover da gaveta para a lata de lixo o papelório da PGR, com a certeza de que a colaboração pusilânime ou interessada dos que lhe prestam vassalagem haverá de lhe garantir impunidade.
Cleriston, pequeno empresário, 46 anos, foi um dos muitos que entoaram “...e o sol da liberdade em raios fúlgidos brilhou no céu da Pátria neste instante”. De fato, ele encontrou a libertação quando tombou no banho de sol da Papuda. Estivesse vivo, iria ser julgado por um tribunal de exceção, sem direito a recurso, sem direito à ampla ou sequer à mínima defesa por parte de seu advogado, para morrer ainda mais triste e desiludido do que estava. Afinal, iria ter de cumprir a pena que o STF inventou para gente comum, “os manés” na linguagem do ministro Luís Roberto Barroso: 14 a 17 anos de prisão, mesmo sem prova alguma de conduta criminosa a justificar tamanha crueldade perpetrada pelo regime liberticida que se instalou no Brasil.
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Nos últimos dias de vida, Clériston talvez tenha sabido que ali mesmo, em Brasília, a esposa de um dos líderes do Comando Vermelho – ela própria julgada e condenada, em duas instâncias judiciais, por associação ao tráfico de drogas – não só desfrutava de total liberdade como vinha sendo recebida no Ministério da Justiça e Segurança Pública e também no Ministério dos Direitos Humanos. A ‘dama do tráfico”, como foi apontada pelo jornal O Estado de S. Paulo, chegou a ter suas passagens pagas pelo governo federal, inclusive.