Cliente inadimplente é cliente ruim! Será?
De acordo com a SPC Brasil, o ano de 2018 terminou com um aumento de 4,41% no número de inadimplentes no Brasil, se tornando a maior elevação desde 2012, quando o crescimento em relação ao ano de 2011 havia sido de 6,8%. O público mais atingido por essa situação tem entre 30 e 39 anos de idade, e em dezembro, 52% das pessoas produtivas nessa faixa etária estavam com nome inscrito em alguma lista de devedores. A pesquisa também apontou que 4 das 5 regiões do pais apresentaram aumento no indicador, o que corrobora com a afirmação de que trata-se de uma epidemia. Estima-se que hoje no Brasil exista aproximadamente 120 milhões de pessoas em situação produtiva e com potencial para adquirir crédito, e que dessas, mais de 63 milhões estejam com alguma conta atrasada, o que equivale a população inteira da Itália.
Vale ressaltar que esse cenário não é novo e que desde 2010 a SPC Brasil divulga mensalmente esse índice, e o que assusta, é que não conseguimos enxergar evoluções positivas e nem ações efetivas para combater essa praga.
O efeito disso vira contra a própria população que acaba tendo que encarar taxas de juros maiores para arcar com a dívida que uma grande parcela das pessoas não pagam, e de certa forma, mitigar o risco dos credores que enfrentam uma grande dificuldade para recuperar o capital investido.
O aumento do desemprego e a diminuição da renda familiar ainda lideram o ranking dos motivos da inadimplência, porém outros fatores que poderiam amenizar são deixados de lado. A educação financeira é apontada como uma das principais soluções, porém não existe nenhum apontamento concreto do governo para incentivar esse movimento. O Banco Central do Brasil, em parceria com a Serasa e o Ibope, realizou uma pesquisa que identificou que 56% dos entrevistados assumiram não fazer orçamento doméstico familiar, enquanto 69% afirmaram não ter poupado nenhuma parte de sua renda nos últimos 12 meses.
O Diretor-superintendente da Previc e Presidente do Comitê Nacional de Educação Financeira (CONEF), Fábio Coelho, lembrou em uma entrevista ao G1, em maio de 2018, que o cartão de crédito que tem os juros mais altos do mercado no caso de inadimplência, é o principal produto financeiro utilizado pelo brasileiro, e que o comportamento notado foi que quando o limite do cartão de crédito do consumidor estoura, ao invés dele desacelerar nas compras, procura outros meios de pagamento, como o carnê das lojas, aumentando ainda mais seu endividamento.
Notando que a inadimplência no Brasil é em grande parte baseada no comportamento do cliente, os grandes credores começaram a investir em campanhas para incentivar a tomada de crédito de forma mais consciente, ou seja, procuraram demonstrar para o cliente a importância de adquirir crédito quando realmente é necessário. Todos os 4 grandes bancos privados do país em algum momento lançaram alguma campanha sobre esse tema nos últimos anos. Eles também perceberam, que com a grande quantidade de clientes com contas em atraso, que não poderiam se dar ao luxo de simplesmente receber o valor devido pelo cliente e desconsiderar a possibilidade de uma nova concessão de crédito no futuro. Começaram a perceber que o cliente que hoje está devendo, pode e deve ser um potencial para novas operações no futuro, e iniciaram um movimento de fidelização desse cliente. O cuidado e a qualidade no contato com o cliente tão notado no pós venda, começaram a ser percebidos em operações de cobrança, terceirizadas ou internas. Regras de qualidade, cuidado com o excesso de contatos, novos canais de comunicação e melhores condições de negociações, estão a cada dia mais latentes no ambiente de cobrança. Garantir que esse cliente volte a ser um consumidor de novos produtos após quitar seus débitos passou a ser o objetivo dos credores. São clientes que já estão no portfólio e que certamente voltarão a tomar créditos se sentirem que estão sendo tratados com respeito no momento de dificuldade para honrar suas dívidas.
Ou seja, clientes antes tratados apenas como devedores e causadores do PDD das empresas, hoje estão sendo tratados como jóias, pois são em sua origem, tomadores de crédito, e assim que estiverem com o nome regularizado, certamente voltarão a fazê-lo. Então, sabendo disso, por quê deixá-lo ir para outra instituição financeira?
Analisando isso, podemos concluir que as instituições que sobrevivem de dar créditos ao consumidor já entenderam que recuperar crédito não se trata mais apenas de receber o valor concedido e diminuir seu PDD, mas sim de recuperar um cliente que voltará a tomar crédito no futuro, ou seja, estão reinventando sua forma de enxergar os inadimplentes e resgatando clientes.
Ao governo, fica a lição que seu papel é resgatar cidadãos, e que a educação financeira não pode ser tratada apenas como uma matéria secundária, mas como uma prioridade no ensino. Ensinar aos jovens a importância da consciência na tomada de crédito e como usar de forma sustentável suas finanças, é formar uma geração de cidadãos conscientes, garantir uma geração mais forte no futuro e um país mais próspero e justo.