A Coerção Indireta da Lista dos Devedores Fiscais da Receita Federal
A Receita Federal do Brasil na Portaria 1.750, de 12 de novembro de 2018 dispôs em seu artigo 16 sobre a divulgação de uma lista que será atualizada no dia dez de cada mês, a qual conterá o nome das pessoas físicas, jurídicas, bem como seus responsáveis, que são investigados por cometerem crimes tributários.
É natural que o órgão fiscal informe o Ministério Público Federal sobre infrações fiscais, porém, o dispositivo da Portaria 1750/2018 consiste em flagrante afronta ao Artigo 37 da Constituição Federal, e ainda, deve-se considerar que em um Estado Democrático de Direito que possui como finalidade fundamental uma sociedade livre de qualquer forma de discriminação, com a igualdade entre os indivíduos, é absurdo manter uma página com informações que expõe e constrange os supostos responsáveis por fatos que configuram o objeto da representação fiscal.
Pode-se afirmar que por trás do dispositivo há mais uma medida do fisco para constranger o contribuinte, como se já não bastassem as diversas restrições punitivas do Estado motivadas pela inadimplência do contribuinte.
Conforme a doutrina de Hugo de Brito Machado, em Direito Tributário, a expressão sanção política corresponde a restrições ou proibições impostas ao contribuinte como forma indireta de obrigá-lo ao pagamento do tributo, tais como a interdição do estabelecimento, a apreensão de mercadorias, o regime especial de fiscalização, entre outras. Infere-se que é possível incluir a divulgação da RFB como uma dessas medidas indiretas para obrigar o contribuinte ao pagamento do tributo.
Além de toda a inconstitucionalidade referente à discriminação, da leitura do § 2º do artigo 16 infere-se que o fisco traz uma ferramenta de coerção que será utilizada como meio de cobrança indireta do crédito tributário, o que apresenta uma contrariedade com a jurisprudência das cortes superiores. Pode-se afirmar também que seria uma medida para aumento da arrecadação.
Essa afirmação decorre do fato de que, segundo a Portaria no § 2º do Artigo 16, as informações fiscais serão excluídas quando o crédito tributário for extinto, inclusive mediante quitação de parcelamento, ou seja, os contribuintes serão coagidos de maneira inconstitucional para satisfazer débitos fiscais que incidam sobre ele para permanecer no exercício da atividade empresarial, sem que seus dados sejam divulgados ou permaneçam divulgados pela RFB.
Imaginemos um empresário que esteja enfrentando dificuldades financeiras e precise optar pelo pagamento de seus funcionários ou o recolhimento de ICMS em determinado período. Caso esse empresário não recolha o imposto, poderá ser denunciado por crime contra a ordem tributária, e consequentemente terá seu nome incluído na lista da RFB.
Infere-se que esse empresário se sentirá coagido a pagar o imposto para não sofrer a série de complicações e constrangimentos decorrentes do registro. Sempre é preciso lembrar que um empresário não deixa de pagar imposto por um simples desejo peculiar. Tal inadimplemento decorre da situação econômica atual que o força a não arcar com o imposto.
O Estado não pode utilizar meios indiretos de coerção como instrumento para constranger o contribuinte a cumprir com obrigações fiscais. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal veda a coerção como meio de cobrança indireta de dívidas, como se vê nas súmulas 70, 323 e 547 do STF.
A lista da Receita Federal que contém as informações do contribuinte inadimplente deverá ser afastada, em consonância com o entendimento emanado pela Corte Suprema que tem afastado diversos instrumentos de coerção indireta de cobrança de créditos tributários.
Resta aguardar eventual discussão referente à inconstitucionalidade da divulgação de informações. Até lá, veremos a asfixia arbitrária do sujeito passivo da obrigação tributária.