Com Maradona, morre parte da minha infância
“Alô, você”! Esta era a saudação inicial do apresentador de televisão brasileira Fernando Vannucci, que faleceu um dia antes do passamento de Diego Armando Maradona. Cresci ouvindo essa saudação, em meados da década de 1980, quando Vannucci apresentava os programas esportivos da TV Globo. Tenho por hábito visitar alguns vídeos no YouTube, relativo aos gols daquela década, de modo, talvez, a rememorar a época sonhadora de criança. Saudosista? Certamente.
A morte de Maradona nos deixa impactados. Certamente, muito se falará sobre o eterno camisa 10 argentino, de forma que aqui irei rememorá-lo de modo íntimo, assistindo às suas performances esportivas e as impressões advindas. Copa do Mundo de 1986, no México. Tinha 11 anos à época, prestes a completar 12. Pela TV 14 polegadas em P&B, meus olhos deviam ser potentes para admirar as jogadas do craque. Na partida contra a Inglaterra, o meia marcou dois gols: um ludibriando a arbitragem dividindo uma bola com o guarda redes Shilton e assinalando o gol de mão, naquilo que ficou conhecido como “A mão de Deus” e um outro antológico: quando pegou a bola ainda no seu campo, avançou driblando atônitos ingleses e marcando na saída do guarda redes, no que ficou registrado como o gol mais bonito de todas as Copas. Na semifinal contra a Bélgica, mais uma atuação brilhante: dois gols, sendo um outra obra de arte. Veio a final contra a Alemanha e, embora não tenha feito gol, deu um magistral passe para Burruchaga decretar o bicampeonato mundial. Resumo da ópera: Maradona levou aquele time nas costas, verdadeiramente deu um título para a Argentina.
Lembrando aos mais jovens: naquela época, futebol transmitido pela TV era pouco, não tínhamos o cardápio que temos disponível hoje. Assim, a TV Bandeirantes passou a transmitir o Campeonato Italiano e a dizer que o campeonato equivalia ao que é a Premier League atualmente: os melhores craques do futebol mundial atuavam por Roma, Juventus, Internazionale, Sampdoria e Milan. Maradona, depois de insucesso no Barcelona da Espanha, veio desacreditado para o Napoli e fez o clube se transformar de um pequeno a um grande e respeitado na Itália e Europa, conquistando títulos importantes. Assistia a algumas jogadas e gols e ficava embasbacado. Gols de cobertura, de arrancadas, enfim, gols de um artista da bola. Para os napolitanos, Maradona é um Deus!
Veio a Copa América disputada no Brasil em 1989 e o craque argentino quase fez um gol do meio de campo, “o gol que Pelé também não fez”, sendo que o travessão do Maracanã impediu essa façanha. Um deleite ver o Maradona jogar.
Na Copa do Mundo da Itália em 1990, a Argentina começou tropeçando para a surpresa Camarões, e conseguiu a classificação na bacia das almas para a 2ª fase. Calhou de enfrentar o Brasil nas oitavas-de-finais e o favoritismo era todo da Seleção Brasileira, que abusou de mandar bolas na trave do goleiro Goicoechea. Maradona visivelmente jogava no sacrifício, com uma perna só e andava em campo. Marcado pelos volantes Dunga e Alemão (companheiro seu de Napoli), passeava em campo até que, aos 80 minutos, resolveu fazer das suas: pegou a bola no meio de campo, gingou três marcadores e deixou Caniggia na cara do guarda redes Taffarel: gol que eliminou o Brasil e a Argentina, aos trancos e barrancos, chegou à final daquela competição, perdendo para a então Alemanha Ocidental.
Na Copa do Mundo de 1994, nos Estados Unidos, foi suspenso por uso de substância proibida pelo controle de doping da FIFA, remédio para emagrecimento. Um final triste, ao som de tango, para a passagem de Maradona pela seleção. Assisti depois o seu retorno ao Boca Juniors, com o seu cabelo colorido com as cores do time e a sua decadência como atleta e homem.
Envolvido com as drogas e se transformando em mais um personagem de si mesmo, Maradona sempre arrumava um jeito de ser notícia. Exilou-se por um período na Cuba de Fidel Castro, abraçou o comunismo e tinha uma tatuagem de Ernesto Che Guevara no braço. Deixou-se fotografar fumando charuto, o símbolo de Cuba e Fidel. Afugentou jornalistas que o assediavam em frente à sua mansão em Buenos Aires (Argentina) com tiros de espingarda e envolveu-se em polêmicas, sendo notícia pelas overdoses, internações em clínicas de reabilitação e recaídas. Foi apresentador de televisão e técnico da Seleção Argentina na Copa da África do Sul em 2010, quando foi derrotado por acachapante vitória dos alemães.
Maradona está sendo alvo de muitas análises por aquilo que foi como jogador (não atleta) e homem. Não questiono as suas atitudes e decisões, apenas como espectador fui testemunha ocular, pela TV, do futebolista diferenciado que foi. Estranha mania essa nossa de comparação, mas o seu embate com Pelé chega a ser singelo. Ambos se respeitam, certamente foram gênios em épocas diferentes e, como não vi o camisa 10 da Seleção Brasileira jogar, nunca esquentei muito para estas comparações.
Na época atual, Cristiano Ronaldo (português) e Lionel Messi (argentino) disputam cabeça a cabeça os prêmios outorgados pela FIFA de Melhor do Mundo, e, na minha humilde opinião, Messi é mais intuitivo e brilhante; Ronaldo é um super atleta obstinado, vencedor e competidor ferrenho. Mas ainda fico com Messi. E claro, Messi e Maradona são personalidades diferentes em tudo, o que um esbanja em discrição o outro esbanjou em polêmicas. Também de épocas diferentes, guardei bem em minha retina a forte impressão que foi ver ao vivo, na partida Argentina 1 x 1 Paraguai pela Copa América do ano passado no Brasil, Messi jogar. Incrível, a mesma sensação de um espectador ao ver Rembrandt pintar.
Mas, como o foco aqui é Diego Armando Maradona, um agradecimento: Don Diego, obrigado por permitir um menino pobre de 11 anos sonhar. Obrigado pelas jogadas, pelos gols, pelas histórias incríveis e por me permitir visitar a sua casa (no Estádio do Boca Juniors, La Bambonera) e sentir a sua emanação ali. Seu desejo de sempre aparecer e a sua atuação brilhante como personagem de si mesmo só me fazem reconhecer aquilo que todos já sabem: o menino pobre de um bairro de Buenos Aires veio ao mundo, em 1960, para se transformar em lenda. Simples assim.
Maradona, o genial camisa 10 da Seleção Argentina, do Napoli e da vida!