Como criar um (bom) processo seletivo — parte II
Hoje em dia já se fala bastante da experiência do candidato. Com a demanda por profissionais tão em alta, as empresas perceberam que ter um processo seletivo diferenciado, inovador, ágil, justo e [insira o adjetivo que você desejar aqui] pode ser um fator decisivo na escolha do aprovado por qual vaga aceitar.
Apesar da motivação inicial não ser a mais nobre de todas (afinal a ideia não é humanizar porque é correto e sim para ser atraente) esse movimento traz um olhar muito mais cuidadoso com a vivência da pessoa em um momento que costuma ser tenso e delicado. São cuidados importantes que precisam ser definidos no momento de desenho do processo seletivo, tema que explorei na primeira parte desse texto.
Então eu pergunto: e a experiência dos gestores e avaliadores?
É com essa provocação aparentemente esquisita que vou trazer o terceiro tópico dos cinco principais pilares sobre como criar um bom processo seletivo. Se quiser ler os dois primeiros (Mapeamento de Perfil e Desenho do Processo), clique aqui.
3. Treinamento — ou melhor — envolvimento real dos avaliadores
Quantos gestores você conhece que curtem de verdade participar de processo seletivo, fazer entrevistas, observar dinâmicas e discutir as evidências de cada candidato no detalhe? Em todas as minhas experiências profissionais esses indivíduos eram raros. A grande maioria não tem muito saco para processo seletivo, mas participa porque precisa. E querem que seja rápido, para não ocupar muito tempo da agenda.
Ouso dizer ainda que boa parte da culpa dos cronogramas quase impossíveis em seleção se dá por essa urgência junto a falta de disponibilidade daqueles mais interessados em contratar profissionais. Vá entender.
Para trazer um pouco de alento ao coração dos RHs que sofrem com essa falta de engajamento, acredito que a melhor solução é saber envolver os avaliadores para entenderem o que está por trás do processo seletivo e possam não só ter mais interesse como participar de forma mais alinhada.
Eu desejo tudo de bom e do melhor para gestores que pegam o CV do candidato na hora da entrevista ou que pedem para dar uma olhada no case da dinâmica quando a atividade começa #paz
No mundo ideal — e sim eu sonho alto para que um dia se torne a norma — podemos e devemos envolver as pessoas que irão tomar decisões sobre candidatos em três momentos:
1º momento: no mapeamento de perfil
Os gestores são as pessoas que mais sabem o que é necessário em um candidato. Serão os responsáveis pelo acompanhamento, desenvolvimento e entregas dos aprovados. É importante não só os ouvir como também os envolver na validação do perfil mapeado. A ideia aqui é que todos assumam o compromisso de avaliarem as mesmas competências e evitar surpresas no final do processo, como já vi inúmeras vezes gestores reclamando nas últimas entrevistas que as pessoas estão “completamente fora do perfil desejado”.
Dica: todo mapeamento de perfil deve resultar em um documento detalhado de competências e comportamentos. Esse material deve ser revisado pelos avaliadores antes mesmo do início do desenho do processo, sendo assim possível realizar qualquer correção antes de ser tarde demais.
2º momento: no desenho do processo
Para evitar retrabalho, é interessante que os avaliadores sejam ao menos ouvidos em relação ao que esperam do processo seletivo. Sei que nessa altura eu já estou pedindo muito da agenda super indisponível dos gestores, mas não há necessidade de se gastar muito tempo aqui. Seria lindo envolvê-los em um debate estruturado para discutir o projeto, mas pode ser um papo rápido ou até um e-mail em que cada um explica o que espera do processo seletivo.
Trazer os tomadores de decisão nesse ponto pode fazer toda a diferença na criação de uma estrutura de seleção condizente ao que o negócio deseja e também para que o RH possa alinhar, já de início, expectativas que não serão atingidas.
Outro ponto interessante é entender o que deu errado no passado. Quais práticas e problemas ocorreram em processos seletivos anteriores? Essa pergunta ajuda muito a quem for construir o processo a não cair em ciladas.
Se o tempo estiver muito escasso, ao menos mande um e-mail para os envolvidos com três perguntas:
— O que você espera do processo seletivo?
— Que formato ou etapas você acha interessantes para a avaliação?
— Quais erros foram cometidos no passado ou o que você deseja que evolua?
O envolvimento nesse momento parece dispensável, mas acredite em mim: pode fazer uma diferença enorme não só na solução criada, mas principalmente na percepção dos gestores em relação à qualidade do processo.
3º momento: MUITOS DIAS antes do processo seletivo começar
Minha ênfase em “muitos dias” tem como objetivo deixar claro e desenhado que gestor nenhum tem que conhecer o processo seletivo no dia da avaliação.
Repita comigo 3x: nenhum gestor deve conhecer o processo seletivo no dia da avaliação.
Com isso posto, se os avaliadores não tomaram conhecimento sobre como será o processo seletivo em nenhum momento da sua construção, existem várias maneiras de envolvê-los a partir de agora:
1. Consolide todo o material de avaliação e atividades de seleção e mande por e-mail.
CONTRA: a chance de alguém ler de verdade é muito baixa. Ainda vão pedir para ver o case na hora. E sempre, SEMPRE, haverá um gestor que vai ler tudo e trazer dezenas de críticas ao projeto. Se tivesse sido envolvido desde o começo, talvez isso não acontecesse ¯\_(ツ)_/¯
2. Prepare uma apresentação de todo o material e atividades de seleção, reúna os gestores e faça uma apresentação para explicar tudo e tirar dúvidas.
CONTRA: sabemos que o percentual médio de assimilação de qualquer conteúdo nesse formato é de 50–60%. Ou seja, as pessoas vão conhecer metade do projeto, o que não ajuda muito no momento de avaliar um candidato por completo. Além disso, sempre tem aqueles-das-agendas-impossíveis que irão faltar e te dar ainda mais trabalho depois.
3. Faça com que os avaliadores vivenciem as atividades do processo seletivo em sessões práticas.
O objetivo é que eles entendam a experiência que o candidato terá, que dilemas deverão ser resolvidos e quais as melhores soluções possíveis. Se houver uma dinâmica, forme um grupo de gestores para que resolvam o case. Se houver uma prova técnica, passe o link para que todos a resolvam. No caso de entrevistas, caso os avaliadores não tenham muita experiência, crie espaços de treinamento e desenvolvimento da competência de fazer as perguntas certas. Explique como avaliar um CV com antecedência e a se preparar para uma entrevista.
E os faltosos? Bem…no momento do processo eles vão perceber o quão atrás estão dos outros gestores na discussão de consenso e podem aprender a valorizar um pouco mais esses momentos :)
Aqui estamos misturando atividades que podem ser feitas quando houver um novo processo seletivo e outras que devem ocorrer independentemente de seleção — se é esperado que a pessoa avalie candidatos em algum momento, é preciso desenvolver certas habilidades.
CONTRA: dá muito mais trabalho para a equipe de seleção criar atividades com conteúdo e interatividade, mas é nosso trabalho. Mão na massa, galera.
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Trazer os avaliadores para o processo seletivo nesses três momentos, com antecedência e planejamento, melhora a qualidade das aprovações, aumenta o nível de discussão durante o consenso, faz com que o negócio desenvolva um olhar mais apurado em relação a Pessoas e entenda os porquês e a complexidade de um processo seletivo.
Sei que dei muito enfoque na preparação e envolvimento dos gestores — afinal são eles que batem o martelo em quem será contratado — mas não deixem de pensar também em um bom treinamento dos consultores que vão conduzir as etapas (sejam contratados de uma consultoria ou internos) e da própria equipe de RH responsável pelo projeto. Se não houver expertise nos “donos da coisa” fica muito mais difícil exigir criticidade dos outros.
4. Operação pensada e não apenas executada
Logo após escrever o título desse tópico subiu um gelinho na nuca — lembranças amargas de processos muito malconduzidos.
Não quero me estender aqui porque o fluxo de um processo seletivo costuma ser muito linear. Faz-se um cronograma e seguem-se as etapas. Simples. Com um bom gerente de projeto a coisa funciona bem, mas algumas dicas podem evoluir E MUITO a realização da sua seleção:
Qualquer processo seletivo, seja massivo ou pontual, envolve muitas pessoas. É preciso antecedência para garantir disponibilidade e principalmente tempo de qualidade dessas pessoas. Fazer 10 entrevistas em um dia pode cair como uma luva no seu cronograma, mas é trágico do ponto de vista humano. A qualidade da avaliação e da experiência do candidato vão lá no pé.
Eu já pensei em tatuar essas duas palavrinhas. Fazer um cronograma é uma coisa. Fazer um cronograma saudável é outra completamente diferente. A grande diferença aqui é o olhar humano e a criação de espaços para a imprevisibilidade. Quantos vídeos são saudáveis de um consultor avaliar por dia? E entrevistas? E dinâmicas? Lembrando que saudável não é sinônimo de possível.
O prazo de um projeto não pode atropelar as pessoas que participam. Se planejar com antecedência é um ato de respeito aos profissionais que irão trabalhar com você.
Depois das pessoas, o ativo mais importante de um processo seletivo são os dados. Qual ferramenta você utiliza para que os candidatos se inscrevam? Como as informações são armazenadas? Que tipo de informações o candidato precisa fornecer? Como as avaliações de cada etapa, seja uma prova online ou uma entrevista, são gerenciadas e registradas? O que alimenta os seus indicadores de qualidade do processo? E a principal pergunta de todas: quais informações você precisa mapear ao longo do processo para garantir o resultado esperado e fazer boas análises de melhoria?
Vale sempre lembrar que um processo seletivo, dependendo do tamanho, pode demorar de 1–6 meses para ser PLANEJADO. Ou seja, ligar para a consultoria e pedir um processo seletivo para daqui a um mês é como ir em um ateliê de noivas e pedir um vestido para semana que vem. Pode até ter algum pronto, mas estará longe de ser o que você sempre sonhou.
Aqui também quero fazer uma menção ao esforço dos profissionais que trabalham em grandes processos seletivos e muitas vezes ficam invisíveis aos olhos dos clientes — aqui você pode entender melhor do que estou falando.
5. Resultados e como ir além de um simples relatório final
Ao final de todo processo seletivo é comum revisitarmos os números. Quantos inscritos, quantas pessoas passaram em cada fase, números de diversidade de gênero e raça, satisfação final dos candidatos e alguns comentários qualitativos para aprofundar.
Eu provavelmente vou escrever um texto somente sobre esse tema, porque é o meu parque de diversões :D
Existem tantas informações ao longo de um processo seletivo que eu até me emociono. E mais, podemos criar indicadores para medir muitos aspectos. Podemos levantar hipóteses e cruzar informações para ter respostas que nos ajudem a mudar, refinar e melhorar os próximos ciclos de seleção.
Outra informação que para mim é crucial em um processo de melhoria contínua em seleção é identificar os aprovados que tem melhor desempenho após a contratação. Depois de um ano quem se destacou? Por que se destacou? Cruzar dados de performance com o histórico de seleção nos ajuda a entender quais evidências foram observadas e quais as melhores técnicas para identificar os melhores candidatos, nos levando a um refinamento cada vez maior das atividades que funcionam para a seleção daquelas vagas.
Um dos maiores exemplos que tenho dessa aplicação foi em um processo massivo de jovens que, após cruzarmos diversos dados do processo e de resultados, decidimos tirar as dinâmicas de grupo.
Para qualquer pessoa que trabalha nessa área é sabido que as dinâmicas de grupo são uma ferramenta poderosa de observação de competências comportamentais em jovens e um grande aliado dos cronogramas, já que permite a avaliação de muitos candidatos ao mesmo tempo.
Mas se as outras etapas estão trazendo informações mais precisas e funcionando como um bom funil de avaliação…por que manter as dinâmicas? Com dados temos muito mais liberdade para formatar o processo de um jeito que atenda ao que o negócio precisa. E não ao que dizem ser melhor sem nenhum embasamento.
Com o histórico e uma boa análise de dados de processos anteriores, não há necessidade de se construir processos do zero toda vez que tivermos uma vaga ou um novo programa. A primeira etapa — Mapeamento de Perfil — se torna muito mais ágil, mas poucas empresas enxergam seleção dessa forma cíclica:
Agora você deve estar se perguntando:
“Mas Lili, tudo o que você escreveu é muito bonito…mas na prática não vai levar muito tempo?”
Você certamente não vai ter um processo seletivo construído da noite para o dia (nenhum processo deveria), mas com um bom planejamento é muito possível criar tudo isso que falei em um tempo adequado, saudável para os envolvidos e por que não um processo seletivo rápido? O céu é o limite para o que podemos criar com um pouco mais tempo na preparação. Além disso, os ciclos e as vagas seguintes ganham mais agilidade porque:
E nem preciso falar sobre o ganho na qualidade do processo, na qualidade dos aprovados e no aumento da representatividade estratégica de seleção a partir do momento em que o negócio enxerga seu verdadeiro valor.
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Depois dessa maratona em dois textos, espero que você tenha encontrado maneiras de melhorar a criação dos processos seletivos da sua empresa ou pelo menos provocações que ajudem a elevar a qualidade dessas discussões dentro do negócio.
E se ficou com alguma dúvida, pode mandar para lili@inpeople.com.br. Ficarei muito feliz em te ajudar :)
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