Como encontrar o executivo certo na era da incerteza - Valor Ecônomico por Stela Campos
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(18/10/2018 Repostagem do artigo do Valor Econômico por Stela Campos)
O processo de transformação da indústria rumo à automação tem influenciado a seleção de executivos em todo o mundo. Embora a busca não seja por tecnólogos, empresas de praticamente todos os setores buscam executivos familiarizados com esse novo ambiente de negócios e com agilidade para reagir rapidamente a essas mudanças. "O tempo de resposta está mais curto", diz Clarke Murphy, CEO global da empresa de seleção de executivos Russell Reynolds, que há seis anos comanda a companhia, uma das mais importantes do mundo em recrutamento no primeiro escalão.
Ao Valor, em sua passagem por São Paulo, ele disse que ter agilidade hoje significa mais do que ser flexível. "É ter rapidez nessa flexibilidade". Murphy afirma que nos países mais ricos a automação está indo muito mais rápido do que se imagina. "Como eles têm escala para fazer isso, a mudança tem sido dramática", diz. Mesmo cientes de que as pessoas vão ser necessárias para maximizar essa transformação digital, as empresas sabem que terão que requalificar os profissionais em diferentes faixas de aprendizado. "Os executivos precisam estar atentos, porque isso significa ter competitividade. Em um período de seis a doze meses é possível fazer uma requalificação."
Essa agilidade para revisar o modo de operar e entender que hoje os ciclos dos negócios estão diferentes é o que as empresas esperam dos executivos. Eles também precisam ser bons comunicadores. "No Brasil, nesta crise financeira e política é preciso ter um pensamento estratégico, operar com excelência e saber se comunicar com os empregados, acionistas, reguladores e conselho", diz. Na guerra comercial entre EUA e China, por exemplo, o Brasil pode ganhar espaço no mercado chinês. É desse tipo de agilidade que as companhias necessitam.
Murphy diz que o foco no modelo operacional que está sendo desafiado pela entrada de empresas disruptivas em diversos setores está testando a capacidade de resposta dos executivos. Ele cita o exemplo da indústria de cosméticos. "Antes existia um tempo para produzir e planejar o lançamento de um produto até ele chegar à prateleira das lojas, agora companhias menores colocam celebridades usando as novidades no Instagram e imediatamente passam a distribuí-las em lojas virtuais. Com isso, encurtam o tempo de entrega ao consumidor", afirma. Grandes redes de cosméticos estão tendo que reinventar seus modelos de negócio por conta disso. "A Procter & Gamble, por exemplo, desistiu e vendeu todas os seus negócios na área de beleza" diz.
Ele lembra que, na crise financeira de 2008, muitos executivos bem sucedidos não foram capazes de mudar rápido o suficiente para evitar o pior. "Hoje quando entrevistamos um executivo queremos saber sobre ontem, mas também sobre hoje para saber como será amanhã".
Essa preocupação de encontrar o executivo com perfil mais compatível com o futuro tem chegado também aos conselhos de administração. Clarke diz que eles estão mais ativos no que diz respeito aos processos de seleção de CEOs. "A busca agora começa quatro anos do novo nome ser anunciado, antes esse tempo era de 18 meses", diz. No geral, a procura começa quando o CEO já está há dois anos e meio no cargo.
Até poucos anos atrás também era o próprio executivo que costumava indicar seus possíveis sucessores, agora o processo está mudando. O conselho opina e a busca está descendo alguns níveis na organização na escolha de dois possíveis candidatos, que passam a ser desenvolvidos para ocuparem o cargo. "O CEO geralmente procurava pessoas muito parecidas com ele, mas com tantas mudanças os conselhos querem saber quem tem o melhor para enfrentar o futuro", diz.
Isso está acontecendo no mundo todo, segundo ele. Até no Japão, onde os mais seniores eram os primeiros a chegar ao comando, as coisa estão mudando. "As companhias querem o melhor executivo, não importa mais se ele é o mais antigo, eles precisam ser mais competitivos e sabem disso."
Outra tendência mundial é o aumento do número de investidores ativistas. "Eles têm feito os conselhos tomarem decisões duras em relação a divisões que rendem pouco, companhias que não entregam o suficiente, negócios diferentes e também dizem o que precisa ser vendido em outros países. Opinam até sobre distribuição de dividendos."
Os ativistas exercem uma grande influência também sobre a composição dos conselhos. "Investidores globais querem conselhos que sejam mais globais, com maior representação de estrangeiros", diz. Ele cita o caso da PepsiCo que ao incluir hispânicos em seu conselho nos Estados Unidos, com o objetivo de representar uma parcela crescente da população americana, acabou promovendo mudanças em seus produtos que trouxeram resultados surpreendentes. "Eles basicamente apimentaram seus snacks, colocaram instruções em espanhol na embalagem e com isso quase tiraram a Coca-Cola desse negócio."
Outra característica que ele observa nos conselhos é um interesse maior sobre o capital humano das companhias. "Eles querem entender a cultura do lugar, porque isso tem em impacto direto no retorno aos acionistas. Assédio sexual, por exemplo, é escândalo que destrói o valor da empresa."
Para empresas de seleção de executivos, como a Russell Reynolds, o trabalho junto aos conselhos se tornou parte importante do negócio. Ele conta que planejamento de sucessão de CEOs também é uma atividade que dobrou na empresa nos últimos cinco anos, passando de 14% para 25% do negócio. Também aumentou a busca por conselheiros e por consultoria. "Hoje a seleção de executivos é apenas metade do que fazemos", conta.
Como todas as indústrias, a de recrutamento executivo também está tendo que adaptar seu modo de operar. A Russell Reynolds hoje tem parcerias com empresas de tecnologia da Califórnia para agilizar os processos seletivos. "Tudo que pudermos tirar do papel estamos tirando para tentar reduzir o tempo de busca do candidato", diz.
A digitalização permite hoje que mais informações sobre candidatos possam ser acessadas pelos 46 escritórios espalhados por 26 países. Segundo ele, isso ajuda a eliminar uma parte mais burocrática da busca. Murphy diz que a empresa já usa o 'machine learning' para filtrar melhor essa procura, o que tem encurtado o processo inicial de identificação dos candidatos. A ideia é que sobre mais tempo para análise e negociação. "Queremos encontrar as melhores pessoas, não queremos as que querem deixar o emprego mas as que estão felizes", afirma. Encontrar as pessoas certas na era da incerteza dá muito mais trabalho.