Como encontrar um trabalho que você ame: uma conversa com David Baker
Seja curioso. Com esse conselho, o homem de cabelos grisalhos e óculos de armação marcante termina a conversa de mais de uma hora. Com sorriso fácil e sotaque que não nega suas raízes britânicas, David Baker diz que se sente em casa no Brasil. “Devo ter vindo para cá umas 25 vezes”, conta.
Jornalista e escritor, Baker trabalhou por mais de uma década para o jornal Financial Times e foi editor-chefe da revista de tecnologia Wired, no Reino Unido. Hoje, é um dos professores da The School of Life em Londres e em São Paulo e debate temas relacionados a carreira – motivo de dúvidas para tantos profissionais.
Será que estou na carreira certa? Como será o futuro do trabalho? Devo largar tudo para fazer o que amo? Confortavelmente sentado em uma poltrona, entre um tablete de chocolate e outro, Baker falou sobre os anseios do mundo moderno, a revolução da tecnologia no cotidiano de empresas e profissionais e suas táticas para conseguir fazer aquilo que realmente ama.
Confira a seguir os melhores trechos da conversa:
Você já afirmou várias vezes que os computadores serão o futuro do trabalho, capazes de executar praticamente qualquer tarefas. Estamos mesmo próximos disso?
Eu acho que isso realmente vai acontecer e estamos mais próximos do que pensamos, por duas razões. Primeiro porque nunca imaginamos que a automatização seria capaz de fazer nossos trabalhos, por termos orgulho do que fazemos. E a outra coisa é que a tecnologia está avançando muito rápido. A tecnologia dobra em capacidade a cada dois anos. E isso é muito. Acho que nós não entendemos quão poderoso isso é. Chegamos em um estágio em que os computadores ficam cada vez melhores e mais rápidos. Há 10 anos, as pessoas diziam que um computador nunca poderia dirigir um carro. Que era complicado demais para uma máquina. E, agora, temos muitos carros autônomos e, talvez em 10 ou 20 anos, a maioria dos carros nas ruas não vai precisar de um motorista.
Mesmo carreiras mais complexas devem passar por isso?
Nós tendemos a imaginar que profissões como advogado, médico ou jornalista não podem ser automatizadas, porque temos orgulho delas e porque exigem muito treino. A verdade é que em muitas profissões os computadores já fazem uma grande parte do trabalho. E isso será um grande desafio no futuro. No meu ponto de vista, a maioria dos trabalhos hoje poderá ser feita por um computador. Quando? Há 10 anos, achávamos que seria impossível. Acredito que em mais 10 anos isso tudo será realidade.
E o que vai acontecer com os profissionais?
O que vemos é que a tecnologia mata alguns trabalhos, mas inventa outros. Por exemplo, já não existem tantas gráficas no Brasil, mas muitos sites. O problema é que isso leva um tempo para acontecer e nem todas as pessoas que trabalhavam em gráficas são webdesigners. O segundo problema é que parece que a tecnologia está matando trabalhos mais rápido do que criando. Praticamente ao mesmo tempo em que criamos um novo trabalho, um computador já pode fazê-lo. As pessoas que perdem esses trabalhos têm alguns caminhos. Algumas estão ajudando a criar ou sendo donas dessas tecnologias. Muita gente não vai trabalhar, outros vão trabalhar três ou quatro dias por semana.
Você acha que as jornadas serão reduzidas no futuro?
O trabalho tomou uma grande proporção nas nossas vidas e isso pode estragar relações e até nossa saúde. Virou um consenso que trabalhar muitas horas por dia é bom e que não trabalhar é um problema. Eu tento trabalhar três dias por semana, para poder fazer outras coisas que tenho vontade. E é perfeitamente possível. Exige que se gaste menos dinheiro, mas eu acho que o resultado disso é que o tempo em que não estou trabalhando se mostrou muito produtivo. Enquanto não estou trabalhando, posso buscar novas oportunidades. Quando trabalhamos demais, não temos tempo ou energia para buscar essas oportunidades, ou nem conseguimos percebê-las e aproveitá-las quando surgem.
Hoje, muita gente relaciona trabalho com felicidade. Como você vê isso?
Primeiro, acho que precisamos entender de onde vem essa pressão. Alguém nos disse que temos que ser felizes. Muitas gerações, como a dos meus pais, achariam isso maluco. A verdade é que temos que ver por outro ponto de vista. Se eu te dissesse que você tem que ser feliz na rua, você me perguntaria o que uma coisa tem a ver com a outra, certo? Então, por que em outras situações isso vale? Esse discurso se tornou um incentivo pobre de gestão. Existe uma diferença entre não precisar ser feliz no trabalho e aceitar ser infeliz. Ninguém deveria ficar em uma situação que se sente infeliz e, para isso, é importante entender o que te faz infeliz. Geralmente, a infelicidade está relacionada com estar no trabalho ou na empresa errados. E, para isso, existe solução.
Como, então, encontrar o trabalho certo?
Eu acho que as pessoas quando buscam um trabalho tem duas tarefas principais. A primeira é olhar para dentro delas mesmas, e responder o que realmente querem. Tem uma frase que usamos aqui na The School of Life que eu gosto: “Você está vivendo a vida que você quer ou que outras pessoas querem?”. E isso se aplica ao trabalho: você está fazendo o trabalho que quer ou que outras pessoas querem que você faça? Leva um tempo entender isso e você tem que olhar para sua vida e pensar no que realmente quer fazer neste momento – deixando de lado todos os obstáculos. Algumas pessoas buscam sensações da infância, outras procuram nos seus valores e algumas pensam no fim da vida. Depois de morrer, o que você gostaria que alguém dissesse sobre você? E, assim, você passa a ter algumas pistas do que quer fazer. Então, o primeiro trabalho é essa investigação interna. A segunda tarefa é ver, no mundo do trabalho, onde você pode achar algo que vá satisfazer essa vontade. Uma dica é tentar inverter a lógica. Ao invés de você se encaixar em um trabalho, faça o caminho reverso e veja o que se encaixa em você. Achar um trabalho que você ame exige olhar para dentro e ver o que você sente e que tipo de trabalho pode chegar mais perto disso.
E qual seria seu conselho para os profissionais durante este processo?
Tente estabelecer uma base de segurança na sua vida, não necessariamente muito dinheiro, mas um nível mínimo de conforto. Saiba quanto é o mínimo que você precisa para viver em um mês e onde você pode conseguir isso. Então, seja incrivelmente curioso. Seja uma criança em um mundo completamente novo. E tente coisas novas. Nunca é tarde demais para isso.
* texto publicado originalmente no blog da Love Mondays