Como o burnout está deixando de ser tabu para se tornar um fenômeno ligado ao trabalho?
Burnout: um fenômeno ligado ao trabalho.

Como o burnout está deixando de ser tabu para se tornar um fenômeno ligado ao trabalho?

A primeira vez que eu ouvi a palavra “burnout” foi em agosto de 2017, no consultório da minha terapeuta, em uma das 3 sessões semanais que eu estava fazendo. Sim, a coisa começou a ficar tão feia que eu precisava bater ponto lá toda segunda, quarta e sábado.

Em uma dessas vezes, eu cheguei com olheiras tão enormes, que nem o melhor corretivo da MAC conseguiria esconder. Afinal, não tem maquiagem que dê jeito em quem foi acordada com pesadelos envolvendo o trabalho, ou na pessoa que ficou fazendo trocentos business reports durante a madrugada.

Depois de eu ter contado para a minha psicóloga sobre as noites em claro, ela me disse, bem séria, no final de uma das sessões: 

“Quero que você entre em contato com um psiquiatra que vou te indicar. E, Fernanda, busque o significado da palavra “burnout”. 

Busquei. 

Eu?!? Com burnout?!?

Ao meu redor, sempre houve um estigma muito grande sobre saúde mental. Tanto que eu demorei a aceitar que fazer terapia seria bom para mim. Foram inúmeras vezes que ouvi que “psicólogo é para quem é doido” ou “sai para tomar uma cerveja com as amigas que resolve”. 

Isso sem contar a vergonha – aquela, tão julgadora, que sempre atrapalha a gente - de admitir que algo não estava bem. Em 2019, por exemplo, uma pesquisa da Time to Change mostrou que 30% dos britânicos achariam difícil admitir alguma questão ligada à sua saúde mental, número inclusive maior do que se assumir homossexual (20%). 

Se o estigma já é forte no âmbito familiar, que dirá no local de trabalho, onde é necessário vestir uma máscara de racionalidade para parecer profissional e deixar de lado os sentimentos. Não à toa, quase 70% dos entrevistados de uma pesquisa da Mental Health America disseram que é mais seguro ficar em silêncio do que falar abertamente sobre estresse envolvendo o ambiente de trabalho.

Falando nisso, eu me lembro de um caso próximo de mim em que a pessoa relatou na empresa que sua assistente estava sofrendo de crise de ansiedade. A resposta do gerente de Recursos Humanos foi “Sou psicólogo e sei do que estou falando. Pessoas assim não têm perfil para trabalhar em ambiente competitivo”. 

Me pergunto se não seria nele que faltava o tal perfil.

Durante a pandemia, ficou escancarado que ignorar o tema da saúde mental no trabalho já não era mais uma opção. Mas, muitas soluções apresentadas ainda são apenas bandaids

Em 2021, como mostrou um estudo da Harvard Business Review, 84% dos americanos passaram por pelo menos uma situação no trabalho capaz de impactar negativamente a sua saúde mental, afetando diretamente o turnover das empresas:

  • 68% dos millennals que deixaram o trabalho/função (de forma voluntária ou involuntária) o fizeram por questões de saúde mental em 2021.
  • Na Geração Z, essa taxa chegou a assustadores 81%.

Parece que ficar sofrendo com chefe que pede para mudar o slide 7 da apresentação, pela oitava vez, em plena sexta-feira, 17h30 da tarde, está virando cringe.

Para deixar essa cringisse de lado e ter funcionários saudáveis, com menos afastamentos, as empresas se viram obrigadas a tocar na ferida da saúde mental. Por isso vimos várias soluções interessantes que antes seriam inimagináveis no ambiente de trabalho, como semanas da saúde mental, treinamentos, dias extras de férias e até incentivos para sessões de terapia!

Porém, a oportunidade, como gostamos de dizer no ambiente corporativo, é que, apesar das empresas estarem investindo desproporcionalmente na saúde mental de seus empregados, muitas soluções ainda são bandaids em problemas que precisariam de cirurgias.  

No meu canal no Youtube, eu citei um desses famosos: as aulas de meditação no trabalho ou McMindfulness, como disse Ronald E Purser, professor da Universidade de São Francisco. Sabe aquele recado que sempre chega do RH dizendo que chegou a hora da classe de mindfulness, mas você tem 459 e-mails para responder? Então. 

Meditar não é o problema nesse caso. Essa prática é ótima e eu mesma tento (leia bem, TENTO) fazer todos os dias. A questão é que falta uma lição de casa das empresas que envolve pensar em sua cultura e estrutura. É necessário, antes de trazer o instrutor da moda para ensinar a galera a inspirar e expirar, que pensemos: 

Por que os nossos empregados estão tão estressados? Será que é porque eles não foram na aula semanal de meditação ou seria…

  • Porque a nossa cultura ainda ultra valoriza quem é workaholic?
  • Porque os nossos processos internos criam infinitas reuniões por dia? 
  • Porque ainda tapamos os olhos para os casos de assédio, já que o assediador apresenta bons resultados? 
  • Porque fazemos palestras dizendo que o trabalho híbrido vai funcionar, mesmo sabendo, no fundo, que quem ficar em casa será taxado de menos comprometido?

Me diga agora o seu porquê. 

Mas parece que em 2022, esses bandaids serão arrancados com força, e teremos que buscar os porquês mais profundos, agindo neles.  

Está em todos os jornais: a partir de janeiro do próximo ano, o burnout, que hoje atinge 32% dos trabalhadores no Brasil (sendo que 92% deles continuam trabalhando), fazendo da gente o segundo país com maior incidência, será considerado um fenômeno ligado ao trabalho, de acordo com a nova classificação da OMS.

Ou seja, se julgar necessário, o funcionário poderá recorrer à justiça e, em muitos casos, receber indenizações. Como disse o Portal Jornal Contábil, alguns fatores poderão ser avaliados, como:

  • Laudo médico comprovando o burnout;
  • Histórico do profissional;
  • Avaliação do ambiente de trabalho, com relatos de testemunha;
  • Provas de degradação emocional, como assédio, metas foras da realidade ou cobranças agressivas. 

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E para reconhecer o burnout, é preciso estar atento para esses três sintomas:

  1. Sensação de esgotamento ou exaustão de energia; 
  2.  Um maior distanciamento mental do trabalho ou sentimentos de negativismo / cinismo relacionados ao trabalho;
  3. Eficácia profissional reduzida.

E essa nova classificação do burnout será boa ou ruim?

Quando eu tive burnout lá em 2017, me faltou coragem para comunicar à empresa e assumir que aquilo estava acontecendo comigo. Eu tinha medo de parecer que eu não era profissional o suficiente e não confiava que a recepção para aquilo seria boa. 

Sendo assim, eu enxergo a nova classificação da OMS muitos bons olhos, em especial por 3 motivos principais:

Primeiro, porque isso ajudará que o assunto seja discutido abertamente, entre empregados e empregadores, sem preconceitos. Por acaso, hoje alguém acha tabu discutir sobre acidente de trabalho e que fulano pode rolar da escada do escritório se não tiver corrimão? Não, certo? 

Segundo, porque eu acredito que, mexendo onde mais dói nas empresas, que é no bolso e em sua reputação, as coisas podem mover mais rápido. Quem vai querer pagar um monte de processo trabalhista e ainda ver sua nota no Glassdoor descendo ladeira abaixo? Espero que ninguém. 

E terceiro, porque esse é um tema importante de ser reconhecido não somente pelas empresas, como também por nós mesmos. Apesar de eu ser a grande defensora de não se individualizar o burnout, no caso a OMS também, eu vejo que há uma glamourização do tema. E da nossa parte! Quantas vezes você não sentiu um certo orgulho em dizer que tinha 459 e-mails para responder? Ou que ficou trabalhando durante o final de semana? Tenho certeza que sim, porque eu já. 

Como disse o filosófo Byung-Chuld Han, autor do livro "A Sociedade do Cansaço":

O sujeito de desempenho explora a si mesmo até consumir-se completamente.

Sim, estamos consumindo a nós mesmos, consumindo o mundo, consumindo a floresta, consumindo a nossa própria existência na Terra. Tudo está burning out. Mas, agora é a hora de mudar! Pelo menos a forma como a gente trabalha, vocês não acham?

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Ou será que isso é utopia demais e voltemos para a aula de meditação do RH, enquanto você tem 459 e-mails não lidos?








Mariana de Araujo Carvalho

Empreendedora | Fazendeira | Mentora

3 a

De mimimi para um novo senso de responsabilidade coletiva. Urgente e necessário!

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