Como o meu pai lia jorna

Como o meu pai lia jorna

Deixa eu contar uma historinha bem curta pra vocês.

O meu bisavô era professor no interior de Santa Catarina. Dava tudo que é matéria pra turmas da primeira até a oitava série. Todas as crianças sentavam num galpão e aprendia todo mundo junto.

Naquela época, se não me engano, o meu bisavô era uma das únicas pessoas da região a ter acesso a jornal. Ele tinha a assinatura do Correio do Povo — estamos falando de algo em torno de 1980.

O jornal chegava na casa dele 5 dias depois da edição mesmo. No dia da chegada, meu bisavô lia. No segundo dia, ficava pro meu avô dar uma olhada e só então chegava no meu pai.

Ou seja, 40 anos atrás, meu pai demorava algo em torno de uma semana pra conseguir ter acesso ao noticiário.

A historinha acabou. Mas o texto vai continuar. Eu acharia muito afudê tu ler até o final, então fica aí.

Deixa eu provocar uma pequena reflexão pra gente começar.

Imagina o ano de 1965. Acontece um ataque que mata 20 pessoas em Liverpool, na Inglaterra. Agora imagina meu vô indo colher fumo em Saudades, no oeste de Santa Catarina, nesse mesmo ano.

Em 1965, meu vô não tinha nem eletricidade. Qual teria que ser a cadeia de fatos pro meu avô descobrir que essas 20 pessoas morreram em Liverpool? Tudo isso enquanto colhia fumo em Saudades, no oeste de Santa Catarina — sempre lembrando.

Agora voltamos pro ano de 2017.

Hoje, 15min depois, meu celular vibra e eu sei que rolou um atentado terrorista num show da Ariana Grande, perto da Manchester Arena, e até o momento tem 42 feridos. Dentro de meia hora, se quiser, eu consigo fotos dos mortos, vídeo da explosão, fotos do desenrolar…

Vamos ser um pouco mais absurdos ainda. As vezes eu acho que a gente não se dá conta do tempo absurdo que estamos vivendo.

Lembra do Cecil, o leão? Para um pouco e pensa nisso:

Um leão é morto com flechadas por um caçador no Zimbábue e pessoas em Novo Hamburgo, na região metropolitana do Rio Grande do Sul, ficam indignadíssimas

Hoje mesmo, 2 anos depois do acontecido, eu consigo acessar uma página do Wikipedia, exclusivamente criada para a morte de Cecil, o Leão.

Quer ver?

Um pouco mais recente, o gorila Harambe. Um bebê “invade” (essa história ainda tá mal explicada) a jaula de um gorila. Matam o Gorila pra proteger a criança. O mundo inteiro fala sobre. Minha mãe, que trabalha num escritório de contabilidade de Ivoti, me perguntou qual era minha opinião sobre a conduta dos guardas do zoológico.

Acontecem debates no interior do Sul do Brasil sobre a morte de um Gorila no Cincinatti Zoo.

E claro, assim como no caso do Cecil, também tem uma página do Wikipedia falando só sobre a morte de Harambe.

Tem um dado que eu quero trazer, agora que tô caminhando pro final do texto.

Em 2012, Larry Page — Chairman do Google — disse que produzimos mais conteúdo em 48h do que a humanidade produziu desde o inicio dos tempos até 2003.

Isso em 2012. 5 anos atrás.

Pensa nisso um pouco. Em 48h do ano de 2012 se produzia mais conteúdo do que desde o início dos tempos. A gente não tinha WhatsApp em 2012. Ou seja, não existiam grupos de WhatsApp em 2012… E olha quanto conteúdo tem num grupo de WhatsApp.


A ignorância é uma bênção que a gente não tem mais.

De agora pra todo o sempre, nós vamos ver injustiça no mundo todo. De agora pra todo sempre, nós vamos ver gente ruim fazendo coisa ruim. De agora pra todo o sempre a gente vai ver problemas acontecendo no mundo todo.

Mas de agora pra todo sempre eu posso mandar dinheiro diretamente pra uma família que tá passando fome lá no Egito. De agora pra todo sempre eu posso ajudar um cadeirante a arrumar a cadeira de rodas no interior de São Paulo. De agora pra todo sempre eu tenho toda informação do mundo, na palma da minha mão. E isso me fascina pra caralho.


Pensa no meu pai, que levava 7 dias pra saber o que tava acontecendo aqui no Brasil, pelo Correio do Povo. Eu levo 30s pra abrir uma cobertura ao vivo, de qualquer lugar do mundo, só com o meu celular e um sinalzinho 3g.

Repito: ignorância é uma bênção que a gente não tem mais. E ainda bem, né?


Muito obrigado por ter lido esse texto. Se puder, compartilha esse texto com os teus amigos. A gente precisa pensar nos tempos que estamos vivendo.

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