Como o pensamento crítico pode alavancar a sua carreira

O Fosbury Flop é uma técnica de salto em altura que revolucionou a modalidade, sendo introduzida pelo atleta norte-americano Dick Fosbury em 1968. Antes disso, a técnica mais comum para saltar em altura era o "rolo ventral", que consistia em correr em direção à barra e passar por cima dela com o abdômen voltado para baixo.

Dick Fosbury, que era um atleta universitário de salto em altura na Universidade Estadual de Oregon, percebeu que essa técnica não era a mais eficiente e passou a experimentar uma nova abordagem para saltar em altura. Ele percebeu que o objetivo era passar a barra sem derrubá-la, e que a técnica do rolo ventral não permitia que os saltadores saltassem tão alto quanto poderiam.

Fosbury decidiu, então, que iria saltar para trás, de costas para a barra, utilizando um movimento de rolamento do corpo. Essa técnica permitiria que ele saltasse mais alto e pudesse ter um melhor controle da altura em que passaria a barra.

A nova técnica de Fosbury, que ficou conhecida como Fosbury Flop, foi inicialmente criticada por treinadores e atletas de salto em altura, que a consideravam estranha e ineficiente. No entanto, Fosbury continuou a aperfeiçoar sua técnica e, em 1968, surpreendeu o mundo ao ganhar a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos da Cidade do México, saltando 2,24 metros.

Desde então, o Fosbury Flop tornou-se a técnica padrão para saltos em altura em todo o mundo, e permitiu que atletas de todos os níveis alcançassem novos patamares em suas performances. Dick Fosbury foi um verdadeiro revolucionário do esporte, que mudou a forma como o salto em altura é praticado até hoje.

O ato de Fosbury no desenvolvimento do salto que levou o seu nome nos mostra a importância de termos pensamento crítico sobre as situações e desafios que estão diante de nós no mundo corporativo.

Pensamento crítico é a capacidade de questionar premissas, variáveis, informações e decisões, trazendo soluções extremamente impactantes para problemas que, aparentemente, não existiam, abrindo portas para iniciativas e projetos que geram grandes resultados. É um argumento reflexivo sobre o que fazer diante de uma observação, experiência, fala ou escrita.

De acordo com o relatório do Fórum Econômico Mundial de 2020, a habilidade de pensamento crítico foi classificada como a segunda habilidade mais importante para os trabalhadores desenvolverem até 2025, ficando atrás apenas da resolução de problemas complexos. A habilidade de pensamento crítico é considerada essencial para enfrentar os desafios em um mundo em constante mudança, com um ambiente de negócios cada vez mais complexo e em rápida evolução. É uma habilidade que permite aos profissionais analisar informações, identificar falhas, considerar diferentes perspectivas e tomar decisões informadas e assertivas. Portanto, é uma habilidade altamente valorizada e cada vez mais necessária para os profissionais terem sucesso em suas carreira.

Muitos retrabalhos, falhas nas entregas e nos projetos, além de problemas de cumprimento de prazos poderiam ser evitados se parássemos para pensar e refletir sobre o que estamos fazendo de fato.

Em 1976 a revista Science publicou que as pessoas podem ter até 50.000 pensamentos por dia, mas, apesar de produzirmos tantos pensamentos, não paramos para pensar de fato.

Para entendermos como aplicar mecanismo do Pensamento Crítico, segue algumas sugestões:

1.Escreva, então pense antes de agir:

Jordan Peterson em seus vários livros ensina que pensar criticamente envolve em obter clareza, coerência e profundidade sobre aquilo que se estamos produzindo. Ele sugere que a melhor forma de ensinar as pessoas a pensar criticamente é ensiná-las a escrever. Isso porque o exercício da escrita nos ajuda a pensar de forma estruturada. A expressão "pense antes de agir" poderia ser substituída por uma de maior efeito: "escreva, então pense antes de agir".

Os ensinamentos de Peterson entram em consonância com com as ideias de Charles Kettering, considerado um dos inventores mais produtivos do século XX:

"Se você puder escrever o seu problema claramente em um papel então já estará automaticamente metade resolvido." - Charles Kettering

Outro benefício do pensamento crítico é que ele um antídoto da estupidez, da chance de sermos enganados por colegas mal intencionados, dos oportunistas de plantão, dos propagadores de fake news e fofocas do mundo corporativo. Quantas ciladas nos livraríamos se tivéssemos o cuidado de analisar, pesquisar e pensar criticamente uma informação antes de aceitá-la e compartilhá-la como verdade?

2. Não seja apenas um cumpridor de tarefas:

Jordan Peterson nos alerta que devemos ter o devido cuidado com as tarefas que nos são dadas. Para isso, ele nos aconselha a refletir antes de fazer, analisar cada etapa de um evento de forma antecipada, prever impactos positivos e negativos daquilo que será realizado e alertar sobre os problemas colaterais.

Caso você esteja enfrentando essa situação e não está sendo ouvido, insista de forma diplomática sem causar brigas ou confusões, mas esteja seguro de sua posição e tenha consigo todos os argumentos e dados necessários.

As vezes, mesmo com todos os respaldos possíveis, a arapuca pode está sendo armada pelo próprio chefe sem ele perceber. Carla Aquino conta essa história em seu livro 15 Passos Para Se Tornar Um Líder de Projetos De Sucesso:

"Lembro de uma reunião em que um tema quente estava pegando.... a área de negócio querendo incluir mais escopo e eu já tinha alinhado com meu diretor que não tinha budget, que eram requerimentos adicionais e que naquele momento eu não teria capacidade de entregar aquela demanda. Enfim, essa reunião aconteceu numa sexta no final do dia, coloquei meu diretor e a área de negócio para conversarem e tudo que eu vinha negando com veemência, o meu diretor aceitou e disse que fazia parte de fato da entrega do projeto desde o início. Digerindo essa situação, entendi que todo mundo só quer livrar o seu da reta e sair da melhor maneira possível de uma situação ruim, principalmente quando se trata de posições seniores de liderança em que diplomacia e concessão é a moeda de troca mais valiosa. Pra fechar essa história, o escopo que eu havia definido foi entregue e os requerimentos adicionais não foram, pois não havia recursos para entregar como eu havia avisado. O principal Stakeholder e a área interessada estavam insatisfeitos e nossa relação profissional estava abalada. Depois disso, eu aprendi uma lição:"

"Se eu quero me posicionar na empresa, eu preciso ter o meu argumento bem estruturado e uma história muito bem contada. Eu preciso alinhar com todo mundo quais serão os pedidos, as concessões e as negativas. Gerenciar um projeto é que nem jogar xadrez, você precisa pensar algumas jogadas a frente."

Conta-se que em 1957 a Rainha Elizabeth II foi fazer um discurso na fábrica da Jaguar. O secretário pessoal dela é quem faz seus discursos. No entanto, outro secretário, o Lord Martin Charteris que leu o discurso, identificou pontos em que ela poderia ser mal interpretada. Ninguém deu atenção aos seus alertas e deixaram o discurso seguir no seu formato original. O resultado é que o discurso foi horrível e ela foi duramente criticada pela imprensa. Somente depois desse fato é o que Lord Martin Charteris foi reconhecido.

3. Use o pensamento crítico como ferramenta de feedback:

Depois do infeliz discurso na fábrica da Jaguar, a Rainha Elizabeth recebeu críticas agressivas do editor da National and English Review, o Lorde Altrincham. Embora sua postura não tenha sido apoiada por todos os seus súditos, alguns indivíduos e instituições consideraram o comportamento de Lorde Altrincham como desrespeitoso. Mas, em vez de se concentrar nos seus defensores, a rainha optou por usar o pensamento crítico como oportunidade para compreender e melhorar sua performance.

Para a surpresa de todos, incluindo Lorde Altrincham, ele foi convidado para o palácio. O seu preparo para a reunião foi pautado na habilidade do pensamento crítico, prevendo todos os rumos possíveis daquela importante conversa. De forma estratégica, ele apresentou na reunião com a rainha uma lista com seis pontos de melhoria: três que a rainha deveria começar a fazer e três que deveria deixar de fazer. A rainha aceitou algumas das sugestões imediatamente e outras foram gradualmente implementadas. A atitude de Lorde Altrincham demonstrou o poder do pensamento crítico como ferramenta de feedback, fundamentando seus argumentos por dados e fatos. Seu único erro foi ter feito isso de forma pública no início.

4. Tenha um bom conhecimento sobre aquilo que você faz:

Como foi apresentado no incio desse artigo, Fosbury estava disposto a experimentar uma nova técnica em seus saltos, mesmo que ela fosse diferente e desafiadora. No ambiente corporativo, é importante manter uma mente aberta e estar disposto a estudar, se aprimorar, fazer pesquisas e considerar ideias e abordagens diferentes.

5. Não tenha medo de questionar o status quo

Fosbury não aceitou a técnica convencional de salto em altura como a única opção e decidiu experimentar uma abordagem diferente, de forma que ele estava aberto a experimentar uma técnica completamente nova e aperfeiçoá-la. Da mesma forma, no mundo corporativo, o pensamento crítico contribui no questionamento de práticas e processos estabelecidos e explora maneiras de inovar ou melhorar aquilo que já está sendo feito.

6. Questione soluções existentes

Pensamento crítico também consiste em avaliar informações de forma objetiva e crítica, identificar padrões e tirar conclusões informadas a partir de dados.

Eu tinha um carro da Volkswagen, um Fox, que começou a fazer um barulho estranho no motor. Desconfiado, verifiquei o nível de óleo e descobri que estava abaixo do especificado. Comprei óleo e repus a quantidade necessária, mas algumas semanas depois, o mesmo barulho voltou a acontecer. Mais uma vez, verifiquei o óleo e descobri que estava faltando novamente. Levei o carro a um mecânico que identificou que um dos anéis de retenção havia rompido, causando o vazamento. Ele fez o reparo, mas depois de duas semanas o problema se repetiu e dessa vez fiquei parado na estrada com toda a minha família. Novamente o carro teve que passar por manutenção e eu fiquei frustrado por não conseguir solucionar o problema de vez.

Foi quando eu decidi procurar um mecânico mais experiente e capaz de pensar criticamente sobre a situação. E foi exatamente isso que aconteceu. O mecânico analisou a situação de forma minuciosa e finalmente identificou a causa raiz do problema, que não era nem o motor, nem os anéis de retenção. Ele percebeu que havia alta pressão no motor e que isso estava sendo causado pela falta de passagem de ar no sistema de antichama, que, por sua vez, era causada por algumas peças plásticas danificadas. Foi o seu pensamento crítico que o ajudou a encontrar a causa raiz e solução adequada para aquele problema.

Da mesma forma, desconfie das soluções rápidas que estão sendo aplicadas na organização, mesmo que sejam suas. As vezes, esses problemas são como "fantasmas" que vem e vão. Por exemplo, uma máquina de SMT que deixou de funcionar, pode ter como causa uma engrenagem quebrada, que quebrou por falta de lubrificação, que por sua vez foi ocasionada por falta de manutenção, que não foi realizada por falta de treinamento do responsável do setor, que não foi realizado por falta de orçamento. Por isso é importante questionar pelo menos cinco vezes a causa das causas até finalmente identificar a raiz do problema. Por isso fica a lição:

"Sem um pensamento crítico e sem fazer as perguntas certas, um problema não pode ser considerado resolvido, e, portanto, a situação continuará se repetindo. Um problema recorrente é um sinal claro de que ele não foi solucionado de fato."

7. Não cometa os erros de quem não usa o pensamento crítico:

Esteja atento ao comportamento de quem não usa o pensamento crítico. :

A história dos airbags da Takata é um exemplo claro de como a análise de um problema deve ser feito usando pensamento crítico e levar em consideração diferentes ângulos e perspectivas. Inicialmente, quando o problema foi descoberto, muitas pessoas acharam que se tratava de um defeito isolado em uma única peça, o deflagrador. Acreditava-se que a solução seria simplesmente substituir essa peça defeituosa e tudo estaria resolvido.

No entanto, à medida que as investigações avançaram, ficou claro que o problema era muito mais complexo do que se pensava inicialmente. Descobriu-se que o defeito estava relacionado a uma combinação específica de fatores, incluindo o uso de um químico gerador de gás chamado nitrato de amônio, variações climáticas extremas e falta de manutenção adequada dos veículos.

Além disso, a investigação revelou que a Takata sabia do problema há anos, mas não tomou as medidas necessárias para resolvê-lo. A empresa não divulgou as informações às montadoras e às autoridades regulatórias, o que levou a um atraso significativo no recall. Como resultado mais de 30 pessoas morreram ao redor do mundo e outras milhões ficaram com suas vidas em rico.

8. Faça isso antes de comunicar algo importante:

Antes de se comunicar com os outros, principalmente quando for tratar algo com pessoas de posições superiores à sua, faça o seguinte:

• Converse consigo mesmo. Imagine como essa conversa fluirá. Quais perguntas essa pessoa fará? Quais resposta você dará? E quais serão as novas perguntas que ela fará quando ouvir suas respostas?
• Escreva toda a sequência da conversa: se eu disser X, ela perguntará Y, então eu vou responder Z, e assim por diante;
• Ensaie em voz alta. Dessa forma você identificará tópicos em que você tem dificuldade de explicar. Trabalhe neles até aperfeiçoar o seu discurso.
• Pense antes de falar. Escolha as melhores palavras. Frases curtas entre 7 a 10 palavras são as bem-vindas. Como disse Napoleon Hill: "Quem Pensa Enriquece."

"Se os projetos fossem executados seguindo os princípios do pensamento crítico, o tempo precioso desperdiçado em retrabalhos, análises mal elaboradas e projetos mal executados teria sido evitado."

Em resumo:

• Masterize a tomada de decisão. Descreva o problema em toda a sua totalidade e aspectos, com clareza, com análises aprofundadas, tome decisões baseadas em dados e fatos, faça perguntas que cerquem todas as dimensões de um mesmo assunto: O quê? Onde? Quem? Por quê? Como? Quando? Quanto? Com qual frequência? E se? Então?
• Analise criticamente qualquer decisão, pondere as causas e efeitos, como alcançar seus objetivos e como se pretende realizar;
• Questione a efetividade das soluções aplicadas. Não aceite qualquer proposta de resolução. O objetivo é suar na entrada do que sangrar na saída, ou seja, é preciso resolver o problema na sua origem, pois assim evita-se transtornos nas fases finais de um processo ou no cliente. O custo da falha é sempre maior quando é encontrada no final. Ter essa consciência é fundamental para que se ponderar sobre a robustez de uma ação corretiva;
• É fundamental equipar seus argumentos/análises com fatos e dados prevendo possíveis réplicas e contra-argumentos;
• Estruture sua linha de raciocínio de maneira comunicável (contexto, storytelling, dados, meios e soluções);
• Avalie diversas perspectivas sobre um mesmo fato, ampliando sua visão sobre o ocorrido;
• Priorizem as análises que geram mais valor;
• Com base no pensamento crítico, seja um agente de mudança. Fosbury mudou a maneira como o salto em altura era praticado e se tornou um agente de mudança no esporte. No ambiente corporativo, é importante ser um agente de mudança e trabalhar para melhorar as coisas ao seu redor.

Obrigado!

Se gostou, curta, comente e compartilhe.

Rony Souza, MSc.