Como ter segurança jurídica nas negociações coletivas a partir do Tema 1046, firmado pelo STF?
O julgamento, pelo STF, do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) nº 1.121.633 (Tema 1046 de Repercussão Geral, julgado em 02/06/2022), teve claramente a intenção, ainda que em tese, de trazer aos seus jurisdicionados uma maior segurança jurídica em torno da validade das negociações coletivas.
No entanto, as demandas que ainda surgem desafiando a interpretação dada ao Tema 1.046, deixa claro que, infelizmente, a decisão ali estabelecida ainda não pacificou tanto assim a discussão.
É claro que no que diz respeito especificamente aos requisitos formais (condições do negócio jurídico, previstas no artigo 8º, § 3º da CLT c/c 104 do Código Civil), hoje já não há mais quaisquer dúvidas sobre o que deve ser feito para que se dê validade às negociações coletivas.
Por outro lado, quando a análise gira em torno das cláusulas que porventura limitam ou afastam direitos, sem necessariamente a definição de vantagens compensatórias, a verdade é que ainda subsistem muitos questionamentos sobre a lisura e validade dessas pactuações.
E como resolver essa questão? Afinal de contas, que direitos são esses?
A resposta nem sempre é tão simples.
Afinal de contas, além de não existir no nosso ordenamento jurídico uma definição legal do que se entendem por direitos disponíveis e direitos indisponíveis, também é certo que a celeuma deflagrada no RE 1.121.633, não girou em torno do artigo 611-A da CLT (rol exemplificativo de direitos disponíveis), nem, tampouco, em torno do artigo 611-B da CLT (rol restritivo de direitos que não podem ser objeto de negociação coletiva).
E é justamente diante de todo esse contexto que, em geral, as Turmas do TST têm definido em casos concretos o que se entende por direitos disponíveis e por direitos indisponíveis, ou seja, a partir de análises casuísticas, a Corte Superior do Trabalho tem criado precedentes jurisprudenciais sobre quais cláusulas normativas firmadas em CCTs ou ACTs estariam (ou não) consonantes com a Tese firmada pelo STF.
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E como substrato dessa análise, o TST, sem dúvida alguma, tomou por base a própria discussão central do Tema 1.046. Neste caso paradigmático, a celeuma girava em torno do pagamento de horas in itinere que, por não se tratar de um direito expressamente assegurado por lei, a Suprema Corte entendeu que não havia qualquer impeditivo para sua supressão em norma coletiva.
Veja-se a agora, partindo-se desta mesma linha de raciocínio, dois julgados recentes do Colendo Tribunal Superior do Trabalho que versaram sobre a validade de cláusulas normativas (o primeiro privilegiando o negociado sobre o legislado e o segundo em sentido diametralmente oposto - legislado sobre o negociado):
"Na esteira da Carta Magna , a reforma trabalhista de 2017 (Lei 13.467 ) veio a parametrizar a negociação coletiva, elencando quais os direitos que seriam ( CLT , art. 611-A ) ou não ( CLT , art. 611-B ) negociáveis coletivamente. Ainda que, no presente caso, parte do período contratual seja anterior à reforma trabalhista, o entendimento do STF fixado no julgamento do Tema 1.046 aplica-se a esse período anterior, enquanto que a norma legal acima citada aplicar-se-ia a períodos posteriores. 4. No caso dos autos, o objeto da cláusula da norma coletiva refere-se ao labor em jornada 12x36, independentemente da prestação de horas extras habituais, o que atende aos parâmetros do precedente vinculante do STF, fixados no ARE 1121633 , de relatoria do Min. Gilmar Mendes, além dos constitucionais e legais suprarreferidos, pois se está legitimamente flexibilizando norma legal atinente à jornada de trabalho. 5. Nesses termos, reconhecida a transcendência política da causa por contrariedade ao entendimento vinculante do STF no Tema 1.046 da Tabela de Repercussão Geral e a violação do art. 7º , XXVI , da CF , impõe-se o provimento do recurso de revista para, reconhecendo a validade da adoção da jornada 12x36 prevista em norma coletiva, excluir da condenação o pagamento das horas laboradas além da 8ª hora diária e da 44ª semanal, mantendo, contudo, a condenação em horas extras pelos plantões extras e dobras de plantões, como assentado pelo Regional. Recurso de revista parcialmente provido" (Proc. n. RR 0000760-49.2020.5.06.0003 - 4ª Turma - Publicado em 19/05/2013 - Ministro Relator: Ives Gandra da SIlva Martins Filho)
"O Tribunal Regional entendeu pela validade da norma coletiva que prevê que a base de cálculo do adicional de periculosidade será o salário base do trabalhador. Ao julgar o ARE 1121633/GO , no qual se discutia a validade da norma coletiva de trabalho que restringe direito trabalhista não previsto na Constituição da Republica , o Supremo Tribunal Federal reconheceu, como regra geral, a prevalência do negociado sobre o legislado, em prestígio ao princípio da autonomia coletiva, consagrado no inciso XXVI do art. 7º da Constituição da República . Entretanto, ressalvou a hipótese em que a norma coletiva vilipendie direito indisponível do trabalhador. No presente caso, a negociação coletiva citada pela Corte Regional afeta direito indisponível do trabalhador. O entendimento prevalecente nesta Turma é no sentido de que a remuneração devida pelo trabalho em condições perigosas não pode ser objeto de negociação. Trata-se de matéria de ordem pública, não havendo espaço para ajuste, sequer coletivo. A redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança é questão de ordem pública e deve ser feita por lei (art. 7º , XXII , da Constituição da República ), não por acordo entre as partes. Aliás, nos termos do inciso XVIII do art. 611-B da CLT , constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, a supressão ou a redução do adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas" (Proc. n. RR 0002064-34.2012.5.03.0040 - 8ª Turma - Publicado em 20/08/2024 - Ministro Relator: Sergio Pinto Martins)
Assim, como podemos ver, enquanto perdurarem os efeitos do Tema 1046, é seguro afirmar que o acordo e a convenção coletiva estão aptos a negociar tudo aquilo que não for direito indisponível ao trabalhador, ou seja, justamente aqueles expressamente assegurados pela Constituição Federal, em específico os direitos previstos nos arts 7º ao 11, e reafirmados no artigo 611-B da CLT (direitos que correspondem ao patamar mínimo civilizatório).
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