Comunicação Interna e externa: duas faces duma imprescindível moeda organizacional na gestão de uma crise.
Fazer passar uma mensagem, seja ela de teor comercial ou de conteúdo meramente informativo, torna-se essencial para a viabilidade uma organização. Produzir, comprar, vender, representar ou informar constituem atos que, a existirem em simultâneo, têm que se interligar entre si, numa comunicação integrada, subjugados a uma estratégia. Uma estratégia, que se exige, em nome do sucesso comunicacional, não só às empresas que visam o lucro, como também a qualquer organização que se relaciona com a opinião pública, inclusivamente, àquelas que têm como principal base o simples verbo de informar.
Ao longo dos anos, temos vindo a assistir a um progressivo investimento por parte do tecido empresarial em constituir equipas que se relacionem com o exterior, que analisem, que estudem e que desenhem a melhor forma de determinado emissor comunicar com o seu recetor, incluindo nessa equação, a escolha do canal mais apropriado em termos de tempo, eficácia e eficiência.[1] A isto, chamar-se-á de comunicação externa. Porém, considero que este tão ambicionado sucesso da esmagadora maioria das organizações que lidam com a opinião pública, ou com um mercado, no caso concreto das empresas, está umbilicalmente dependente da razoabilidade e da eficácia da comunicação interna, ou seja, como se comunica entre as quatro-paredes de uma organização. A comunicação interna de uma empresa “aprimora a capacidade comunicacional e alinha os discursos” servindo ainda para “difundir as funções e visões estratégicas da organização e integrar, por meio de um processo vivo e intenso, todos os colaboradores”.[2] Com o objetivo de promover o diálogo com os colaboradores, esta mesma comunicação interna, quando vista como um sector estratégico, potencia o concretizar de metas definidas pela própria organização. Bem trabalhado, este diálogo interno promove, a jusante, uma comunicação assertiva junto de clientes, fornecedores, e/ou publico em geral. Se um qualquer colaborador, nomeadamente em ambientes públicos e cada vez mais, nas suas redes sociais, transmite um discurso positivo e coerente sobre a sua organização, esta “publicidade” valerá tanto, ou até mais, do que outra estratégia publicitária saída de um gabinete de Marketing ou de uma comunicação produzida por uma assessoria de imprensa. Com um plano comunicacional correto e adequado a cada ambiente, sucederá, desta forma uma comunicação integrada em que a trilogia: colaborador – empresa – mercado/público assume-se num corpo discursivo unívoco e coerente. Assim, todos os membros de uma organização deverão ser informados de forma rápida e objetiva no que concerne ao ADN da corporação, às suas regras e privilégios (o manual do colaborador), às suas metas e sobre o papel que cada um assume, consciencializando-se que o seu papel, ainda que individual, assume uma importância coletiva de uma cadeia liderada por alguém, perfeitamente identificável. Alguém que, em qualquer circunstância, assume ou confia num profissional, a comunicação externa. Alguns especialistas de comunicação empresarial vão ainda mais longe no que à importância da concentração da comunicação global de uma corporação diz respeito: “Quando uma empresa aposta na comunicação integrada, não existe mais um departamento de marketing, um de comunicação interna e outro de relações públicas. Existe apenas o departamento de comunicação”, considera Talita Maria.[3] Insistindo no valor da comunicação interna, realço a necessidade da hierarquia superior, para além de saber comunicar com os colaboradores, a disponibilidade de os ouvir. Uma prática que contraria todos os hábitos dos empresários praticados até há bem pouco tempo na sociedade portuguesa. “A empresa que promove uma determinada imagem para o público externo, precisa internalizar essa mesma impressão”[4] , usando ferramentas como as intranets, newsletters, caixas de comunicação digitais, reuniões (videoconferências quando a presença física não é possível), murais, físicos ou em suporte digital, com bom design, com frases curtas e de simples entendimento colocados estrategicamente e atualizados com frequência e talvez, o mais relevante, o diálogo interpessoal. Deveras interessante, é o conceito de Perfil Comportamental aplicado à comunicação. Agrupar os colaboradores segundo características comuns e adaptar a informação a cada um desses grupos é já um negócio com que se alicia as organizações.[5] Com este mapeamento, torna-se mais fácil apurar como os funcionários reagem a diferentes estímulos e qual a melhor forma de comunicar com eles. Na prática, deparamo-nos com a especialização e consequente segmentação, da comunicação interna e organizacional.
Neste sentido de valorização da diferença e da pluralidade, com uma matriz transversal, Ana Margarida Miranda Ferreira da Silva considera o seguinte: “Uma vez que as organizações potenciam a existência de ambientes heterogéneos e diversificados, é cada vez mais importante englobar todas as dissemelhanças, no sentido de harmonizá-las, de forma a tornar comum os objetivos, quer entre os colaboradores, quer entre a organização”(2018:48).[6] Uma síntese singular presente num útil estudo em que a necessidade de uma comunicação integrada de todos os elementos de uma corporação fica mais do que demonstrada, no foco concreto de que o que sai para o exterior seja o mais blindável possível. Nesse sentido, no comunicar externamente, a palavra estratégia assume, como considerou Custódio Oliveira,[7] “uma importância fulcral, indispensável” em qualquer plano de comunicação, mesmo naqueles que surgem como reativos a uma adversidade que determinada organização tem que enfrentar. Para comunicar com o exterior, o vocábulo criatividade é fundamental. Num mundo de sobre-informação, só aquilo que é comunicado de forma diferente e, sobretudo, original, captará a dimensão cognitiva de quem recebe. Este, é, aliás, o primeiro passo para que uma comunicação empresarial singre junto do seu publico alvo, escrupulosamente definido em critérios de segmentação cada vez mais apurados. Assim, ser surpreendente no conteúdo e na forma é um passo seguro para o êxito. Se juntarmos, convicção, perseverança e, porque não, alguma paciência, o próprio espaço mediático reparará e, consequentemente, abordará e divulgará a nossa mensagem e a nossa organização. O tão ambicionado “erned media”. Tão importante como ter um gabinete de imprensa dentro de uma organização, é dispor de gente que saiba comunicar. Tão simples quanto isto. Ou seja, defender e/ou fazer crescer a identidade de uma empresa, tem que ter como principais intérpretes, profissionais que, imbuídos, de uma já referida estratégia, sabem como lidar com o espaço mediático, tão pouco propenso, ele próprio, a dar a conhecer as boas notícias que aquela empresa tanto gostaria de ver replicada e comentada na sociedade civil. Por outras palavras, por uma imprensa que falará de forma muito mais célere da organização em causa, se de facto, algo correr mal. Neste seguimento, o “Media Training”, é hoje uma disciplina cada vez mais considerada no meio da gestão. Saber colocar em prática um “eficiente relacionamento com a imprensa”, onde truques e “artimanhas” já explanados noutros contextos, por outros intérpretes, logo por demais conhecidos não serão eficazes, “numa sociedade cada vez mais bem informada”[8], surge-nos como fulcral na imagem positiva que a empresa quer implementar ou perpetuar. A isso chama-se valor de uma organização que influi diretamente naquilo que os stakeholders [9] pensarão e partilharão sobre a empresa em questão. Esse mesmo valor, quanto mais partilhado (ou quanto mais partilhável for), exponencia a presença da empresa, o seu registo, a sua marca. “Uma boa organização é aquela que é muito partilhada”[10].
Todavia, esse mesmo valor positivo pode, e cada vez mais nesta era digital, ser colocado em causa num ápice. Com fundamento ou não (as fake news são uma ameaça constante, contra as quais o sistema informativo ainda não desenvolveu ferramentas contundentes), uma organização encontra-se, com demasiada facilidade, numa situação adversa que poderá arruinar anos de estratégia e incontáveis recursos de uma comunicação integrada até aí eficaz. A gestão de crise será, porventura, o desafio maior que se coloca a um departamento de comunicação com a agravante de, na maioria dos casos, não a ter programada na agenda. Luís Paixão Martins[11] elenca um autêntico manual de como se deve agir perante um cenário de “Crise”[12]. E, aparentemente, as regras são simples: “estudar o problema, determinar o público, criar a Ideia e realizar o seu Transporte” (2001:113). Uma simplicidade “apenas” colocada em causa com a urgência em que todo o plano tem que ser executado no objetivo único de que os efeitos negativos não se propaguem de forma descontrolada. “Para isso, devemos ser rápidos, devemos dizer tudo, e devemos ser rigorosos. Aqui o objectivo é evitar as especulações, é tomar a iniciativa, é controlar a situação” (2001:115). Estudar a situação de forma exaustiva, concentrar a exteriorização do pensamento da organização numa só pessoa, mostrar-se interessado na resolução do problema e não privilegiar qualquer media em particular são alicerces fundamentais para que a gestão de crise seja eficiente. O Porta-Voz[13] fará de um centro de imprensa o seu local de comunicação externa e onde recebe toda a informação disponível.
Não são dez, como os Mandamentos divinos que Moisés recebeu no Monte Sinai. São mais do dobro: 22 orientações precisas que se devem ter em conta “quando a Crise bate à Porta (2001:123;124;125). Desde o ensinamento de que cada crise é um caso particular, diferente de qualquer outro, logo com uma estratégia adequada, a necessidade de se estar presente, de tomar a iniciativa, de realizar um discurso claro, sem azo a interpretações são alguns dos ensinamentos. Destaco, na minha opinião, o aglutinador nº 7: “Desde a primeira hora, aja por forma a ser percebido como a fonte da solução e não do problema.”
Interessante é igualmente a abordagem dos “Incidentes”, ou seja, quando a crise é algo que se pode preparar de forma a que os seus efeitos sejam minimizados. O autor dá o esclarecedor exemplo de uma empresa que decide encerrar uma unidade de produção. Neste caso, há todo um trabalho que se deverá ter para com os diferentes destinatários da comunicação: empregados, clientes, imprensa e entidades oficiais. Aqui, é possível apresentar diferentes discursos a cada tipo de audiência, mas coerentes e relacionados entre si. Nestes casos, é possível e talvez adequado, como disse Custódio Oliveira, o “contar de uma narrativa”[14]. O Storytelling faz sentido para que o efeito da crise, ou do incidente seja, de certa forma, relegado para um segundo campo, para que não seja encarado como a capa da questão de forma permanente. Neste âmbito, é obrigatório referir a figura do Spin Doctor, o especialista que transforma algo negativo em algo positivo, o assessor que chega ao terreno e descobre (lá está, a criatividade e originalidade) uma forma de apresentar uma narrativa mais favorável, disfarçando os aspetos negativos. Muitas vezes, é ele o pai de um Soundbite tão necessário, quanto urgente e até da criação de uma oportunidade fotográfica (Photo Opp) que resumirá, graficamente, determinado momento.
Fica claro que a comunicação de uma organização é imprescindível. A forma como se relaciona com o “mundo lá de fora”, mesmo em ambientes desfavoráveis, decide a sobrevivência da mesma.[15] Igualmente importante é o trabalho a fazer dentro de portas, com um discurso global favorável e padronizado. E, se por um lado, a padronização da comunicação da organização é fundamental, por outro há que ter em conta, a personalização de um público que, cada vez mais, escolhe o que lê e onde e quando o quer fazer. Perante a possibilidade de acesso a informação diversificada, este Paradigma da Individualização diz-nos que os interesses sejam cada vez mais particulares. As conversas de futebol ou de política na rua ou meteorológicas de elevador deram lugar a links, num qualquer suporte digital, facilmente controlados por um indicador e polegar. A rapidez com que se consume é proporcional à facilidade com que se cria um juízo. E este será mesmo o desafio superior a todos aqueles que pretendem passar uma mensagem, seja ela de que teor for.
[1] Ainda que aparentemente semelhantes, os termos de eficácia e eficiência são diferentes no que ao mundo da comunicação empresarial diz respeito. Assim, envolve a eficiência todo o conjunto de forças, que interligados, se predestinam para comunicar da melhor forma possível. Entende-se por eficácia, a obtenção positiva dos resultados a que nos propusemos obter com o plano comunicacional usado.
[2] “Media Training – Como construir uma comunicação eficaz com a imprensa e a sociedade”, Assad, Nancy Alberto, introdução, pág. XIV.
[3] Numa linguagem simples, encontrei no espaço sucessodocliente.blog, informações úteis de como várias organizações podem comunicar, tanto a nível interno como para o exterior, sempre com o objetivo da eficácia comunicacional.
[4] Blogue do Centro Universitário de São Judas Tadeu – Campus Unimonte.
[5] São várias as empresas que na internet sugerem este tipo de serviços às organizações. Dos mais abrangentes, encontrei o site brasileiro de formações impacta.com.br.
[6] “Comunicação Integrada em Contexto Empresarial – caso da Altran Portugal”, relatório de estágio realizado no âmbito do Mestrado em Ciências da Comunicação, da Silva, Ana Margarida Miranda Ferreira, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Setembro, 2018
[7] Autor do livro “Governar é comunicar”, o especialista em comunicação política, sublinhou, em ambiente de aula no passado dia 31 de Janeiro, a importância de uma estratégia subjacente a qualquer comunicação que se pretenda de sucesso. “Estratégia é segredo”, a busca pela “criatividade” das soluções comunicativas, a “convicção” e confiança em determinado plano comunicacional constituem outros princípios defendidos pelo autor, que em texto de apresentação do referido livro pode-se ainda encontrar ideias-chave como: “a melhor das decisões se não for comunicada, não existe” ou a comunicação como um “instrumento” e não como um objetivo.
[8] “Media Training – Como construir uma comunicação eficaz com a imprensa e a sociedade”, Assad, Nancy Alberto, introdução, pág. XIII.
[9] O Business Dictionary resume, sucintamente, o vocábulo da seguinte forma: “A person, group or organization that has interest or concern in an organization. Stakeholders can affect or be affected by the organization´s actions, objectives and policies. Some exemples of key stakeholder´s are creditors, directors, employees, government(and its agencies), owners (shareholders), suppliers, unions, and the community from which the business draws its resources”.
[10] Ricardo Jorge Pinto, em ambiente de aula, Porto Business School, 1 Fevereiro de 2020.
[11] “Shiu… Está aqui um jornalista”, capítulo 6: “Da ideia ao Incidente”
[12] Algo que reparei e que julgo importante realçar é a categorização, por parte do autor, de nome próprio ao nome comum: “Crise”. Elucidativo no que concerne à relevância que o autor atribui a este campo semântico.
[13] O referido consultor de informação eleva esta figura num contexto de crise: “Pode ser o porta-voz tradicional, desde que tenha o perfil adequado (e, às vezes, não tem): ser calmo, não reagir em excesso, não ser especulativo”. (2001:115)
[14] Custódio Oliveira, ambiente de aula, Porto Business School, 31 de Janeiro de 2020
[15] Luís Paixão Martins fala no referido livro do caso da Parmalat e do veneno que estaria dentro das embalagens de leite, no ano de 1994. Refere que as táticas escolhidas pela empresa foram bem executadas, mas o simples “desajustado protagonismo” da assessora deitou tudo a perder. A empresa nunca mais recuperou do abalo. (2001: 120;121;122)