Conexão Brasil x Portugal: da simplicidade de São Luís ao luxo de Estoril - uma aula de hospitalidade
Segunda história não contada
Antes de mais nada, este não é um artigo sobre religião. É um artigo sobre AMOR. Sobre dar e receber. Sobre ser uma pessoa próspera e sobre confiar quando não se tem o controle de tudo. Sobre acreditar que tudo na vida tem um propósito e que quando for a hora certa, ele se revelará a você.
Me considero uma pessoa espiritualista. Cresci, obviamente, dentro dos princípios católicos mas quando já tinha idade para tomar minhas próprias decisões, meus pais me deixaram muito livre para escolher onde buscaria conforto para a minha alma. Conheci diversas doutrinas e hoje carrego um pouco de cada uma dentro de mim. Aprendi tantas coisas, descartei tantas outras. Fiquei com o que me cabia, com o que eu conseguiria praticar no meu dia a dia.
Em setembro de 2017 eu tive a oportunidade de participar de uma viagem missionária para São Luís do Maranhão. Mesmo com todos os preparos que tivemos para essa missão espiritual, nada se comparava com o que iríamos realmente viver naqueles próximos 3 dias. Deixei fora da mala tudo que não era necessário como bolsas, joias e perfume caro. Mas não consegui abrir mão do meu sabonete francês. Escolhi roupas bonitas, mas simples, que não chamassem muita atenção (mesmo que fosse impossível com meu 1,73mts).
Não éramos um grupo grande de missionários, mas o suficiente para levarmos luz àquelas pessoas que tanto precisavam. Embarquei com quatro amigas muito especiais. Uma parte desta viagem missionária consistia em se hospedar na casa de um membro da igreja. Não sabíamos nada sobre isso, nem bairro, nem em qual família, nada mesmo.
Cada uma de nós foi recebida por uma família diferente. Lembro-me de quando conhecemos nossas “casas” pelos próximos 3 dias. Lembro-me da euforia delas contando como foi a recepção da família, onde estavam dormindo, como eram seus quartos, suas casas, todos os detalhes. Enquanto eu ouvia atentamente a cada detalhe, ainda mais reflexiva eu ficava. Chegou minha vez de contar como tinha sido minha recepção. Eu não acredito em acaso, eu acredito em missão e propósito. O que era meu, tinha perfeitamente chegado até mim. Essa segunda história não contada só irá ser compreendida no final. Aguardem!
Eu fui recebida pela Sra. Joana (nome fictício). Eu disse senhora como forma de respeito e também pela aparência mesmo, mas em poucos minutos de conversa eu descobri que tínhamos a mesma idade. Fui recebida em uma comunidade no Maranhão, um local de difícil acesso, onde nenhum motorista de aplicativo chegava. E como cheguei até lá? Carona de vizinhos que ela conhecia, afinal seriam 3 dias de deslocamento entre cidade e comunidade.
São Luís, cidade linda, acolhedora e com um sol para cada habitante. Estava muito feliz por estar ali, mas eu só queria mesmo tomar um banho. Ela me apresentou a sua humilde casa, me mostrou os poucos cômodos. Me acomodou com tanta felicidade no único quarto que tinha. Ela preferiu dormir na rede alegando que meu corpo não estaria acostumado. Ela tinha razão. A primeira vez que dormi em uma rede, não senti minhas pernas por horas no dia seguinte. Gentilmente, aceitei.
Chegou a tão sonhada hora do dia, ou melhor, da noite: a hora do banho.
Ela me levou até o quintal, no fundo da casa. Tinha uma pequena cobertura de laje e embaixo dela, uma caixa d´água com vista para uma bananeira e ao lado, um cachorro de vigia. “A água daqui de fora é mais fresca, você vai se sentir melhor. Não se preocupe, ninguém vai te ver. Não há casas do outro lado.” ela disse e logo saiu de cena, me deixando ali sozinha com meu calor e todos os meus pensamentos.
Eu fiquei totalmente desconsertada. Fiquei um bom tempo sozinha antes de iniciar meu banho, pensando em como seriam meus próximos 3 dias. Foram tantas coisas que se passaram na minha cabeça, não pela extrema simplicidade do local, mas eu estava me sentindo uma impostora, alguém que estava ali tirando o pouco que sua família tinha. Olhei para o meu sabonete francês e já me senti mal. Parecia ser proibido ser eu mesma diante de toda aquela singela recepção. Naquele momento eu realmente não estava sabendo receber. Comecei a me questionar sobre esse abismo social em que vivemos, uns com poucos, outros com praticamente nada, outros chegando para “tomar” o pouco que tinham. Foi uma sensação horrível.
Conversamos um pouco antes do jantar e eu ali tentando encontrar uma forma de fazer aquela família de duas pessoas (Joana e sua filha) terem pelo menos 3 dias diferentes da vida normal. Ofereci para jantarmos fora, perguntei onde elas tinham vontade de ir e nunca puderam, quais eram seus sonhos. Eu estava ali tentando retribuir todo o cuidado que eu já tinha recebido na intenção de não tirar mais nada delas e não percebi o quão ingrata eu estava sendo. “Minha querida, não é seguro sair do bairro à noite. Além disso, nós sairíamos como? Nenhum motorista aceitaria vir até aqui. Eu já preparei tudo, vamos jantar aqui mesmo. Se você não se importar, isso foi tudo que eu consegui preparar”.
Que tola eu fui. Pedi desculpas, expliquei que eu queria apenas proporcionar uma noite diferente para elas e não percebi que a “noite diferente” quem estava tendo era eu mesma. Eu só pensava em quando elas teriam oportunidade novamente de serem cuidadas. Eu queria, da minha forma, retribuir o tamanho afeto. Porém, quem estava ali aprendendo uma grande lição era eu.
Joana, envergonhada, me confidenciou que havia conversado com o ministro da igreja sobre essa caravana de missionários que estava chegando na cidade e sobre receber alguém em sua casa. Ela me disse que havia comunicado que não tinha uma estrutura para receber, para acomodar bem uma pessoa. O ministro sabiamente lhe disse “Você não precisa fazer nada além do que já faz. Sua rotina não precisa mudar em nada. Sua missão já está destinada e a pessoa que você irá receber será digna de estar em sua casa. Basta ser você mesma.”
Eu não pude conter minhas lágrimas naquele momento. Segurei sua mão e agradeci profundamente por ter a permissão de estar vivendo aquele instante ao lado de sua família. Conversamos muito. Ouvi sua história de vida, seus medos, seus anseios. Eu compartilhei o necessário sobre mim, o suficiente para que eu não a deixasse constrangida. Vidas tão diferentes, mas compartilhávamos das mesmas crenças e tínhamos dois corações igualmente dilacerados naquela época. Nos conectamos com tantas coisas. Ela também gostava de “coisas bonitas”. Eu que não queria ser notada, que tinha levado roupas simples, fui surpreendida por seus vários elogios aos vestidos eu estava usando (um vestido da Besni, acreditem. Quem conhece vai entender).
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Já repararam o quanto é comum e cultural todas as vezes que recebemos um presente, um cuidado de alguém, nos colocarmos em uma posição de não merecimento quando respondemos “Que isso, não precisava. Por que você foi se incomodar com isso? Coitada, foi gastar dinheiro com isso?” Eu pelo menos já reproduzi essas falas inúmeras vezes. Hoje não mais, pois já é uma lição aprendida. Precisamos aprender a receber, seja qual for a forma de afeto. Nós somos dignos de afeto, de cuidado, de sermos lembrados. Joana me deu uma aula sobre dar e receber naqueles 3 dias em que fui sua hóspede mais que VIP. Uma verdadeira aula de hospitalidade.
Na volta, já no avião minha cabeça fervilhava. Eu não era mais a mesma pessoa de 3 dias atrás. Algo dentro de mim havia mudado profundamente. Ainda sem entender o porquê de tudo, o porquê apenas eu, a única das quatro amigas tinha sido a escolhida para ter a experiência de viver esses dias em uma comunidade. Eu apenas abaixei minha cabeça e agradeci. Eu dizia “eu entrego, confio, aceito e agradeço”. Que lição de vida!
Duas semanas mais tarde, lá estava eu dentro de um avião novamente. Porém, dessa vez desembarcando na Europa, mais precisamente em Portugal. Eu fiquei tão impactada com a minha viagem ao Maranhão que até havia me esquecido do que me aguardava. Foi uma viagem espetacular, em todos os sentidos. Foi minha primeira viagem internacional com o grupo de secretárias executivas do qual faço parte para um curso de liderança e inovação em secretariado executivo, ou seja, tudo organizado no mais alto padrão. Nos hospedamos em hotéis 5 estrelas, mágicos e suntuosos. Uma realidade totalmente diferente da que eu tinha vivido duas semanas atrás.
Quando me vi ali, abrindo a porta do meu quarto no famoso e luxuoso Palácio Estoril (quem ainda não conhece, vale um Google), eu me lembrei da Joana. Eu apenas repeti as mesmas palavras “eu entrego, confio, aceito e agradeço”. Mas vocês devem estar se questionando “ah, mas é fácil agradecer, erguer as mãos para o céu quando se está em um palácio, não é mesmo ?” Não. Não é bem assim e muitos de vocês irão concordar comigo. Eu sou a primeira pessoa da minha família a pisar em um castelo, a dormir em um palácio. Eu já poderia considerar que eu “zerei a vida” só por isso. Se não conseguimos receber nem um singelo presente de alguém dizendo “não precisava se incomodar = não mereço tanto”, imagina chegar na porta de um palácio, ser recebida e ter as malas carregadas pelo Sr. José Afonso, porteiro no palácio desde 1951 e que atuou no filme do James Bond 007 ? Pelo que eu conheço dos meus pais, pela história da nossa família (leiam o artigo anterior), eles nunca se sentiriam à vontade em entrar em um palácio, muito menos seriam convencidos da ideia de serem hóspedes mesmo que por uma única noite. E sabem o porquê? Por se sentirem inadequados, por acharem que não merecem tudo aquilo. Triste não é? Mas é a realidade de tantas pessoas que tem oportunidades mas não se dão conta. Quantas oportunidades vocês já perderam por se sentirem inadequados, por acharem que não mereciam tanto? Quantos convites recusados? Quantos “nãos” disseram com a boca, mas dizendo “sim” com o coração?
Joana me ofereceu a parte mais nobre da sua casa, evitou que eu não sentisse as pernas no dia seguinte ao dormir na rede. A Sra. Maria, camareira do palácio, preparou o meu quarto com o melhor lençol e ainda deixou um bilhetinho me alertando sobre a previsão do tempo naquela tarde, sobre o vento e ainda deixou um creme de mão para que eu evitasse o ressecamento causado pelo clima.
Joana me ofereceu uma caixa d’água com água mais fresca para o banho, com vista para a bananeira. O palácio me ofereceu uma banheira de mármore e um quarto com vista para a piscina.
Joana me ofereceu o alimento da sua casa, o mais típico na região do Maranhão. A Sra. Maria deixou uma cartinha de boas vindas em meu nome, vinho do Porto e um pratinho com pasteis de nata, também típico da cidade.
O que as duas tem em comum?
O cuidado em receber. Fizeram o seu melhor para que minha estadia fosse inesquecível. E foi. Duas experiências que ficarão para sempre na minha memória e tudo isso só foi possível por ter sido conduzido por PESSOAS que AMAM PESSOAS.
Foi por essas duas lições que eu continuo dizendo “eu entrego, confio, aceito e agradeço”.
Obrigada Joana pela mais bela lição sobre aprender a receber. Obrigada Sra. Maria por reforçar o quanto eu sou merecedora. Vocês foram a minha lição de afeto.
Que “palácios” virem rotina e que ao longo da caminhada todos possam ser recebidos por Joanas e Marias.
Executive Assistant to Risk Management at Nubank
2 aParabéns Van!!! Quanto significado, quanta emoção e quanto amor! Obrigada por partilhar essas vivências tão especiais e marcantes! Lindo!!! ❤
Executive Search Partner at Di Luccia | Private Equity Recruiting | Executive Career Growth Designer
2 aExcelente narrativa Vanessa Lima! Cheia de verdade, humildade e sentimento. Você escreve com o coração. Continue! Grande beijo
Diretor Administrativo
2 aQue linda vivência de culturas distintas.
Founder and President of Pepitas Secretaries Club
2 aVanessa Lima, profundo, sincero, sensível e belo! Emocionante! Bjos, Pepita Soler