Luxo com afeto: uma história não contada

Luxo com afeto: uma história não contada

Uma breve biografia

Por muito tempo eu tentei dissociar meus gostos pessoais, eu diria até que minha marca pessoal, da minha vida profissional. O que eu não sabia (e também não entendia) é que eu estava sufocando uma das maiores partes humanas que há dentro de mim: o afeto.

Desde muito cedo, sem me dar conta, eu já fazia parte de uma minoria vivendo em uma sociedade em que ser padrão era o mundo ideal. Quase 40 anos atrás, ser filha única não era uma realidade da família brasileira, como também não era realidade uma menina de apenas 11 anos ser colocada em um curso de francês gratuito ofertado por uma política governamental da época. Menor ainda era a chance de uma adolescente de escola pública, aos seus 15 anos já falar 2 idiomas, mas a antipatia por quem não se encaixava no padrão sempre foi uma realidade.

Conheci muito cedo a exclusão. A garota de escola pública, privilegiada por ter um pai que trabalhava em dois empregos para juntar dinheiro suficiente para investir em seus estudos, tinha acesso aos gostos e costumes de outro continente. Não, nunca me faltou nada. Muito pelo contrário. Eu sempre tive tudo que era necessário para se viver. Eu me lembro da minha mãe voltar a trabalhar depois de tantos anos de dedicação ao lar. Ela, apaixonada por limpeza como sempre foi e ainda é, foi trabalhar na escola de idiomas onde eu iniciei meu curso de inglês. Ela foi por vontade, por liberdade, por independência financeira. Foi por amor a ela, a nós e também pela possibilidade de me ajudar a realizar pequenos sonhos desde aquela época. Eu, sempre muito introspectiva durante a fase escolar, seguia na minha meta de vida: honrar o esforço dos meus pais, ser uma boa aluna e aproveitar meu privilégio de ter todos os meus livros e material escolar comprados todo início de ano. Ser também uma boa filha, entender quem eu era e porquê gostava do que gostava. Para quem achava que eu vinha de uma família financeiramente rica, está aí um pedacinho da minha história que ninguém nunca ousou em perguntar, uma história não contada.

Nunca fui da turma da bagunça mesmo sentando no “fundão” por ser alérgica ao pó do giz desde a infância. Tinha pavor ao desrespeito, muito comum na época. E por falar em época, eu sou da época em que apagador e giz voavam na cabeça dos alunos. Professor humilhava aluno e aluno humilhava professor. Todos na tentativa de se defenderem. Era uma eterna luta (interna) contra o desrespeito, contra o desafeto, já que naquela época se calar sempre seria o melhor remédio.

Me calar foi sempre a minha escolha. Talvez por não saber expressar o que eu realmente sentia, por pensar tão diferente da massa e pela possibilidade de assinar de próprio punho a minha carta de exclusão do grupo ao qual eu tentava pertencer, mesmo não me encaixando. Eu cresci diferente, com toda aquela expressividade abafada e com um afeto dedicado a uma minoria, apenas àquelas pessoas que desejaram se aproximar. Eu não tinha nenhuma fonte de inspiração, a não ser tudo que eu via nas páginas do meu "méthode de français" e minha mãe que sempre me dizia "você pode tudo que quiser, só tenha juízo!"

E por falar em méthode de français, vou compartilhar sobre o dia em que meu coração bateu mais forte. Foi no meu segundo dia de aula de francês quando uma querida professora apertou o play em sua fita k7 ecoando por toda a sala “Allons enfants de la patrie, le jour de gloire est arrivé...”. Uma colega de sala gargalhou e disse “professora, coloca de novo essa música da igreja Universal”. Eu olhei para ela com um olhar de não estou acreditando que você disse isso e com um profundo sentimento de desrespeito. Eu nem sabia o que significava, muito menos o que era. Também não sabia que o hino da França seria aprendido por mim muito antes mesmo de aprender a cantar o hino da minha própria nação.

Falar francês fluente aos 15 anos de idade muito antes dos anos 2000 era realmente um luxo. Adolescente, falante de francês, rotulada de patricinha, mas que também nem pertencia ao grupo de patricinhas da época. Eu já tinha outra visão de mundo mesmo dentro da racionalidade brasileira.

A língua francesa, que por si só já carrega um certo requinte, eleva o patamar de qualquer falante e automaticamente já te leva a fazer parte da menor porcentagem estatística do país. Nos anos 2000, um professor do cursinho dizia que quanto mais estudo uma pessoa tivesse, mais ela desapareceria da estatística da massa. Naquela época, ter acesso a um cursinho pré-vestibular e a estudos universitários era um privilégio. Eu vivi minha adolescência entre expectativas e realidade. Era a cabeça na França com pés no Brasil e um mundo de sonhos intangíveis que eu jamais imaginaria adentrar.

A primeira vez que meus pés tocaram a Cidade Luz

Durante meus longos 37 anos eu tive muitas oportunidades de estar na Europa. Só em Paris eu estive por 7 vezes, cada uma por um motivo, com a sua importância, com suas histórias não contadas, mas a primeira delas eu vou te contar. Em julho de 2002 meus pés ainda trêmulos tocaram a Cidade Luz pela primeira vez. Um mês antes desse fato histórico, eu recebia a ligação mais importante da minha vida. Era o Consulado da França no Brasil me comunicando que eu tinha sido uma das 15 brasileiras premiadas pelo governo francês com um séjour de 15 dias na França pela participação em um concurso mundial sobre o bicentenário do escritor Victor Hugo, o famoso escritor de Os miseráveis. Foi na faculdade que eu desenvolvi o gosto pela literatura, mas foi justamente pela minha base de escrita francesa adquirida aos 11 anos de idade que pude redigir o ensaio literário que me levou até a minha tão amada Paris.

Meu primeiro contato com o luxo

Meu primeiro contato com o luxo teve início na tarde em que recebi pelo correio uma carta com instruções e protocolos sobre a minha estadia em Paris. A agenda era bem clara: na noite do dia tal vocês deverão estar vestidos em traje esporte fino para um jantar com o Ministro das Relações Exteriores, no famoso Bateaux Mouches®. Sabe aquela frase “não tenho nem roupa para isso”? Acreditem, eu não tinha mesmo. Me lembro do meu pai me levar a algumas lojas (nada de grife obviamente) e me falar “Filha, pegue o que precisa para a viagem”. Pense na felicidade: comprar roupas para ir para Paris, em pleno verão europeu, ter a oportunidade de assistir o desfile do 14 de julho de um local privilegiado e ainda jantar passeando pelo rio Sena. Intangível!

Aos 18 anos, respirando a França desde os 11, eu nem sabia o que seria me apresentar em traje esporte fino na Europa, tampouco como me portar em uma mesa cheia de protocolos, muito menos com um menu que não fazia parte da minha realidade brasileira. Eu que tanto sonhava, pude então viver um verdadeiro sonho. Imagina você 20 anos atrás ter tido a oportunidade de estar à mesa com representantes do governo francês em um Dîner Croisière, às margens do rio Sena, aos pés da Torre Eiffel? Isso me colocava ainda mais distante dos padrões dos anos 2000 e convenhamos que ser padrão nunca foi meu forte, muito menos minha meta de vida. Eu só estava tentando ser eu mesma, desde sempre.

Até os dias de hoje, reservar uma mesa para jantar no Bateaux Mouchex® é uma das experiências mais incríveis que você pode ter em Paris. Você é acolhido desde antes do embarque. Um verdadeiro encanto. A verdadeira expressão do luxo com afeto. Naquela época nos foi oferecido o que havia de mais emblemático em Paris em termos de experiência gastronômica e claro que tudo foi pensado para a nossa recepção, nos mínimos detalhes. Eles nos ofereceram o melhor. O melhor vinho, a melhor lagosta, os melhores assentos com a melhor vista. Teve afeto? Muito. Reconhecimento? De ambas as partes. Me senti valorizada e merecedora? Mais do que eu poderia imaginar. Mas também senti vergonha. Sim. Isso mesmo. Nunca estive em um jantar tão chic, tão requintado e nunca senti tanta vergonha (misturada com fome) ao mesmo tempo. E é sobre isso que eu quero compartilhar.

Luxo com propósito

Os atributos do luxo que eu tenho compartilhado nas minhas redes sociais e nas minhas lives sobre carreira só fazem sentido se vierem acompanhados de um propósito. Me explico. O sucesso de uma ação só é eficaz quando há uma relação de ganha-ganha dos dois lados, ou seja, quem recebe fica feliz e quem oferece fica mais feliz ainda. Não quero que entenda como crítica, não é isso. Sou muito grata por essa oportunidade tão exclusiva. Meu propósito ao compartilhar essa experiência é trazer para a consciência que, quando colocamos nosso desejo em oferecer acima do entendimento de quem vai receber, estamos fadados à frustração.

Preparar uma recepção, por mais simples que ela seja, necessita de cuidado, de análise minuciosa sobre todo seu contexto e principalmente sobre quem é seu convidado. De nada adianta você preparar uma mesa posta linda, com todos seus cristais, talheres de todos os tipos, guardanapos do mais puro linho e seus convidados ficarem com medo de tocar, de quebrar alguma coisa e pior, sentirem vergonha. Se não for a realidade deles, todo esse seu afeto exacerbado (mesmo que ele entregue todo o amor do mundo) estará fadado ao fracasso e ao desconforto. Estou dizendo para não fazer? Não, não é isso. Estou dizendo para você iniciar aos poucos, mesmo que não seja do jeito que você idealizou. Plante a sementinha do acolher bem, do afeto, do demonstrar o quanto seu convidado é importante e o quanto você se preparou para recebê-lo. O mesmo serve para o menu e bebidas servidos. Eu adoraria servir meu melhor champanhe para receber meus amigos, mas eu sei que boa parte deles só beberia porque é chic e não por apreciarem de verdade.

Luxo com afeto

Uma das cenas mais emblemáticas sobre receber com afeto é a cena do jantar entre A Bela e a Fera, cena em que é servido uma sopa. A Bela pega a colher e inicia delicadamente a refeição enquanto que a Fera, por não ter dedos, tem dificuldade em utilizar a colher. Olhando a Bela se alimentar, a Fera que estava faminta repousa a colher sobre a mesa e leva a tigela de sopa à boca. Bela por sua vez, para não constranger a Fera, também repousa sua colher e copia o mesmo gesto da Fera criando um laço de empatia. Para quem não sabe, uma das recomendações de etiqueta é não constranger seu convidado. Você sabia disso? Me diz se isso não é luxo com afeto?

O afeto não pode ser egoísta, muito menos causar constrangimento, mas também não pode abafar quem você é.

Preparar um jantar, uma experiência, uma viagem e até mesmo alguma atividade no trabalho deve ser liderado pelo afeto sem ego. Me explico. Quando preparamos algo e inconscientemente esperamos o reconhecimento em troca é porque deixamos o ego liderar a nossa estratégia. Digo isso por experiência própria. Toda vez que o ego ocupa o papel de anfitrião, ele rapidamente insere a frustração em sua lista de convidados. Resumindo, faça por você, pelo outro, mas nunca espere nada em troca, muito menos aplausos.

Você já deve ter passado por momentos em que se sentiu único, em que tudo foi preparado exclusivamente para você. Certamente que sim. E como você se sentiu? Consegue mensurar o quão valiosa foi essa experiência? Um dos atributos do luxo é despertar o intangível. O luxo é emocional. O valor financeiro de um produto ou de uma experiência é o último atributo a ser avaliado por quem está em busca de exclusividade. Ter um passaporte com quase todas as folhas carimbadas, para alguns talvez seja sinônimo de luxo ligado à riqueza, mas para mim é muito mais do que isso. É sinônimo de muitas histórias intangíveis com afeto que eu facilmente passaria horas compartilhando, obviamente que acompanhada de uma boa taça de vinho.

Se a essência dessa minha primeira história ressoou em você, te convido a reler este artigo mais pausadamente. Se dê de presente esse luxo com afeto. Pegue uma bebida que te conforte, retome a leitura e reflita: quando foi que você deixou o ego e a frustração serem os líderes da sua estratégia? Quando trouxer para a consciência, se pergunte: o que eu vou fazer para não perder meu papel de ótimo anfitrião para o ego novamente?

Independente de onde você esteja, do cargo que ocupe, da atividade que exerça ou das pessoas que receba, não seja MENOS. Seus valores precisam estar claros, primeiramente para você. Não seja menos autêntica ou menos afetuosa. Nunca foi errado ser quem você é. Apenas seja. Seja quem você nasceu para ser.



Aucun texte alternatif pour cette image

Meu nome é Vanessa Lima, tenho 37 anos. Sou secretária executiva por vocação, Beer sommelière por paixão, tradutora, professora de francês, especialista em língua e literatura de expressão francesa por amor e formação. Coleciono uma infinidade de check-ins nacionais e internacionais conectados a experiências de puro afeto. Pesquisadora do mercado de luxo internacional compartilho insights, experiências pessoais e atributos do mercado luxo, despertando a possibilidade de todos viverem uma vida de luxo com propósito, luxo com afeto.



Mara Mulinari

Gerente de Facilities e Administrativo & Secretária Executiva na Horiens

3 a

Vanessa Lima parabéns pelo artigo! É intangivel o valor agregado quando aplicamos esses ingredientes: luxo com afeto em tudo que fazemos. O reconhecimento as vezes não é imediato. Mas ele chega ! A arte está em termos o Espírito de Servir livre de rótulos. Sucesso em sua (nossas) carreiras.

Valéria Szewczyk

PTP Accountant at Fresenius Medical Care EMEA GBS | SAP FI User | BR Portuguese native speaker | AP&AR Accounting experience

3 a

Que incrível! Parabéns e obrigada por compartilhar! :)

Lilian Daylac

Strategic Business Partner | Project Management | Operations Management | Event Planner

3 a

Um luxo, ameeei!!!

"O sucesso de uma ação só é eficaz quando há uma relação de ganha-ganha dos dois lados, ou seja, quem recebe fica feliz e quem oferece fica mais feliz ainda". Esse trecho do texto traduz muito do que vejo em você, e em todos os aspectos da sua vida pessoal, profissional e espiritual, o encanto, a dedicação, o cuidado e intenção de oferecer uma experiência incrível a quem vai receber seu trabalho ou para quem vc está recebendo em seu evento, sempre estiveram presentes nos maxis e míninos detalhes. E é isso que te faz cada vez mais incrível. Sorte dos que podem perceber e acolher isso e dos que aprendem que o luxo e o cuidado não tem relação com a "frescura", mas sim com o melhor que podemos oferecer. Obrigada por um artigo tão lindo, rico e inspirador. Por favor, continue sendo apenas vc! Te admiro do fundo do ❤️

Thais Cristina

Account Manager na Logitech

3 a

Lindo ❤️

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos