Contratos de escrow account (conta vinculada)
Contratos de escrow account: uma forma de mitigação de riscos em operações de M&A e mútuos financeiros estruturados.
Os contratos de escrow account (ou contratos de conta vinculada) são instrumentos normalmente utilizados em operações de fusões e aquisições (M&A), mútuos financeiros atrelados à cessão fiduciária de recebíveis, contratos de financiamentos com participação do BNDES, dentre outras operações envolvendo valores expressivos.
Trata-se de contrato complexo cujo tipo legal não está previsto na legislação brasileira, o que demanda cuidados especiais na sua negociação e elaboração. Ele possui características únicas que protegem as partes de certos riscos e, ainda, endereçam interesses relevantes em contratos financeiros com múltiplas partes e diferentes classes de credores.
Com origem na Inglaterra e nos Estados Unidos, no Brasil o contrato de escrow account pode ser definido sob o viés de sua destinação econômico-jurídica, visa garantir o cumprimento de obrigações de um contrato principal por meio da contratação de uma parte (no Brasil, uma instituição financeira) que terá obrigações de depósito e guarda de valores pecuniários recebidos, para posterior liberação para o beneficiário, desde que cumpridas certas condições, sejam elas positivas ou negativas (covenants), ou em razão do decurso de prazo.
Assim, vislumbram-se as principais características do contrato de escrow account: contrato “trilateral” (pelo menos três partes) e acessório - com finalidade de garantia. O contrato terá a participação obrigatória de uma instituição financeira responsável pela abertura e administração da conta ou das contas vinculadas (de titularidade de alguma das partes ou mesmo em nome de terceiros) para onde serão direcionados recursos vinculados à operação prevista no contrato principal (operação de M&A, mútuo etc.), sendo este seu grande diferencial. Os valores depositados na conta vinculada somente poderão ser liberados ou movimentados mediante o cumprimento das condições ou em razão de certos prazos acordados. Da mesma forma, investimentos com os recursos depositados (enquanto não liberados à parte beneficiária), somente poderão ser realizados em estrita obediência ao quanto disposto contratualmente. Na prática, em contratos de conta vinculada somente são previstos investimentos que permitam liquidez diária, para que os valores possam ser liberados sem entraves e que tenham baixo risco (por exemplo, títulos de renda fixa), para que se afaste a possibilidade de redução do montante depositado.
São essas particularidades que conferem maior segurança, previsibilidade e transparência às operações nas quais os contratos de conta vinculada estão inseridos.
Em operações de M&A, por exemplo, o contrato de escrow account pode ser utilizado para retenção de parte do preço junto à conta vinculada para que sua liberação ocorra depois de eventuais ajustes no preço da empresa-alvo, após o fechamento da operação e condicionado à finalização da due dilligence em que se buscará identificar eventuais contingências que, a depender do resultado da auditoria, implicarão em revisão do preço final da aquisição societária.
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O contrato de escrow account assume especial relevância nos mútuos financeiros relacionados a grandes projetos de infraestrutura, onde o project finance aparece como modalidade de estruturação financeira para que os fluxos de caixa gerados pelo empreendimento sejam utilizados para amortização e remuneração do capital tomado de uma plêiade de credores.
Nestas operações, o contrato de conta vinculada não só é recomendável como, em muitos casos, absolutamente necessário. Por tal instrumento será possível prever todo o cascateamento dos valores obtidos através do empreendimento para amortização das diferentes classes de credores (por exemplo, mutuantes e debenturistas) e, ainda, prever a abertura de conta para recebimento de eventuais indenizações devidas nos termos das apólices de seguro (típicas em tais projetos), para que tais montantes sejam igualmente transferidos aos credores.
Entretanto, apesar de sua larga e importantíssima utilização no mundo empresarial, a utilização do contrato de escrow account também carrega certos riscos. Como não poderia deixar de ser e como em qualquer contrato complexo e sem previsão legal, deve-se levar em conta os riscos de eventuais lacunas nas regras relacionadas às movimentações, bloqueios, liberações e transferências de valores, as quais devem ser minuciosas e sempre ser um reflexo detalhado das obrigações dos contratos principais.
Cuidados que devem ser tomados, em especial, levando-se em conta o papel da instituição financeira enquanto parte “neutra” dentro de uma relação entre credores e devedor. Ainda que toda a relação contratual deva estar pautada pelo princípio da boa-fé, os contratos de infraestrutura não estão isentos da existência de interesses contrapostos que, muitas vezes, se chocam. Choques que podem implicar em tentativas de responsabilização da instituição financeira onde foi criada a conta vinculada e que deve realizar as movimentações, liberações, investimentos e bloqueios dos fluxos financeiros do project finance.
Por fim, uma vez que a conta vinculada (de movimentação exclusiva do banco) deve ser aberta em nome de uma (ou mais) partes do contrato principal, corre-se o risco de que os recursos direcionados para a conta, ou mesmo os valores já depositados, sejam objeto de constrição judicial em razão de processos movidos por terceiros. Nestes casos, a título de exemplo, as soluções que se apresentam são a constituição de garantias, que podem abranger tanto os créditos devidos: cessão fiduciária ou penhor de direitos creditórios, quanto os valores depositados, e investidos por meio das contas vinculadas, em especial, mediante a constituição de garantias sobre “Certificados de Depósitos Bancários” (CDB), algo que se tornou mais seguro juridicamente a partir da melhor regulamentação do título através da Lei 13.986/2020.
São Paulo, 5 de julho de 2022.
Olavo Guarnieri