Contratos de TI: quando a pressa custa caro!
Algumas semanas atrás, logo depois de uma negociação difícil com um fornecedor, enquanto apoiava um cliente na aquisição de um novo software de ERP, algo me fez refletir profundamente.
Após a reunião, o cliente, surpreso com o resultado positivo, perguntou:
— Reges, como você foi parar na área de direito e tecnologia, criando tantos argumentos de negociação, antecipando problemas tão complexos, vindo de um lugar tão distante e pequeno, onde mal havia tecnologia? Não parece algo quase improvável?
Essa pergunta ficou comigo durante o caminho de volta para casa. Não era a primeira vez que alguém questionava a relação entre o lugar de onde vim e o caminho profissional que escolhi.
E, quase sem perceber, as lembranças da terra natal vieram à tona. Às vezes, a gente não se dá conta de como o lugar onde crescemos nos molda, até que alguém nos faça parar para pensar sobre isso.
Nasci no interior do Rio Grande do Sul e vivi lá até a adolescência, em uma localidade rural onde as coisas eram resolvidas de maneira muito simples e direta. Não havia a correria das decisões rápidas, para bater metas desafiadoras, vencer disputas ou competições, típicas da vida urbana, nem a formalidade excessiva para se fazer uma transação.
A vida era moldada pelo esforço, pela resiliência, e, de vez em quando, por viagens sacolejantes de ônibus nas estradas de terra empoeiradas para se chegar à cidade. O trabalho manual com ferramentas como uma enxada e um trator era o que movia a economia local e simbolizava uma certa liberdade ou autonomia.
Olhando para trás, percebo que foi exatamente esse cenário que me preparou para lidar com as complexidades do mundo dos negócios e das tecnologias atuais. Crescer em um ambiente sem grandes recursos, ás vezes, bem inóspito, nos ensinou a resolver problemas com criatividade, diálogo, confiança e, acima de tudo, transparência.
Negócios eram fechados com um aperto de mão, e a palavra empenhada tinha mais valor do que qualquer contrato bem redigido. A simplicidade para resolver qualquer problema crítico era um hábito natural da região.
Hoje, ao analisar contratos de tecnologia, muitas vezes cheios de termos técnicos complexos e de cláusulas que buscam garantir vantagem para o lado proponente, vejo o quanto essas raízes me fortaleceram.
Contratos modernos são armadilhas esperando para capturar os incautos, disfarçadas de boas intenções. Muitos proponentes apresentam seus produtos como soluções perfeitas, enquanto escondem suas verdadeiras intenções em cláusulas complexas. É exatamente como as famosas "arapucas" que montávamos, para pegar a caça, do dia, no quintal na infância — só que agora, as armadilhas são muito mais sofisticadas.
Quem redige o contrato de tecnologia, geralmente, tenta garantir a melhor posição para si. Contratos de adesão, quando lidos na íntegra, são como um labirinto, desenhado para que a outra parte aceite os termos sem resistência.
Essa é a razão pela qual tantos contratantes relutam em ler contratos de tecnologia: sentem que estão sendo levados, de olhos vendados, para um caminho sem volta e não possuem nada a fazer a não ser aceitá-lo sem reclamar, pois talvez, o benefício pretendido seja maior do que as condições que lhe foram impostas.
Mas, para quem conhece o jogo, nenhum contrato é imutável. Todo contrato pode ser discutido, ajustado e, mais importante, deve refletir o que foi realmente combinado nas longas conversas negociais.
Naquele dia, enquanto voltava da reunião com o cliente, parado no trânsito e observando o Waze tentando me guiar pelo caminho mais rápido, lembrei-me de como, no passado, as direções eram transmitidas de forma muito mais simples. "Vira depois da casa da dona Maria" ou "segue até o bar do Zé" eram as instruções mais comuns. Não havia mapas digitais, mas ninguém se perdia. Era tudo baseado na confiança e na paciência — valores que parecem estar em desuso na geração do smartphone ou do TikTok.
Hoje, no mundo moderno, onde as transações são impulsionadas por algoritmos e assinaturas digitais, sinto falta durante reuniões, do ritmo mais transparente e confiável do interior brasileiro. Quando algo quebrava, não havia aplicativos ou plataformas para chamar técnicos. Você caminhava até o vizinho, pedia uma ferramenta emprestada, e o problema era resolvido com uma conversa de várias possibilidades para encontrar uma solução. Era uma relação de confiança, comunidade e pertencimento.
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No mundo corporativo, a velocidade se tornou o objetivo principal. A pressão para bater metas é tão grande que a qualidade do que foi prometido muitas vezes fica em segundo plano. Fecham-se contratos rapidamente, e os prejuízos surgem depois, quando os problemas começam a aparecer.
E muitas vezes, até quem assinou o contrato já não está mais na empresa, transferindo o problema para os próximos gestores. O que deveria ser uma parceria de longo prazo acaba se transformando em uma disputa judicial ou um conflito permanente.
No setor de TI, não é incomum que projetos comecem sem que os contratos sejam assinados, como se a palavra ainda tivesse o peso de antigamente. No entanto, as promessas feitas na mesa de negociação muitas vezes são esquecidas ou ignoradas em projetos complexos quando o problema surge. A palavra empenhada, nestas situações, perde seu valor, e as pessoas agora recorrem a gravações de reuniões e atas formais para se protegerem.
O tempo necessário para um simples "ok" em um e-mail pode demorar semanas, enquanto a desconfiança permeia até mesmo os relacionamentos mais próximos. O que é dito em reunião, na maioria, das vezes, não é formalizado no email, por receio de que isso seja usado contra você.
Que bela maneira de começar um negócio ou uma relação de longo prazo, não ?
Essa simplicidade e transparência do interior, se perdeu ou não existe no momento do embate nas grandes negociações. E por isso é necessário estar muito mais preparado que antes. O aprendizado que tive jogando truco nas tardes chuvosas da adolescência, quando não se podia trabalhar na lavoura, na varanda de casa, foi fundamental para antecipar os movimentos dos meus oponentes nas negociações atuais. Afinal, parece que tudo virou uma competição.
Então, no truco, assim como nas negociações de tecnologia, você não ganha apenas com boas cartas. É preciso saber ler o oponente, blefar no momento certo e ter uma estratégia clara, sem se deixar levar pela pressa. Cada jogada deve ser pensada com calma, e o resultado depende de como você conduz o jogo.
No campo, a pressa nunca foi uma variável. O foco sempre foi o resultado bem trabalhado, construído com calma e dedicação. Hoje, as pessoas assinam contratos sem ler, sem entender que estão plantando uma tecnologia que pode se enraizar na empresa como uma erva daninha — e o custo para removê-la será muito maior do que o investimento inicial.
Contratos, por si só, não garantem confiança. Eles são frios e calculados, e podem facilmente se tornar armadilhas. Um contrato precisa refletir as conversas e promessas que ocorreram durante a negociação. Quando isso não acontece, ele se transforma em uma fonte de conflito, não de segurança.
Surpresas em um contrato são sinais de que a negociação não foi sincera. Um contrato transparente deve espelhar o que foi discutido, sem pegadinhas escondidas.
A pressa em fechar contratos, sem o devido cuidado nas conversas preliminares, é um erro. Um contrato bem-feito não é apenas um documento técnico; ele deve ser um reflexo fiel do entendimento entre as partes. Quando isso é negligenciado, o contrato falha em seu propósito mais básico: garantir o equilíbrio para todos os envolvidos.
No final das contas, contratos, negociações e tecnologia não são apenas sobre termos escritos ou ferramentas sofisticadas. Eles são sobre pessoas, confiança e o compromisso de honrar o que foi acordado.
Como no truco, onde a vitória não depende apenas das cartas que você tem na mão, mas de como você joga, no mundo dos negócios, a verdadeira habilidade está em construir parcerias sólidas, com transparência e respeito.
Um contrato bem-feito é como uma lavoura bem cultivada: exige paciência, tempo e cuidado. Se a colheita vier de um terreno mal trabalhado, o preço a ser pago será alto, e o prejuízo será inevitável. No jogo da vida e dos negócios, a confiança sempre será o trunfo mais valioso.
Bons Negócios a Todos.
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3 mReges Bronzatti Você é pura inspiração! Que jornada fantástica ! Parabéns !