Corrupção e Programas de Compliance
É imperioso, e por exigência legal, que todas as empresas brasileiras estabeleçam internamente políticas de boa governança visando coibir atos de corrupção e não somente grandes construtoras expostas na mídia pela Operação Lava Jato da Polícia Federal no Brasil, a fim de minimizar os riscos e custos de eventual ato de corrupção por seus colaboradores e/ou dirigentes.
A corrupção dificulta a formação do preço, minimiza os investimentos da iniciativa privada, facilita a existência de oligopólios e atos de concentração econômica que prejudicam a livre iniciativa, enquanto retira investimentos públicos relevantes da sociedade, como a educação (formadora de mão-de-obra qualificada), saúde (capacidade produtiva do trabalhador) e gera custos indiretos de menor crescimento econômico e aumento da desigualdade econômica. Tais fatores levaram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a fomentar através de Tratado Internacional a adoção interna pelos países signatários de medidas anticorrupção.
O Brasil ratificou-o em 15 de junho de 2000 e, portanto, integrou ao ordenamento jurídico brasileiro a Convenção de Paris sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais de 17 de dezembro de 1997. Posteriormente, em 31 de outubro de 2003, houve a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, ratificada no Brasil por decreto de 31 de janeiro de 2006 e somente em 2013 o Brasil legislou sobre normas de combate à corrupção com a Lei Federal nº 12.846/13 (Lei Anticorrupção).
Já possuíamos a Lei de Improbidade Administrativa, Lei Federal nº 8.429/92, que responsabiliza o administrador público, o político; faltava a outra ponta: o administrador de empresas privadas. Por isso, a Lei Anticorrupção é também denominada Lei da Probidade Empresarial ou da Empresa Limpa.
Entretanto, note-se que, nos Estados Unidos da América, já em 1972 o Escândalo Watergate influenciou na criação de lei anticorrupção norte-americana: o Foreign Corruption Practice Act de 1977. A Lei Sarbanes-Oxley (em inglês, Sarbanes-Oxley Act) assinada em 30 de julho de 2002 pelo senador Paul Sarbanes (Democrata de Maryland) e pelo deputado Michael Oxley (Republicano de Ohio) também foi importante instrumento legal garantidor de transparência pública da gestão financeira empresarial, cuja publicidade aumenta o controle financeiro dos investidores e gestores sinalizando possíveis desvios para pagamentos de propinas.
Na Inglaterra, ressalta-se o Bribery Act do ano 2000. Portanto, estávamos com atraso perante o mundo no que tange à legislação anticorrupção e na melhora de nosso índice de percepção de corrupção. O índice de percepção da corrupção do Brasil calculado em 2015 pelo organismo internacional, Transparência Internacional, é de 38 pontos; sendo em 2014 de 43 pontos. Demonstrou perda de pontos frente ao Escândalo de corrupção na PETROBRÁS.
Antes do advento da Lei Anticorrupção Brasileira, Lei Federal nº 12.846/13, a exposição na mídia de um flagrante de crime de corrupção por um colaborador não gerava danos patrimoniais ou à imagem institucional da empresa, que geralmente publicava nota à imprensa informando que tal ilícito não era sua política da empresa e que o infrator fora demitido.
Atualmente, a Lei Anticorrupção Brasileira instaura a responsabilidade objetiva da empresa, ou seja, caso seu colaborador seja flagrado cometendo um ato de corrupção, além deste ser responsabilizado criminalmente, a empresa poderá, após garantido o contraditório e a ampla defesa, ser responsabilizada independentemente de comprovação de sua culpa e lhe ser imputada, na esfera administrativa, multa até 20% do faturamento bruto do ano anterior ou, na impossibilidade de aferição, até o valor de 60 milhões de reais; bem como serem obrigadas a publicar na imprensa de grande circulação a decisão condenatória, ter seu nome lançado em rol de publicidade geral no Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP e Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas – CEIS.
Independentemente da esfera administrativa, cabe também na esfera judicial ação civil de iniciativa do órgão público lesado ou do Ministério Público com a possibilidade da aplicação das seguintes penas:
I - perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé com objetivo de ressarcir o erário;
II - suspensão ou interdição parcial das atividades da empresa;
III - dissolução compulsória somente da pessoa jurídica do grupo econômico constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados, ou utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos;
IV - proibição de receber dinheiro público (incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público) pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos.
Para a norma, os atos de corrupção, modalidade licitação, são:
a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público;
b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público;
c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo;
d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente;
e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo;
f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou
g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública
Os demais atos de corrupção descritos na lei são mais genéricos e não restritos a procedimentos licitatórios, como:
I - prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada;
II - comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei;
III - comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;
IV - dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.
Visto que os atos de corrupção não se restringem somente a quem licita com o Poder Público, qualquer empresa que receba a visita de um fiscal para inspecionar os livros contáveis ou o estabelecimento comercial está sujeita a ocorrência de atos de corrupção diante de colaboradores destreinados.
Os segmentos da iniciativa privada com sua atividade econômica regulada por Agências Reguladoras (ANVISA, ANATEL, ANEEL, ANP) possuem maior número de normas administrativas, resoluções, instruções normativas para adequar seus procedimentos internos e permanecer no segmento, portanto demandam mais atenção nos programas de conformidade.
A lei também prevê a possibilidade de, no interesse da Administração Pública, haver o ACORDO DE LENIÊNCIA, que visa acordar formalmente o compromisso da empresa em colaborar na identificação dos demais envolvidos - independentemente de medidas judiciais autorizativas de quebra de sigilo fiscal, bancário ou de telecomunicações - na obtenção célere de informações, documentos que sejam prova válida para a responsabilização dos envolvidos, a fim de possibilitar o rápido ressarcimento do dinheiro público. De outro lado, possibilita a redução de até 2/3 da multa aplicada, a isenção da obrigação da empresa publicar a decisão condenatória, a não proibição de empréstimos ou incentivos com o dinheiro público.
São requisitos legais à concessão do ACORDO DE LENIÊNCIA a empresa declarar sua participação, mesmo que indireta, na ocorrência do ato de corrupção perpetuado por seu colaborador. É essencial a análise jurídica capacitada quanto à viabilidade desta assinatura, avaliando-se as suas consequências jurídicas de forma isenta de pressões psicológicas oriundas do Ministério Público, da exposição da mídia ou de decretações judiciais de prisões preventivas.
Estipula o artigo 7º da referida lei a forma de cálculo da pena aplicável ao ato de corrupção e esta levará em consideração dentre outros fatores, como a gravidade e os efeitos negativos do ato de corrupção, a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica.
O remédio mais barato, como sempre, é a prevenção configurada na efetiva implantação na empresa dos denominados Programas de Compliance ou de Conformidade à regulamentação, que podem reduzir ou, por vezes, evitar a aplicação de multa por atos de corrupção à empresa e/ou a seus dirigentes, quando a empresa demonstre implantar política anticorrupção efetiva, identificando riscos da ocorrência de atos de corrupção, classificando os níveis desses riscos, orientando colaboradores na adequada ação preventiva, monitorando e aperfeiçoando os mecanismos de conformidade aplicados. Não basta a mera transcrição de Códigos de Ética e de Conduta no website da empresa.
Essencialmente deve-se viabilizar o engajamento de todos na visão e nos valores da organização, não somente os colaboradores, como também gerentes e diretores visando a prospecção de negócios livres de atos de corrupção e, de consequência, do risco de pesadas perdas à empresa e a seus dirigentes.
Somente uma efetiva implantação de Programas de Conformidade (Compliance) gerará a segurança na autoridade para isentar ou minimizar eventual multa aplicável ao caso concreto.
Ademais, assim como a responsabilidade social e ambiental, a implantação de Programas de Conformidade agrega valor à marca institucional, aumenta a satisfação dos colaboradores e de toda a sociedade. É chegada hora de se estabelecer Justiça para a sociedade brasileira, real destinatária dos gastos públicos, e para as gerações futuras viverem num país melhor. Desmascare a corrupção.