A COVID-19 E O PROBLEMA DA ESCASSEZ DE LÍDERES MUNDIAIS.
Em dezembro de 2019, o mundo começou a voltar o seu olhar para a cidade chinesa de Wuhan: inúmeras pessoas ligadas a um mercado de produtos marinhos eram infectadas por um novo patógeno pertencente à família do coronavírus que causava a doença batizada de COVID-19. Todos assistiam os capítulos iniciais do que se tornaria uma das pandemias mais graves do século XXI.
Gradativamente, países da Ásia, Europa, Oriente Médio, América e África foram testemunhando a letalidade do novo vírus o que fez com que, em sua maioria e em tempos distintos, Chefes de Estado fossem adotando a recomendação fornecida pela Organização Mundial de Saúde - OMS que indicava o isolamento social como a forma mais eficaz de prevenção da doença. Daí em diante, observou-se um crescimento exponencial da demanda sobre o sistema de saúde de inúmeros países, o fechamento do comércio, de escolas, bancos, templos religiosos bem como de todo segmento considerado não essencial. Em pouco tempo, todos se viram compelidos a se reinventarem: o home office, serviços delivery e a adoção em larga escala das novas tecnologias em ramos diversos como a educação têm sido algumas das alternativas adotadas, em caráter emergencial, por empresas que tentam minorar os impactos catastróficos previstos para a economia mundial de 2020.
Esse complexo cenário que se ergueu diante de nossos olhos em poucos meses urge por respostas rápidas, inteligentes e criativas por parte do Estado, peça fundamental no enfrentamento da pandemia. O fato é que, a medida em que a doença de COVID-19 se propaga, torna-se cada vez mais evidente a existência de uma crise, também de proporções globais, já conhecida, porém não suficientemente considerada: a fragilidade e sobretudo a escassez de lideranças que sejam capazes de favorecer o desenvolvimento de uma verdadeira cooperação técnica e científica entre as nações que, segundo HARARI, Yuval seria o verdadeiro antídoto para esta pandemia (HARARI, Yuval, 2020, p.02).
No artigo supracitado, HARARI – cientista israelense, Ph.D em História pela Universidade de Oxford - embora compreenda e ressalte a importância do isolamento social temporário para o enfrentamento da crise, argumenta que o seu prolongamento indefinido, além de não resolver o problema poderá causar um sério colapso econômico global. Em sua opinião, a história de superação contra outras pandemias, a exemplo da varíola em 1970 e do ebola em 2014, ensina que a proteção real não vem pela segregação, mas "da troca de informação científica confiável e da solidariedade global" (HARARI, Yuval, 2020, p. 09).
Quando um país é atacado por uma determinada epidemia, deve estar disposto a compartilhar honestamente as informações sobre o surto [...] ao passo que os outros países devem ser capazes de confiar naquela informação, dispondo-se a estender uma mão amiga em vez de deixar a vítima no ostracismo. (HARARI, Yuval, 2020, p.10)
O nível de cooperação entre os países necessário para a superação deste momento dramático não se produz de forma espontânea: na sua origem certamente há boa vontade, solidariedade e bondade. Porém, o robustecimento da cooperação pressupõe organização, planejamento, investimento econômico, interação, diálogo e desenvolvimento de ações articuladas. Evidentemente, a existência de lideranças afetiva e emocionalmente maduras, intelectualmente preparadas, que sejam portadoras de um mindset de crescimento (DWECK, 2017) e capazes de lidar com conflitos e polarizações, é uma condição sine qua non para a construção de uma rede de cooperação entre as nações. Contudo, conforme mencionado anteriormente, não é de hoje que se percebe uma certa escassez quanto ao surgimento de novos líderes. A recordação de autoridades políticas, religiosas e intelectuais como Mahatma Gandhi, Teresa de Calcutá, Martin Luter King, Victor Frankl e Freud, inevitavelmente gera a interrogação: o que aconteceu a humanidade? Porque não surgem mais, como ocorreu outrora, lideranças expressivas?
Embora a resposta a esta indagação acerca das causas que produzem este estado de aridez que tem dificultado o surgimento de novas lideranças não seja o escopo deste trabalho, torna-se importante para introdução ao problema, ao menos, a apresentação de alguns indicativos que podem basilar uma reflexão futura sobre o tema. Alguns estudiosos, como WEBBER, Antônio, se referem há uma mudança no modelo de liderança que vem ocorrendo nos últimos anos: passa-se de um modelo mais piramidal - do "manda quem pode e obedece quem tem juízo" - a modelos de lideranças situacionais. Fala-se de "líder de líderes" o que indicaria a presença de pessoas altamente qualificada a exercer verdadeiras lideranças num mesmo time. Há também arautos que anunciam o advento de uma era sem líderes (KANITZ, Stephen).
Fugindo a posicionamentos mais extremados, parece-nos evidente que a experiência de lideranças faz parte das diversas culturas humanas e sua presença pode ser observada em todas as épocas e lugares (HARARI, 2018). Uma explicação razoável para o aggiornamento pelo qual passa a figura do líder, está na mudança de contexto: nunca o mundo foi tão globalizado, com meios de transportes e de comunicação que modificam as fronteiras e reinventam o modo como nos relacionamos. É inevitável: novos tempos conclamam novos líderes.
Em sua obra, Homo Deus, HARARI, em palavras simples, explica que o ser humano enfim 'superou' três grandes dilemas contra os quais lutou até então: a fome, a guerra e as doenças. Não nos será possível, por fidelidade a proposta deste artigo, o aprofundamento em cada uma destas questões. É importante que se esclareça, entretanto, que a afirmação de que estes são ‘problemas superados’ pelos seres humanos, precisa ser pronunciada com cautela: fome, guerra e doença ainda assolam a humanidade, como ocorre agora, mas hoje os seres humanos já possuem conhecimento científico e ferramentas que permitem o controle desses males como nunca ocorreu outrora: a diminuição da mortalidade infantil, o aumento da longevidade, o emprego de tecnologia de ponta para aumentar a produção de alimentos e torna-los acessíveis muda completamente o cenário: o mundo hoje é muito diferente do de algumas décadas atrás. De acordo com HARARI, uma vez que a humanidade ‘superou’ estes problemas, a agenda humana deverá ser preenchida por novas preocupações: a solução da morte, o problema da felicidade, a engenharia genética, etc. Esta mudança copernicana exigirá, sem dúvida, "novas lideranças" e "lideranças novas".
É importante que se diga que, mesmo que a COVID-19 esteja revelando o problema da escassez de líderes com toda a sua candência, esse fenômeno mesmo se desagradável, não é inteiramente ruim: grandes lideranças nasceram – como oásis em meio a desertos - em momentos extremamente difíceis e desfavoráveis. Considerando esta máxima, é possível afirmar que a COVID-19 põe a humanidade diante de uma grande oportunidade que, se bem aproveitada, pode favorecer o surgimento e o desenvolvimento de novas lideranças que favoreçam a construção de um amanhã no qual vigore a paz mundial.
Mestrando em Políticas Sociais e Cidadania , Supervisor na Universidade Católica do Salvador / Professor na Atualizze Cursos Profissionalizantes/ Mestre de Cerimonias..
4 aElton querido, Parabéns, muito boa reflexão. Precisamos realmente repensar, reinventar algumas realidades. Ser líder já é um grande desafio. Vamos juntos, o caminho é árduo, mas conseguiremos.
Jornalista & Criador de Conteúdo | Comunicação Não-Violenta & Liderança Positiva
4 aFantástica análise, caro Elton! 👏🏽🙌🏽