Covid e a nossa democracia

Covid e a nossa democracia

Com o surgir da pandemia, o nosso mundo teve uma transformação sem precedentes. Transformação ao nível pessoal, mas também ao nível profissional, levando-nos a descobrir a nossa inaptidão para conciliar estes 2 mundos num registo de 24h/dia. Isto poderá explicar que, entre 1 de julho e 30 de setembro (que coincidiu com o período pós-desconfinamento) tenham sido registados mais 235 divórcios que em período homólogo (num universo de 3.862 divórcios).

Fomos forçados a estar em casa fechados 24h/dia, 7 dias por semana. Nunca o despejar o lixo, ir ao supermercado ou passear o cão teve um encanto tão especial. Nunca os nossos sentidos estiveram tão ávidos por contactarem com a sociedade e o mundo que nos rodeia…. 

No entanto, não foi somente a nossa relação familiar que foi afetada, também a nossa forma de trabalhar e de viver como sociedade foi afetada. Todo o nosso sistema societário e democrático foi abalado. Para constatar tal facto, basta analisar o relatório “Índice da Democracia” publicado pelo The Economist - Inteligence Unit. Este índice é criado tendo por base 60 indicadores repartidos por cinco categorias: Processo eleitoral e pluralismo; Liberdades cívicas; Funcionamento do Governo; Participação política e Cultura política.

É com base na pontuação inerente a estas 5 categorias que os países são classificados num de quatro tipos de regimes”: Democracias plenas (mais de 8 pts); Democracias com falhas (mais de 6 e até 8 pts, inclusive); Regimes híbridos (mais de 4 e até 6pts, inclusive) e regimes autoritários (até 4 pts, inclusive).

Face a este relatório o Top 3 foi encabeçado pelos nórdicos (Noruega, Islândia e Suécia), como democracias plenas, enquanto que Portugal ficou no Top3 das democracias com falhas atrás da França e dos EUA. Portugal ocupa assim a 26ª posição de forma global e a queda face a 2019 é atribuída de forma direta à redução das liberdades cívicas. Isto, não obstante, da continuidade de uma baixa pontuação na participação politica e no funcionamento do governo.

 Vale a pena refletir sobre esta posição e a tudo o que perdemos durante este ano. Ao dia de hoje e quando olhamos de forma retrospetiva para o inicio desta pandemia e víamos as imagens de países menos democráticos, todos nós afirmávamos (incluindo diversos comentadores políticos) que situações semelhantes nunca (jamais em tempo algum) aconteceriam na nossa europa. Mas o que é certo, é que 12 meses volvidos, todos (ou quase todos) estamos em casa, fechados e com a nossa liberdade e com os nossos direitos claramente condicionados.

 A realidade é que a europa, a nossa europa, suspendeu a liberdade e os direitos (a nossa liberdade e os nossos direitos) por tempo indeterminado. Foram impostos lockdowns, o distanciamento social, o uso de mascara (alguém se lembra da polemica em França referente ao uso do véu islâmico??), a obrigatoriedade de fechar os estabelecimentos comerciais, o ficar fechado em casa…. Fomos impedidos de conviver, de dançar, de pular, de abraçar, de beijar….

Os nossos pais e avós foram fechados e abandonados, sozinhos ou em lares sem direito a verem os filhos, os netos ou simplesmente a saírem para ir ao café ou ao centro social…. Esta é a europa, a nossa europa em pleno sec. XXI.

 No entanto, se algo esta pandemia nos revela é o quanto estamos dependentes de alguns setores cruciais para a nossa sobrevivência como seres humanos…. a saúde, a logística, a tecnologia, a investigação cientifica e a agricultura (entre outros…). Sem eles, nós não poderíamos sobreviver…. Temos e teremos que repensar a forma como vivemos, onde vivemos e como vivemos. Depois de um ano fechados em casa, claramente damos e daremos uma importância muito maior a uma simples varanda ou ao poder sentar numa esplanada a beber um café e sentir um simples raio de sol a tocar na nossa pele.

 Mas ainda voltando à nossa liberdade…

Se foi "fácil" impor um lockdown a toda uma sociedade, já não foi tão fácil equacionar ou ponderar soluções alternativas… Todos temos a noção que o custo deste lockdown exercido de forma mais ou menos musculada vai ser astronómico e que vai ser pago por nós e pelos nossos filhos (e muito provavelmente pelos nossos netos). Esta vai ser a herança que lhes vamos deixar. E estamos apenas a falar de custos económicos, não quantificando os custos emocionais inerentes ao lockdown e às perdas de milhares de vidas humanas por este mundo fora. E será que não existia outra via?

 Tapscott publicou em 2006 o livro "Wikinomics: How Mass Collaboration Changes Everything", em que todo o seu livro assenta no conceito que a colaboração em massa permite que se crie uma gama de bens e serviços gratuitos de código aberto que qualquer um pode utilizar ou modificar.

 Assim sendo e face à situação pandémica do mundo, não se entende porque desde a fase de investigação não foi adotado um sistema aberto. Claro que a investigação e a inovação devem ser ressarcidas, mas não se compreende que neste momento se continue a protelar a vacinação da população por falta de capacidade das empresas quando se podia/deveria já ter levantado as respetivas patentes. Quanto será o valor de uma patente em vidas humanas?

 Esta não foi uma situação excecional, teremos no futuro novas situações similares à atual. Como tal, temos que procurar inovar e encontrar novas soluções. Não pode ser a reclusão, a perca da nossa liberdade e da nossa democracia dando uso a soluções do séc. XVII (durante a peste bubónica). Será que 4 seculos volvidos, não podemos, não devemos ter novas soluções? Temos que as encontrar, trabalhando todos em conjunto para um bem comum. A nossa vida, a nossa liberdade e a nossa democracia.

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