COVID, medidas de desconfinamento, portadores de deficiência: a história dos dois pesos e duas medidas
Se é certo que o Governo (finalmente) contempla os cidadãos portadores de deficiência nas suas tomadas de posição, prevendo no plano de desconfinamento, aprovado no Conselho de Ministros em 30.04.2020, a abertura de equipamentos sociais na área da deficiência a 18 de maio, não menos certa será a contínua ausência de respostas sociais coerentes e ajustadas a esta realidade social.
Pergunta-se: sendo um pólo pedagógico para adultos e a residência familiar para uso permanente e/ou ocasional valências de uma mesma e única instituição particular de solidariedade social será justa a previsão de dois pesos e duas medidas? Exemplificando, uma pessoa portadora de deficiência frequenta um Centro de Atividades Ocupacionais (CAO) todos os dias de semana, das 9h às 17h, deslocando-se após aquela hora para o lar residencial, o qual habita apenas aos dias de semana. Será plausível prever-se a abertura do CAO a 18 de maio e a abertura do lar residencial apenas a 1 de junho, sendo valências de uma mesma instituição? Mais, não obstante estarmos a viver tempos excepcionais que exigem medidas excepcionais, como se justifica a permissão de entrada e saída de clientes (os cidadãos portadores de deficiência) e profissionais na unidade de CAO e não se permite igual direito àqueles que frequentando a mesma unidade, dormem no lar residencial? Não são ambos cidadãos portadores de deficiência?
Porque se permite e se confia que uns regressem a casa todos os dias, com o contacto familiar e social inerente e os seus eventuais perigos e a outros se vede igual direito, considerando no mais que se encontram privados, desde o confinamento, a receber visitas de familiares ou a regressarem aos seus lares, no regime que lhes era habitual? Terão aqueles alguma imunidade especial ao vírus? Ou estes alguma vulnerabilidade acrescida? Terá o Governo, a Segurança Social ou as próprias instituições consciência da sensação de abandono ou de exclusão imposta às pessoas residentes no lar?
Onde se encontra o tão apregoado reconhecimento do valor incomensurável da dignidade da pessoa humana, quando existe uma despreocupação com o auxílio aos mais vulneráveis? Serão estes pela sua condição menos merecedores de desconfinamento que qualquer outro cidadão? Afirma o Governo que as medidas de contenção da pandemia terão de ser levantadas de forma "progressiva, setor a setor, atividade a atividade, evitando aglomerações em determinados pontos e locais". O CAO e o lar residencial de uma mesma associação não farão parte de um mesmo setor? Será que o regresso aos respetivos lares por aqueles cidadãos não irá ao encontro do objetivo de evitar aglomerações em determinados pontos e locais? Não se percebe.
Com efeito, o vazio legal nesta matéria demonstra o desconhecimento total das especificidades desta realidade, como sempre votada à exclusão e ao abandono.
A confirmar esta situação, afirma o presidente de uma unidade nacional de resposta social: “Como não teve em atenção as fragilidades deste público-alvo, acabou por levantar muitas dúvidas quer às organizações, quer às famílias, que agora começam a questionar-nos sobre como devem proceder. Nós, organizações, também não sabemos. Estamos a aguardar que o ministério emita orientações concretas.” Mas acrescenta (e bem): “é preciso ver a opção pessoal dos pais…”
O que não se compreende nem se pode admitir é que sejam permitidas respostas diferenciadas para realidades iguais.
O que se espera é que seja imposto um peso e uma medida para o mesmo setor ou, no mínimo, para as várias valências de cada associação concreta no tão esperado “Guião Orientador”. UMA ASSOCIAÇÃO. UM SÓ ORGANISMO. UMA SÓ DECISÃO.