Crédito de carbono: qual a natureza jurídica desta moeda verde contemporânea?

Crédito de carbono: qual a natureza jurídica desta moeda verde contemporânea?

Definição definitiva requer a regulamentação de um mercado de carbono brasileiro

De antemão, a definição definitiva da natureza jurídica do crédito de carbono requer a regulamentação de um mercado de carbono brasileiro.

Nesta toada, em maio do ano passado, o governo federal buscou implementar, pela primeira vez, o mercado regulado de carbono no Brasil através do Decreto Federal 11.075/2022, oportunidade em que estabeleceu um prazo de 180 dias, prorrogáveis por outros 180, para que, de forma voluntária, fossem apresentados planos setoriais de mitigação da emissão de gases de efeito estufa (GEE), além de trazer a seguinte definição de crédito de carbono:

Art. 2º Para fins do disposto neste Decreto, consideram-se:
I – crédito de carbono – ativo financeiro, ambiental, transferível e representativo de redução ou remoção de uma tonelada de dióxido de carbono equivalente, que tenha sido reconhecido e emitido como crédito no mercado voluntário ou regulado;

Esta natureza jurídica está prevista também na Resolução CVM 175/22, que classificou os créditos de carbono e os créditos de descarbonização (CBios) como ativos financeiros e permitiu a criação de fundos com esses ativos em carteira, após anos de discussão sobre se poderiam ser considerados valores mobiliários e, nesta condição, sujeitos à regulamentação pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Até porque, desde 2009, com a publicação da Lei 12.187, que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), havia a classificação dos créditos de carbono como “títulos mobiliários representativos de emissões de gases de efeito estufa evitadas certificadas”.

Contudo, o Decreto Federal foi incapaz de criar efetivamente um mercado de Cap & Trade – limites máximos para emissão e comercialização do excedente –, modelo que vem sendo discutido no PL 528/21, que tramita na Câmara dos Deputados, a via legislativa adequada, e que propõe criar dois sistemas: o Sistema Nacional de Registro de Compensações de Gases de Efeito Estufa (SNRC) e o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE). O projeto, aliás, segue as diretrizes do Código Florestal (Lei Federal 12.651/2012) ao considerar os créditos de carbono como “ativos intangíveis, incorpóreos e transacionáveis”.

Nesta salada de definições própria do Brasil, podemos citar, ainda, o entendimento da Receita Federal na Solução de Consulta 24, quando tratou das operações com créditos de carbono no âmbito do Protocolo de Kyoto, oportunidade em que entendeu se tratar de ativos intangíveis, e do Banco Central na Instrução Normativa 325/22, em que estabeleceu regras de contabilização para as instituições financeiras de operações com créditos de sustentabilidade, quando aplicou os controles contábeis dos ativos intangíveis.

A nível internacional, esta indefinição permanece. Não há uma definição aplicável uniformemente a todas as jurisdições no mundo. Com frequência, o crédito de carbono pode ser visto como um ativo intangível ou um conjunto de direitos contratuais que quando transacionados em contratos futuros ou de opção, tal qual na União Europeia, poderão ser considerados derivativos, e, portanto, ativos financeiros. Já nos Estados Unidos, vigora o entendimento de se tratar de commodities (Commodities Exchange Act).

Como se vê, as diversas previsões da natureza jurídica do crédito de carbono, em certa medida, trazem insegurança jurídica ao mercado global, sobretudo em relação ao seu adequado tratamento contábil e tributário das atividades relacionadas à geração, compensação e comercialização no mercado regulado e voluntário.

No entanto, me parece ser mais adequado atualmente, sobretudo após a publicação do Decreto Federal e da Resolução CVM, classificá-lo como ativo financeiro, ainda mais se forem títulos escriturados por instituição financeira e com negociação em mercado regulamentado de valores mobiliários, o que, certamente, traria maior liquidez à esta moeda verde contemporânea.

*Artigo escrito por

Jean Marc Sasson - Head de Regulação e Novas Tecnologias & Ambiental, Mudanças Climáticas e ESG no Lima Feigelson Advogados.


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