Crônica - "Frutas e plantações"
Sobre integrais e derivadas
Ainda hoje tenho dúvidas se me dou bem com a matemática ou se ela, soberana, apenas me concedeu muita sorte. Pelo sim, pelo não, pelo medo do desconhecido artístico ou falta de opção fui estudar engenharia. Pelo menos seria um construtor, alguém que ousa tornar real sonhos próprios ou dos outros. Entretanto havia a disciplina de cálculo, feito paredão vertical de pedra para o escalador sem cordas. Simplesmente impossível de se vencer. Dedicados, e não menos aloprados, professores se deliciavam em odes às suas amantes numéricas chamadas integral e derivada. Confesso ter apenas me treinado para subir tal paredão, sem olhar para baixo nem entender a escalada, apenas conseguindo a sonhada nota cinco redentora.
Após décadas de engenharia, projeto e ensino as tais amantes permaneciam tão misteriosas como a personagem Capitu de Machado de Assis. Mas a senioridade nos permite enloucar, então anos atrás tive uma visão. A integral, explicada como a área do gráfico, se referia ao que havia passado até aquele instante. Ora, a integral é uma contabilidade do passado. A derivada, representada como vetor tangente à curva, seria algo ainda por vir, por acontecer. Portanto a derivada é a projeção do futuro. Essa singela interpretação poética chegou até primo ilustre, emérito professor doutor de cálculo, e para minha surpresa foi acolhida e admirada. Sublime revanche da arte etérea explicando a ciência exata.
Mas havia mais. A mesma visão poderia ser usada para entender a vida. Mesmo que nosso passado tenha sido fabuloso, tenhamos acumulado uma grande integral e estejamos no alto da curva material de vida, sucumbimos desgraçadamente aos caprichos de um futuro incerto. Quando estamos deprimidos, nossa perspectiva para o futuro é negativa, nossa derivada de vida aponta para baixo, independente da realidade passada. É o futuro que norteia nossa motivação.
Então, ao entardecer do ser humano pode-se entender a vida apenas como um cesto cheio de frutas, as quais foram saboreadas despreocupadamente na juventude mas agora, sobrando poucas frutas, estas devem ser apreciadas com extrema prudência. Uma bela metáfora mas apenas contábil, ego centrada, uma visão de integral. Ou, num ato extremo de coragem e loucura, a pessoa desvia seu olhar da sua cesta em direção à plantação. Arrisca-se numa perspectiva do coletivo em vez do seu cesto egoísta, uma derivada de eternidade. E quanto mais fé tiver, mais a tangente da curva de sua vida será positiva, apontará para o alto de onde nos chega a luz para a fotossíntese, de onde provemos a Vida.
Eu respeito a integral de todos os cestos com qualquer fruta, mas confesso que prefiro me dedicar à derivada das plantações.
Carlos Lopes - Set 2017