Crescimento de pessoas físicas na Bolsa deve aumentar engajamento em Conselhos de Administração
Por Geraldo Affonso Ferreira
Mesmo em um dos países mais abalados pelo novo coronavírus, a Bolsa brasileira fechou o segundo trimestre de 2020 com uma valorização de 30%.
Paralelamente, a queda da taxa básica de juros para o mais baixo patamar da história levou ao sepultamento dos investimentos de renda fixa. Com isso, o mercado de capitais, que já era a melhor fonte de financiamento do desenvolvimento sustentável de um país, se tornou também a melhor alternativa de investimentos no Brasil, assim como já ocorre em outras economias desenvolvidas.
Esse cenário fez o número de pessoas físicas investindo na Bolsa dobrar em um ano: de 1 milhão em 2019 para 2 milhões em abril de 2020 - e este contingente segue crescendo.
Além disso, a participação dos fundos de investimento no mercado de capitais também se acelerou. Segundo a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), do total de R$ 31,6 bilhões emitidos em ações (IPOs e follow-ons) entre janeiro e maio deste ano, os fundos foram responsáveis pela subscrição de 50,5%, contra 44,3% no mesmo intervalo do ano passado.
Esse novo perfil de mercado, com fundos de investimentos maiores do que nunca e um número recorde de pessoas físicas na Bolsa, revela a necessidade de que estes pequenos investidores e cotistas se engajem mais fortemente nos conselhos de administração das empresas.
Eles devem exercer mais ativamente o seu papel de agentes do crescimento sustentável do Brasil, com uma participação efetiva na conscientização e implementação da boa governança corporativa nas empresas investidas.
Mas atenção: boa governança não é apenas marcar um check em todas as caixas dos manuais de administração. Prova disso são as contínuas falhas corporativas em grande escala que temos acompanhado.
Para garantir uma boa governança, os investidores devem buscar uma comunicação direta e regular com as empresas investidas; não para saber qual será o resultado do próximo trimestre, mas para um maior conhecimento do negócio, atuando como donos – que também são, por menor que seja sua participação.
Isto lhes possibilita uma melhor análise da empresa e o conhecimento necessário para selecionar e indicar seus representantes nos Conselhos de Administração e Fiscal das empresas que efetivamente agregarão valor à companhia.
O atual cenário é também uma oportunidade valiosa para avaliarmos mais profundamente o desempenho dos conselhos, como colegiado e individualmente.
Para contribuir nessa aproximação entre investidores e conselheiros, listo a seguir algumas características que devem estar presentes em bons conselhos.
Um bom Conselho de Administração deve ser composto, preferencialmente, por profissionais com profundo conhecimento do setor onde a empresa atua, e que se mantenham a par das principais tendências, inovações e rupturas desta indústria. O conhecimento de produtos e ciclos de produtos também é um ativo.
A divulgação de dados padronizados pelas empresas oferece apenas uma imagem limitada da funcionalidade de um conselho. E isso deve ser objeto de preocupação e ação.
O Conselho ideal deve ser composto ainda pelo maior número possível de conselheiros genuinamente independentes, não apresentando qualquer vínculo profissional, legal ou financeiro com empresas ou acionistas que possam ser direta ou indiretamente afetadas por suas decisões.
Além disso, é fundamental garantir o comprometimento do conselheiro com a empresa. Um profissional que atue em mais de quatro conselhos simultaneamente ou um executivo de outra empresa, que atue em mais de um conselho, não terão tempo hábil para exercer seu papel em alto nível, o qual não se limita às reuniões mensais dos conselhos, mas inclui também o trabalho em comitês, visitas aos locais da operação e relacionamento com os principais stakeholders.
Em termos de competências pessoais, os conselheiros genuinamente independentes devem ter capacidade psicológica, inteligência emocional e, principalmente, experiência e coragem para defender as melhores decisões para a empresa, inclusive contrapondo posições de outros membros do conselho, se necessário.
Enfim, os conselheiros independentes devem ter características, perspectivas e abordagens diversas, incluindo tipos de personalidade.
Diversidade e inclusão genuínas melhoram a qualidade do debate e da tomada de decisões em um conselho.
Os conjuntos de habilidades dos conselheiros devem refletir as prioridades estratégicas da empresa, com os conselheiros assumindo a responsabilidade pessoal pelo aprendizado e desenvolvimento contínuos.
Como podemos ver, a boa governança é muito mais sutil e complexa do que pregam os manuais. De posse do perfil ideal dos conselheiros, esperamos que os pequenos investidores e cotistas de fundos se engajem cada vez mais nos conselhos e garantam uma participação mais ativa nas empresas investidas.
Geraldo Affonso Ferreira foi executivo do setor de Papel e Celulose por mais de 30 anos e hoje atua em conselho e comitês de auditoria.
Partner | Certified Board Member (CCA IBGC)
4 aGeraldo, parabéns pelo artigo e pelas reflexões!
Owner, Grupo Marbor
4 aExcelente artigo. Com visão mais ampla e aprofundada da ideal composição de conselhos corporativos.
Sócio na Choaib, Paiva e Justo Advogados Associados
4 aMuito bom
Conselheiro de Administração, Conselheiro Fiscal e Comitê de Auditoria
4 aParabéns pelo excelente artigo, Geraldo, destacando requisitos relevantes e muito frequentemente desconsiderados quando da escolha de membros de conselhos nas empresas brasileiras.