Criatividade à Genovesa
Em 13 de Março de 1964, uma bar manager de Queens foi violada e esfaqueada até à morte mesmo à porta do seu edifício enquanto gritava por ajuda, sem sucesso. Segundo a informação de todos os noticiários do dia seguinte, 38 vizinhos testemunharam o acontecimento das suas janelas. Ninguém a socorreu. Ninguém ligou à polícia. Ninguém fez nada para salvar a vida de Kitty Genovese.
O caso - na altura algo exagerado pelos media - fez disparar os estudos de psicologia social sobre aquilo a que se chama agora de “Síndrome Genovese”. Que é, basicamente, o facto de as pessoas não agirem perante uma vítima a ser agredida quando estão na presença de mais testemunhas. Um pouco como o que se passa com a criatividade no meio publicitário.
Não quero com isto dizer que a criatividade anda a ser esfaqueada e violada no meio das ruas. Mas por não o querer dizer, não quer dizer que deixe de ser verdade.
Há várias razões pelas quais as pessoas não fazem nada neste tipo de situações, mas talvez a mais interessante seja o efeito da difusão de responsabilidade. É que a questão não se trata de apatia ou frieza humana. O problema são, literalmente, os outros.
Quanto mais pessoas à volta do acontecimento, menor a probabilidade de alguém fazer algo. Espera-se sempre que seja o outro a tomar a iniciativa. E só aí é que o resto vai atrás para auxiliar. Sucintamente, a responsabilidade é de todos no geral e de ninguém em particular. Logo, ninguém se chega à frente.
Por outro lado, e de mão dada a este fenómeno, está a inerente mentalidade de grupo. Quer queiramos quer não, as nossas acções são condicionadas pelos que nos rodeiam. E se todos os que nos rodeiam agem de uma forma, mesmo que incorrecta, temos desculpa para agir de acordo. Vejam-se os casos de grupos de protesto que descambam para a violência apesar de serem compostos de pessoas que nunca agiriam dessa forma sozinhas.
Quando este setting está solidificado num grupo e aparece alguém a tentar fazer o oposto, o mais certo é o indivíduo acabar por desistir perante a massa. Não os derrotando, ou se junta a eles ou desaparece. É uma força demasiado grande para conseguir superar sozinho. É pior que as tradições. Pior que os clubes de futebol. Pior até que os escuteiros. E é por isso que dá vontade de fugir para uma ilha distante qualquer… escapa-me agora o nome de uma boa para dar como exemplo.
E é assim que todas as semanas lemos ou ouvimos falar sobre grandes criativos portugueses que se fartaram do paradigma nacional e foram lá para fora. Lá para fora, onde ainda dá para fazer coisas giras a ganhar prémios giros por um salário giro.
Ninguém os pode censurar. Todos já pensámos em fazê-lo e alguns puderam fazê-lo mais que outros. Mas não quer dizer que só os bons é que conseguem fugir do crime luso-genovês. Portugal tem bons criativos, mas por cá acabam por definhar. Torna-se uma questão de sobrevivência, no fundo. Eventualmente, por falta de opções, para os jovens criativos esta poderá vir a ser a norma em vez da excepção. E aí é que está o verdadeiro crime. Tínhamos tudo para poder mudar - para melhor e para todos. Bastava que alguns se chegassem à frente para que muitos outros fossem atrás.
Só que a mudança tem de vir de dentro.
É pena que acabe por ir lá para fora.
...
(Ilha Genovesa! Claro.)
Mais disto no Pubsicólogo
Paid Media Specialist na NMQ Digital
9 aO teu artigo fez-me lembrar esta "história": "Esta é uma história de quatro pessoas: TODO O MUNDO, ALGUÉM, QUALQUER UM e NINGUÉM. Havia um trabalho importante a ser feito e TODO O MUNDO tinha certeza de que ALGUÉM o faria. QUALQUER UM poderia tê-lo feito, mas NINGUÉM o fez. ALGUÉM zangou-se porque era um trabalho de TODO O MUNDO. TODO O MUNDO pensou que QUALQUER UM poderia fazê-lo, mas NINGUÉM imaginou que TODO O MUNDO deixasse de fazê-lo. No fim, TODO O MUNDO culpou ALGUÉM, quando NINGUÉM fez o que QUALQUER UM poderia ter feito."