Crises e oportunidades: PME's , famílias e o (des)controle em situações-desafio.
Muito se fala sobre aproveitar momentos de crises para a reinvenção. Colocado assim mesmo, no abstrato. Não perguntamos "que crise?" ou "que tipo de reinvenção?". Olhando em termos mais complexos mas ainda abstratos, a crise ( no geral) expressa um momento onde as contradições entre modelos, formas, culturas se intensificam. É uma batalha ! Só um vencedor. Quem vence ? O modelo antigo resiste e se mantém firme e supera o modelo novo ainda frágil ? O modelo novo engole o modelo antigo pois as condições de existência do primeiro já não existem mais ? E o que falar da "reinvenção" ? Bom, cada pessoa pode se permitir ao arbítrio de ler como quiser essa seara. Eu quero aproveitar o cenário, em especial o cenário que vivo internamente para fazer um estudo de caso. Em pauta as Pequenas e Médias empresas brasileiras - as empresas familiares ou multifamiliares em 1ª geração próximos do período de sucessão societária.
Sou ateu. Alias, estou ateu ( só posso dizer sobre o passado e o presente - o futuro pode nos transformar). E você se pergunta, qual a validade dessa informação ? Eu digo. Sou um homem da ciência. Acredito que todos os acontecimentos históricos, sociais, econômicos e políticos tem um viés que se confirma pelo prisma científico, razoavelmente analisando-se pela racionalidade das complexas estruturas de cada caso. É por isso que empreendo esse artigo para experimentar, criar hipóteses, falsear variáveis e analisar, pelo prisma científico, a minha realidade como potencial sucessor na dinâmica de uma PME em 1ª geração. " Se eu vi mais longe, foi por estar sobre os ombros de gigantes" expressão lembrada por Newton em 1675 quando sinalizou que só podia ver adiante das pesquisas e estudos existentes justamente pela existência deles e que proporcionaram uma melhor leitura do presente. Faço dessas palavras as minhas também e aqui, nesse texto, o gigante que me sustenta é o professor Armando Lourenzo Moreira Júnior e sua obra Bastidores da empresa familiar: Como reduzir conflitos por meio da governança corporativa. Tive a oportunidade de ser seu aluno durante a pós-graduação em Gestão das PME's na FIA - Fundação Instituto de Administração.
Vamos ao caso. A análise que pretendo iniciar nesse artigo não tem pretensão nenhuma de ser finalizada no presente momento. Tampouco em resolver a crise interna que se coloca. Acredito que a função desse artigo é a de expressar minhas reflexões apoiadas pelo cabedal científico que tenho a minha disposição. Estou na linha sucessória de uma companhia de 23 anos. Fundada pelo meu pai e outros dois sócios. Apesar de transitar desde minha infância no ambiente da corporação, é recente minha "entrada no jogo". Para tanto procurei me especializar em gestão, estudar em uma escola de referência (FIA) para que pudesse ler, aprender, sistematizar minhas ações e tentar agir com maior precisão perante os desafios que se colocariam ao longo da jornada. Eu não poderia ter sido mais feliz nessa decisão. Os estudos e a ciência me proporcionaram além de tudo, a sensibilidade para ler a realidade que estou inserido. E me impressiona, todo dia, como cada situação vivida em meu cotidiano já foi em algum momento estudado, cada diagnóstico levantado já foi amplamente investigado do ponto de vista científico, o que aumenta minha margem de segurança para dizer - desafios são amplamente superáveis, a ciência nos mostra.
Historicamente, o mercado brasileiro é composto por um número elevado de pequenas e médias empresas. Tratam-se sobretudo de empresas familiares, iniciadas por meio da ação de pessoas que convergem em interesses, tem relativo grau de amizade ou parentesco e por meio de uma dotação inicial ( capital) abrem o negócio. Muitas das vezes, esse início é complexo e envolto de desafios - a empresa precisa sobreviver. A necessidade de agir in locu, fez com que historicamente, os recém empresários não olhassem para elementos estruturantes de sua nova companhia tais como - cultura organizacional, planejamento estratégico e sistematização de governança ( para citar três elementos que julgo decisivos). Quais as consequências disso ?
Pelas pesquisas do autor, apenas 38% das empresas chegam na segunda geração com uma sucessão com resultados favoráveis. (MOREIRA JUNIOR, 2011, p.6 ). Percebe-se, pelo levantamento de pesquisas realizado em quase todos os Estados do Brasil, que quando há uma intervenção com qualidade no processo sucessório, esse número de 38% aumenta para 68% de casos com resultados favoráveis. Porém, mesmo com o trabalho de consultoria, ainda existirão 32% dos casos empresariais que não terão resultados de sucesso e praticamente o conflito é geralmente a maior causa dos resultados desfavoráveis. Como os conflitos estão atrelados às pessoas, eles tornam as empresas familiares muito desfavoráveis sobretudo pela situação de que algumas pessoas somente terão consciência do mal que causam depois de muito tempo, e os concorrentes não esperam nada, pelo contrário, torcem para que os conflitos aumentem para que tenham mais mercado disponível. (MOREIRA JUNIOR, 2011, p.6)
Simplificando. Numa PME, o poder de influência do sócio/fundador/diretor é determinante. As funções se confundem em uma só pessoa. O sócio se mistura no fundador que se mistura no diretor que se mistura com o gerente que se mistura com o analista... A confusão de papéis é clara. A pessoa ou as pessoas que fundaram a empresa acham que só elas sabem o que é melhor para a empresa. A questão é que durante a edificação de seu patrimônio, essas pessoas estavam certas. Só existiam elas, elas tomavam a decisão e fizeram o negócio crescer. Eles tiveram muitos méritos, sabedoria, paciência e virtude nas escolhas. Só elas, de fato, sabiam. O desafio começa a surgir a medida que o negócio/empresa ganha maturidade.
O crescimento dos negócios e por consequência o crescimento da empresa significa a inserção desta corporação numa dinâmica ainda mais elevada de desafios. Atender mais clientes, evoluir os sistemas internos de gestão, definir estratégias e políticas em recursos humanos e etc... Atrelado a isso é comum que surjam divergências entre os tomadores de decisão. No meu caso, a composição societária contempla três agentes distintos. É natural que existam divergências, perspectivas de interesse... é saudável ! Mas a questão começa a ficar mais complexa quando a necessidade em ter uma situação ganhadora em relação a outra pessoa é maior do que de fato a resolução do problema em benefício da empresa ou mesmo da sociedade. ( MOREIRA JUNIOR, 2011, p.73). Entra em jogo a famosa pergunta " Você quer ser feliz ou ter a razão ?". Escolher entre tomar decisões saudáveis para a empresa ou satisfazer as necessidades do ego ?
As empresas familiares passam por muitos problemas, em nível de gestão e de comportamento, os quais acabam causando a redução de sua sobrevivência. Sendo assim, apenas um terço das empresas consegue realizar a troca de comando para a segunda geração e , desse número, aproximadamente 50% chegam à terceira. (MOREIRA JUNIOR, 2011, p. 72)
Qual a solução para a situação-problema que se apresenta ? As pesquisas científicas apontam alguns elementos para possíveis tratativas tais como:
1)melhorar as ferramentas de comunicação;
2)aperfeiçoamento intelectual dos tomadores de decisão;
3) a criação de um sistema austero de regras claras e que definam com objetividade o papel dos agentes envolvidos. ( o mais decisivo)
Segundo nosso autor, somada à questão dos conflitos, tem-se a falta de capacidade dos gestores na empresa familiar, principalmente aqueles que pertencem às famílias controladoras. O critério de ingresso, em muitos casos, é feito pelo laço familiar e não por meio de critérios de competência, que são comumente utilizados pelas demais empresas nos seus processos de ingresso de colaboradores. (MOREIRA JUNIOR, 2011, p. 73)
A falta de preparo dos sócios é uma das causas de conflito na sociedade e, consequentemente, nas dimensões da família e empresa. Por melhor situação de desempenho financeiro que a empresa tenha ela não resiste à falta de preparo dos sócios e à disputa de poder entre eles. ( MOREIRA JUNIOR, 2011, p. 74)
Criar mecanismos de governança, separando as instâncias de poder é a solução.
Moreira Junior, fala sobre a arquitetar um sistema de governança robusto na empresa familiar, visando a sua longevidade, por meio da realização de:
1) protocolos familiares ( redução de conflitos);
2)estabelecimento de instâncias de poder ( conselho de família, conselho societário, conselho de administração e diretoria-executiva) para a separação clara entre a propriedade, família e gestão;
3)capacitação dos sócios para a implementação da profissionalização da empresa e da sociedade. (MOREIRA JUNIOR, 2011, p.75)
Portanto, separar a relação de propriedade ( fundadores) das dimensões objetivas da gestão (diretoria executiva) por meio de mecanismos que proponham protocolos, conselhos e capacitação, podem garantir a longevidade sustentável, manutenção e crescimento das empresas familiares no momento histórico em que esses conflitos se estabelecem. É necessário lembrar que nesta etapa, a altura dos conflitos e das divergências em perspectivas, a implantação desse sistema austero e robusto de governança não pode ser feito com "fórmulas caseiras". É essencial que sejam recrutados profissionais com a expertise em gestão de conflitos/ processos de sucessão para que se tenha sucesso na empreitada de um projeto desta natureza.
Consultor para a marca Payot e outras marcas. Diretor da Associação Brasileira de Cosmetologia, Especialista em Terceirização, Embalagens, Capacitação técnica de fabrica, ministrante de cursos, palestras…
4 aMuito legal Breno, bem isso . Parabéns.
Nutricionista Consultora na Bureau Veritas
4 aParabéns muito bom! Tirei algumas lições nessas leitura. Um grande abraço.
Gestão de Pessoas | Especialista | Administração de Pessoal | Recursos Humanos
4 aParabéns pelo artigo, ilustrou bastante o cenário das empresas familiares. 👏👏
Líder | Conselheiro | Doutorado em Administração | Sucessão e Governança na Empresa Familiar | Palestrante | Liderança | | Professor MBA
4 aBreno, excelente artigo. Espero que colabore com um grande número de empresas familiares. Parabéns!