CRISIS ? WHAT CRISIS ?

CRISIS ? WHAT CRISIS ?

Em março de 1975 era lançado pela Odeon o quarto disco do Supertramp. Apesar de ter gostado muito dos três outros, esse me impressionou mais que os outros, justamente pela capa de Fabio Nicoli, Paul Wakefield e Dick Ward. As capas dos LPs eram sempre uma obra à parte, que compunham com a obra musical um conjunto que sempre chamava a atenção. Hoje essa capa me parece atualíssima. Fico pensando nesse sujeito assentado no alto de um prédio, na sua espreguiçadeira, iluminado por seu pequeno raio de sol. Como diz a música inicial do disco:
"And if you know who you are
You are your own superstar
And only you can shape the music that you make
So when the crowds disappear
And only the silence is here
Watch yourself, easy does it, easy does it, easy while you wait"

Fácil não deve ser, afinal, há um imenso esforço necessário para se instalar o isolamento, a solidão, o afastamento, o solipsismo  em um mundo tão conectado. No século XX György Lukács entendia esse processo de forma coletiva e chamava de consciência-de-si, uma espécie de egoísmo autoalimentado, alienação. Como era um otimista, Lukács acreditava que um dia essa consciência-de-si se transformaria, pela força das condições históricas, em consciência-para-si, quando aquele sujeito ali da capa estaria olhando o seu entorno e fazendo a pergunta certa: "Que crise é essa? O que tenho com tudo isso?"

Mas esse momento nunca chegou. O movimento revolucionário na Hungria fracassa e a "História e Consciência de Classe" de Lukács cai em esquecimento.

Mais tarde, um pessimista de carteirinha, Marcuse, no seu "O Homem Unidimensional" assume que aquela "consciência-para-si" de Lukács definitivamente se torna impossível  de ser mudada e que a capa de Fabio Nicoli, Paul Wakefield e Dick Ward não é nenhum exagero na década de 60, não será em 70 e adentrará o século XXI como profética.

Crisis? What Crisis? ouvimos todos os dias nos engarrafamentos. Crisis? What Crisis? teclamos todos os dias nas redes sociais. Crisis? What Crisis? perguntamos angustiados para quem nos deixa, terminando uma relação,  com aquele olhar de quem nos estranha, como se nunca nos tivesse conhecido.

Supertramp foi uma ótima banda. Pode ainda ser, mas na década de 70, era um paradigma de qualidade. Ainda vale muito ouvi-los, afinal a arte tem esse dom de ultrapassar os tempos. Hoje, 2016, aquela capa me parece incomoda pela sua pertinência. Serve para contar toda uma problemática referente à  alienação que, mesmo sendo constantemente estudada e analisada pelas teorias, não consegue remover sujeitos esticados em espreguiçadeiras no alto de uma cobertura, que se perguntam Crisis? What Crisis?

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outros artigos de Paulo Volker

  • VOCÊ SABE COM QUEM ESTÁ FALANDO ?

    VOCÊ SABE COM QUEM ESTÁ FALANDO ?

    Essa expressão é a marca de um mundo arrogante e prepotente. Ela é dita para posicionar alguém que não entendeu com…

  • A INFÂNCIA DE UM GÊNIO

    A INFÂNCIA DE UM GÊNIO

    Não é raro identificar nas histórias de grande parte dos gênios, sejam antigos ou contemporâneos, vários episódios de…

  • UM(A) IDEAAH PARA O FUTURO

    UM(A) IDEAAH PARA O FUTURO

    Começamos a sonhar com o IDEAAH como um lugar capaz de abrigar todas as crianças, jovens e adolescentes que buscam um…

    4 comentários
  • A MALDIÇÃO DO FARAÓ

    A MALDIÇÃO DO FARAÓ

    Enquanto as poderosas autoridades internacionais gastam a tecnologia bélica para eliminar terroristas nos recônditos…

    1 comentário
  • Análise 1, Gerontocracia - "Una Economia al Servicio del 1%

    Análise 1, Gerontocracia - "Una Economia al Servicio del 1%

    Gráfico elaborado a partir do relatório da OxFam, da Forbes multimillonarios y e do Global Wealth Databook de Credit…

  • "Una economía al servicio del 1%"

    "Una economía al servicio del 1%"

    Una economía al servicio del 1% La desigualdad extrema en el mundo está alcanzando cotas insoportables. Actualmente, el…

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos