Cuidado com as mulheres no físico e no mental

Cuidado com as mulheres no físico e no mental

Outubro é um mês que falamos muito das mulheres, e da importância de se cuidar, fazer os exames de prevenção e isto é mais do que necessário. Eu gostaria de estender a conversa dizendo que as mulheres precisam ter o cuidado em todas as esferas, tanto na de saúde física, mental e em sua vida profissional.

Não é tão incomum ouvir histórias de mulheres que se desdobram porque, afinal de contas, acabam conciliando quase que minuciosamente seus minutos para dar conta da casa, dos filhos, das responsabilidades particulares e, claro, ser uma executiva excelente. Afinal de contas, também não é incomum vermos que elas tem alguns degraus a mais, especialmente nas corporações para subir e assim poder angariar sucesso e fazer a carreira. 

Eu vim de um universo em que o meu modelo de força de trabalho em minha casa era a minha mãe. Ela sempre esteve à frente dos negócios da família. Na China, é comum a mulher ser o braço forte do lar e no nosso, eu a via sempre com muita habilidade para os relacionamentos.

Já o meu pai, apesar de ter tido certos preconceitos como “filha, não saia de casa usando saia”, por exemplo – inclusive cheguei a ouvir “Ah, eu preferia que você tivesse nascido menino, porque eu precisaria me preocupar menos”, sempre pensou em nosso futuro. Ele sempre criou as filhas para o mundo, para serem profissionais, insistiu para que aprendêssemos idiomas para poder ganhar o mundo.

Pensando neste universo, eu não cheguei a sentir preconceito no mercado de trabalho por ser mulher. Já sofri, sim, por ser oriental, mas pelo gênero, não. Até porque, entrei na área de marketing.

Eu trabalhei em uma empresa em que ficávamos dentro da fábrica. Em determinado momento, fui convocada por minha diretora para fazer parte de um comitê de mulheres. Aquilo, para mim, foi uma coisa muito estranha. Eu estava em uma área de marketing, em que a principal dificuldade era atrair homens, e não mulheres. Mas mesmo assim, eu conseguia entender as discussões porque quem as liderava era justamente essa diretora, que foi uma pessoa que saiu do chão da fábrica e, naquela época, naquela posição, ela já tinha cinquenta e cinco anos.

Você consegue imaginar, nos anos passados, uma mulher saindo do chão da fábrica e se tornando diretora? Era muito mais difícil.

Reflexos da infância

Neste cenário, eu me sentia um peixe fora d’água. Essa coisa da diferença, do preconceito era algo que eu não sentia. Eu sempre fui muito pragmática, cresci com homens, e meus melhores amigos sempre foram homens.

Maternidade

Quando virei mãe, comecei a perceber o quanto é difícil e pesado conciliar a sua experiência, sair do seu eu, da sua individualidade, para compartilhar com a sua família, os seus filhos.

Quando a minha filha completou quatro meses de vida, comecei a pensar que seria muito difícil me separar dela para voltar à rotina que eu tinha. Eu olhava e falava: “Gente, é um bebê muito, muito pequeno. Como as mulheres conseguem deixar?”. Aos seis meses, quando ela começou com a introdução alimentar, comecei a pensar que ela morreria de fome, porque não sabia ainda deglutir. Foi um processo doloroso me manter em pé para trabalhar e lidar com as angústias e os medos da maternidade.

Eu sentia culpa. Naquela época, ainda, eu tinha falado na corporação que não poderia fazer viagens longas justamente porque ela era muito pequena. Mas, um mês de volta ao trabalho, me enviaram para Singapura.

Falta do Olhar para as Mães

Mesmo eu tendo pedido para não viajar, porque eu não queria ficar longe da minha filha, surgiu este projeto e eu deveria ir. As corporações, afinal, naquela época e, bem, ou mal, até hoje, não querem nem saber deste tipo de problema.

É muito difícil, porque uma corporação tem muitos funcionários mas efetivamente não se leva em consideração, até hoje, o lado por exemplo de uma mãe que está passando ali pelo puerpério. Não observam se ela está conseguindo se desligar ou não, tentando voltar à normalidade. E, no fundo, nada fica como antes a partir do momento que você tem um filho, porque o sentimento muda completamente.

Vem, então, a culpa, o psicológico, a exaustão mental e física. E isso é o tipo de coisa que é imprescindível se obter nas corporações, porque a mulher precisa se sentir como pessoa, precisa ter o bem-estar.

Quando cheguei em Singapura, então, me veio um novo insight. É claro que eu estava preocupadíssima com a minha família e ainda sentindo a culpa de ter viajado. Mas me lembro que uma turma de pessoas da Indonésia me chamou para jantar e eu acabei indo. E foi libertador. Ali eu me senti gente de novo, senti que sim, eu poderia sair sem me preocupar com o horário para a volta. Pude ser eu de novo.

Eu sou dona de mim, eu sou dona do meu horário, eu sou dona do meu tempo e eu posso ir. No entanto, ainda vinha o sentimento do: “como está o meu bichinho em casa?”. Era um misto de sensações atreladas à culpa de eu estar sendo feliz naquele momento. 

Quando voltei, comecei a trabalhar como louca. Sem pausas para café, para almoço. Eu deixava a marmita na geladeira que tinha no escritório e comia na mesa para poder terminar todo o meu trabalho e sair no horário, para poder, assim, ficar mais tempo com a minha filha.

“Será que existe essa culpa inconsciente nas mulheres por conta de a sociedade sempre ter dito que mulheres produzem menos porque têm filhos?”

É claro que a gente pensa que não pode deixar a peteca cair. Voltei da licença maternidade com mais conceito de responsabilidade. Afinal, eu sabia que não queria deixar de trabalhar para ficar em casa. Então, tive que fazer um trabalho interno de entender que com a minha filha na escola, ela poderia se desenvolver mais e aprender coisas que eu mesma não poderia prover naquele momento.

Isso me ajudou a minimizar a culpa. Essa rede de apoio faz a mulher entender que ela precisa vivenciar outras coisas e não apenas a maternidade. Ela precisa se sentir pessoa, se sentir mulher.

Este cenário infelizmente não é algo tão comum. Você vê a maioria das mulheres que passam por essa situação, muitas não conseguem ter esse tipo de visão. Eu tive isso claro inclusive nessa pandemia. Eu percebi, passando a quarentena com a minha mãe, que ela não se dá o direito até hoje de curtir, sentar em uma rede, descansar, falar que está tudo bem.

O direito da mulher de ter o seu próprio tempo

Comecei, então, a perceber que em meus vieses eu tinha sim esse sentimento de responsabilidade de estar sempre fazendo algo, e de não me dar o direito de descansar. Na época, por exemplo, em que contratei uma pessoa para limpar a minha casa, passei a fazer de tudo para não estar lá nos dias em que ela ia. Me sentia culpada por estar “de pernas para o ar” enquanto ela estava trabalhando – algo que, em meu irracional, deveria ser “trabalho meu”.

Foi então que um colega me falou: “Faça esse processo de que quando ela estiver em sua casa, sente para assistir TV. Se dê o direito de descansar, de ficar de pernas para o ar”. Entendo que isso vem também da minha biografia, já que, como citei acima, a minha própria mãe tem esse modelo de vida.

Em nossa vida, muitas vezes nós mesmas acabamos nos colocando muitas funções por achar que temos que necessariamente dar conta de tudo. Uma das coisas que me fez refletir foi justamente o fato de me ver com todas as responsabilidades em minha própria casa: Eu sempre tomei a iniciativa de organizar tudo, desde a rotina até, por exemplo, as nossas viagens. Em determinado momento, me fizeram a pergunta: “Mas você deixa o seu marido fazer?”.

Esse momento, para mim, foi um dos principais marcos e fez com que eu passasse a fazer esse exercício de deixar ir, delegar, compartilhar. Até porque estas ações acabam se refletindo em espelho de casa para a corporação e vice-versa.

É importante fazer pequenas coisas que nos lembram diariamente sobre a importância de dividir, de ter o nosso espaço, de criar mais tempo para o nosso dia. Não é preciso abraçar tudo. Claro que existe o viés da maioria das mulheres de a gente ter que provar que consegue ser bem sucedida e independente, e fazer as coisas sem o auxílio de um homem, por exemplo.

No entanto, está na nossa independência, também, entender quando é preciso pedir ajuda e perceber que o ideal não é se cobrar mais, é discernir as prioridades.

Flexibilização dentro da corporação

Falando sobre esta divisão maior das atividades e entendendo a quantidade de peso que a mulher pode chegar a carregar quando é uma executiva, especialmente quando falamos daquelas que escolhem ter filhos, podemos começar a pensar na flexibilização.

Quando falo de flexibilização, quero pontuar uma rotina dentro da empresa para que estas mulheres tenham mais qualidade de vida. É entender a rotina e ver como o dia a dia dela dentro da corporação pode ser mais leve.

Algumas empresas já começaram com algumas ações, como por exemplo o cantinho da amamentação, home office parcial, e outras ideias. Este já é um começo. Pensar em ações que façam com que elas possam olhar mais para si, para o seu corpo e psicológico, para que consigam se enxergar como pessoa de valor.

A licença paternidade é algo que também poderia ser discutido nas corporações, ainda que não seja lei no Brasil. Na Europa, por exemplo, a família pode decidir quem voltará ao trabalho e quem ficará de licença. Aqui nós temos uma semana para o pai assegurada por lei, o que é infinitamente pouco.

Pela lei você já está dizendo que a mulher tem que ficar o tempo inteiro com o filho e que não pode ter a sua rotina de volta. Claro que existe o fator biológico da amamentação, mas depois do período de seis meses, o pai pode, por exemplo, ficar mais tempo com a criança para que esta mãe tenha mais espaço para si.

Pensar fora da caixa não é exatamente perder dinheiro para uma corporação. É motivar os funcionários e criar um ambiente acolhedor para que eles possam se desenvolver melhor. Isso é um investimento a longo prazo. E colocar os seus limites como pessoa, como mulher, entender que ninguém precisa ser a Mulher-Maravilha, é justamente enxergar a sua importância como pessoa e como profissional para que tenha uma vida mais digna.


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