Cuidar da terra
“Não temos orgulho de cuidar da terra. Ela não foi vista com amor. Foi vista como objeto a ser explorado. O homem que lidava com a terra não tinha valor. Era ignorante e analfabeto; foi usado, explorado.” (Paulo Santos)
É uma realidade que perdurou por séculos, aqui no Brasil. Começou com a colonização e a escravidão de indígenas. Depois milhares de africanos foram trazidos para cá, com o intuito de se exigir deles a sua força de trabalho. E a eles, entre outros trabalhos considerados “indignos”, era atribuída a responsabilidade da lida no campo. Estas marcas persistem e se arrastam pelo século XXI.
Temos internalizadas falas de pessoas mais velhas, do tipo “estude, pois a caneta é mais leve do que a enxada”. Foge-se do trabalho no campo para escapar de uma mácula associada à escravidão, à inferioridade de status social. É serviço que deve ser destinado a indolentes, alcoólatras, rudes, pessoas com desvio de conduta ou recuperandos de crimes. Dissemina-se e vulgariza-se o preconceito contra o trabalho manual – impinge-se ao seu executor um sentimento de humilhação.
É, pois, uma profissão depreciada, muito inferior, em importância, à de qualquer trabalhador em centros urbanos. Assim, ensina-se um desamor ao trabalho físico que envolve a lida com a terra.
Mas há quem queira “nadar contra essa maré”. Há pessoas (e não poucas) dispostas a fazer o caminho inverso: voltar para a terra, num despertar telúrico – sentimento de magnetismo exercido pela terra, ou, em outras palavras, uma tentativa de cura da sensação de que se perdeu o eixo da existência ao se viver longe da terra e dos seus frutos.
Na verdade, quem já fez essa experiência do retorno, tem muito a contar: do quanto é prazeroso colher os frutos do plantio, da sabedoria escondida nos detalhes do plantar, do cultivar, do colher e da abundância que a terra pode oferecer. Qualidade de vida, “roçaterapia”, alimentação mais saudável, alívio de tensões, estresse, ansiedade – poderia encher várias linhas de benefícios possíveis. Porém há também o outro lado: trabalho árduo, altos custos de produção, ataques de pragas, secas, dificuldades com mão de obra... Viver no campo não é nada romântico. E é necessário ter muita consciência do que se quer fazer, para que, para quem...
Há um incipiente resgate desse amor à terra. Bem lá no fundo da consciência ancestral humana ainda lateja essa raiz... Mas séculos de cultura distorcida não se apaga assim, de uma hora para outra.