Cultive as pessoas, não o ódio
Sou um fazedor de poemas, escrevo nanocontos, aforismos, crônicas e artigos regularmente, também fotografo por paixão e publico, por distração. Quem faz essas coisas não faz para si, faz pra dividir com os outros, ainda que sem remuneração, porque para o artista a difusão da arte é mais importante que a remuneração e a maior recompensa é ver o impacto positivo, a inspiração e a transformação que seu trabalho causa nas pessoas.
Por isso, às vezes é frustrante lapidar um conto de 144 caracteres, ou menos, em que se tenta sintetizar toda uma imensa história preservando seu DNA, algo como a compactação de arquivo, cuja descompactação conta com a colaboração do leitor para que funcione bem, que dá a ele o direito de cocriar tal história, porque ele preenche as lacunas com sua sensibilidade e experiências e referências. É um pouco triste forjar um haicai, capturar uma frase que busca encerrar uma verdade (ou sacada) universal e ver que quase ninguém vê todo esse esforço. No caso das crônicas e dos artiguinhos, desapontamento idêntico: "que ninguém me ouça, mas quase ninguém me lê".
Faço esta pequena e inédita confissão (não sou de lamúrias, sei que se não faço sucesso com as multidões é por minha causa, sou meio devagar mesmo) para comentar um fato bizarro ocorrido de ontem pra hoje. No Rio de Janeiro, num trem, na saída do jogo entre Fluminense e Internacional, três colorados foram assediados moralmente (pra dizer o mínimo) por torcedores tricolores e o espetáculo foi filmado. O vídeo começa com uma aparente e inofensiva brincadeira, aquela zoação típica entre torcedores. Mas vai num crescendo até quase chegar às vias de fato. Houve contato físico, o apresentador do "talk show" da sandice toca no torcedor que estava sem camisa (ele a segurava na mão) e o faz olhar pro celular que está gravando. Um outro pega os óculos de um senhor de cabelos brancos, na casa dos sessenta anos, e faz de conta que o joga no chão, depois faz um movimento estranho que parece a ameaça de um chute, não dá pra entender direito, porque parece que o trem da uma freada e todos se desequilibram. Xingam-nos de otários e vão repetindo palavrões, palavrões, palavrões, gesticulam com as mãos quase no rosto dos colorados, xingam mais, o cara finaliza segurando as partes em direção ao senhor de cabelos brancos. Um verdadeiro show de agressividade, de insensibilidade, de grosseria, selvageria verbal e gestual em sua forma mais pura. Mais lamentável ainda diante do acidente trágico da Chapecoense, que entristeceu o país e o mundo, mas que tinha aparentemente aberto os olhos para a importância do respeito e da paz no mundo do futebol.
E o que acontece? Uma fanpage com mais de 800 mil curtidas publica o vídeo e ele viraliza. Nesta manhã já tinha mais de 1,5 milhão de views, trocentos compartilhamentos e milhares de comentários. E os comentários são de arrepiar. Todos obviamente indignados com a atitude covarde diante de três seres humanos que estavam quietos no seu canto, inclusive muitos, muitos tricolores decepcionados. Mas o teor dos comentários me assustou muito. Além da imensa indignação, é muita raiva, é muita violência contida e ameaçada de ser solta. De xingamentos a ameaças de surra, até aparentemente de morte contra os perpetradores da barbaridade. De dois deles, postaram os perfis pessoais, os celulares, os CPF's e os endereços! A web é um monstro de 15 bilhões de cabeças! Violência viraliza e poesia imobiliza?
De tudo o que escrevi, o que mais se disseminou foi a frase "Cultive todas as pessoas, as certas vão brotar". Ela foi postada na fanpage da Caixa Filosofal e de lá outras a republicaram e muita gente compartilha, a maioria sem crédito, mas não importa, fico feliz em vê-la por aí. E a frase tem muito a ver com este episódio doentio e sua repercussão assustadora. Pessoas certas são aquelas que fazem coisas boas, amorosas, que cuidam dos outros, que dividem felicidade, que são do bem. E essas aí, as que ameaçaram os torcedores do Inter e as que as estão ameaçando precisam reencontrar a bondade, fazer as pazes com o amor, amar o próximo, independente de time, de classe social, de raça, de gênero, afinal, nunca sabemos quando será o nosso último instante neste planeta tão bonito e tão carente de paz.
P.S.: Como o assunto partiu do futebol, aproveito pra mandar todo meu carinho para os sobreviventes e para os familiares das vítimas do voo da Chape. #forçachape
(A estas alturas o vídeo já chega nos 4 milhões de views... E pra quem quiser baixar grátis meu livro de frases ou ler mais textos, seguem os links: www.parafrasear.com.br www.facebook.com/livroparafrasear www.borboletras.com www.medium.com/@aluisiodepaula)
Diretor de Parcerias na Vitacon
8 aExcelente Aluísio de Paula.