A cultura é o maior talento de uma equipa
A cultura é o maior talento de uma equipa
Quando listamos as nossas equipas preferidas, em qualquer que seja o nosso desporto preferido, é comum que a nossa mente se recorde das que se destacavam pela estética, domínio ou por terem um ou mais jogadores fora de série. Jogadas geniais e momentos brilhantes ocupam um lugar de destaque na nossa memória enquanto fãs.
É desnecessário enumerar aqui algumas dessas equipas, pois cada um de nós tem as suas referências. Listar as minhas prediletas desviaria o foco do tema deste texto.
Os Miami Heat estão, à altura em que este artigo é escrito, empatados a um jogo com os Denver Nuggets nas finais da NBA desta temporada 2022/23. Chegaram a esta fase depois de, com sofrimento, ultrapassarem um playoff de apuramento e conseguirem segurar o oitavo lugar da sua conferência (o último de acesso aos playoffs). O seu presente de apuramento foi, simplesmente, enfrentar o número um da conferência, os Milwaukee Bucks, do imparável Giannis The Greek Freak Antetokoumpo. Para surpresa geral de todos, menos de quem viu os jogos, os Heat despacharam os Bucks em apenas cinco jogos, vencendo por 4-1. Seguiram-se os valentes e populares New York Knicks. Também caíram. Chegaram às finais da conferência onde, por fim, se esperava que a sua “sorte” tivesse chegado ao fim. Mais uma vez, chocaram o mundo ao colocarem-se em vantagem por 3-0. Boston recuperou e a série chegou a estar empatada a 3. No decisivo Game 7, em Boston, Miami eliminou os anfitriões e carimbou o seu passaporte para a grande final, frente aos Denver Nuggets.
E cá estamos, 1-1 até agora.
Mas, mais do que os resultados até agora, ou do desfecho desta série, quero aqui reflectir sobre como esta equipa é particular e, diria, precisa de ser estudada como ponto de inflexão entre o que sempre pensámos ser uma grande equipa e o que é, de facto, uma verdadeira equipa.
Os Heat têm um plantel que todos os especialistas reconhecem como inferior, em termos de talento, aos dos Bucks, Celtics e Denver, com quem jogam agora. Com jogadores undrafted e estrelas de segundo escalão no cenário das estrelas mais reluzentes da NBA, não há nada de especialmente estético neste grupo de trabalho. Excepto, talvez, serem tudo aquilo que uma equipa deve ser, no desporto, como nos negócios ou na vida.
Alguns dos melhores adjectivos para descrever esta equipa são tão aborrecidos como importantes: trabalhadores; resilientes; solidários; confiantes e com uma forte cultura organizacional. Que equipa não gostaria de ser assim? E, contudo, eles são a equipa que ninguém escolhe primeiro. Por que será?
Creio que porque é mais vistoso e sexy pensar-se em talento como um atributo para fazer jogadas espectaculares, que provoquem wow e sejam vistas e partilhadas vezes sem conta nas redes sociais onde, como um tribunal social de popularidade, se define o que é bom e o que é aborrecido.
Os Heat não produzem muitas jogadas espectaculares. Não têm muitos clipes virais nem um jogo de “encher o olho”. Apenas jogam bem, jogam juntos e nunca desistem, apoiados numa forte cultura.
Tudo começa, como sempre deveria começar, na pessoa do topo. Neste caso, o dono do clube, Micky Arison que, em 1995, compra o clube e recruta o seu braço direito e polo da cultura da equipa- Pat Riley. Permitam-me que reserve algumas palavras para esta lenda. Muitos talvez não saibam, mas Riley treinou uma das equipas mais vitoriosas e admiradas de todos os tempos: os Showtime Lakers dos anos 80 que, com Magic Johnson e Kareem Abdul Jabbar, praticaram um dos estilos de jogo mais bonitos e apreciados de todos os tempos. Aquela equipa era o perfeito reflexo da cidade que representava e da sua estrela mais brilhante: Magic.
Seguiu-se uma aventura a treinar os New York Knicks onde quem esperava uma nova versão do showtime foi surpreendido por uma equipa dura, batalhadora, trabalhadora e resiliente.
Depois veio Miami. Na altura, uma equipa sem grande tradição. Que cultura tentaria Riley, agora treinador e presidente, implementar? A cultura alegre dos Lakers ou trabalhadora dos Knicks? Optou pela segunda, arrisco eu a lançar a hipótese que por se tratar de uma cidade já por si com demasiadas distrações e, por outro lado, ser um clube sem muita história. É mais fácil criar bases sólidas com recurso ao trabalho duro que com arte e engenho.
Anos depois, quando se quis reformar de treinar, Riley promoveu Erik Spoelstra, a próxima figura central do ecossistema Heat. Spoelstra fez o seu percurso dentro do clube, onde trabalhou como operador de vídeo, primeiro e, gradualmente, subiu, até chegar a treinador adjunto. Spoelstra bebeu de Riley a disciplina, obsessão e trabalho duro e, como produto da cultura, foi o perfeito sucessor. Durante o primeiro ano do grande Lebron James em Miami, conta-se que este tentou que Spoelstra fosse demitido, por ser inexperiente e um pouco incómodo para uma estrela consagrada como Lebron. Riley manteve Spoelstra no lugar, mostrando que, no seu clube, a cultura se sobrepõe aos caprichos de estrelas, por maiores que elas sejam.
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Depois chega Jimmy Butler, a estrela rebelde, que chega aos Heat depois de passagens conturbadas pelos Chicago Bulls, Timberwolves e 76ers. Butler começou a destacar-se em Chicago como um jogador defensivo que, pouco a pouco foi ganhando espaço e desenvolvendo as suas habilidades ofensivas. Sempre se sentiu mal percebido e, de certa forma, desvalorizado. Teve conflitos com treinadores por treinarem de forma muito soft. Desentendeu-se com colegas por questionar a sua ética de trabalho. Ao chegar a Miami, Butler encontrou, finalmente, uma casa. O seu problema, afinal, sempre foi estar nos sítios errados.
Em Miami, a liderança firme de Riley permitiu o crescimento de um treinador obcecado, competitivo e detalhista como Spoelstra e a cultura deste clube expressa-se, através de vitórias, por via do jogo competitivo e aguerrido de Butler.
Os nossos olhos, facilmente iludidos por brilhos e luzes fluorescentes, confundem beleza com qualidade. Esta equipa é mesmo boa, porque tem todos os ingredientes daquilo que qualquer boa equipa deve ter:
· Privilegia o colectivo, mas respeita e valoriza a individualidade;
· Foca-se em ganhar e sabe que o caminho para lá chegar é trabalhando de forma unida e sempre mais intensa que os adversários;
· Trabalha de forma disciplinada, pois sabe que essas bases se transformam em vitórias;
· Sabe que há épocas boas ou más mas, nem por isso, coloca os princípios da cultura em causa;
· Tem a consciência que o sucesso é difícil e deve ser conquistado através de trabalho duro;
· Sabe que, quando uma equipa acredita em si mesma e no que treinou incessantemente, não precisa de se importar com a fama dos adversários ou a opinião dos críticos. Pelo contrário, está confortável a ser questionada. Isso parece que a une ainda mais.
Que grande equipa. A perfeita expressão de uma cultura bem estabelecida que já resultou em três campeonatos ao longo desta época dourada deste clube cuja cultura é saudavelmente contrária à cidade onde joga.
Eu ainda estou a reeducar os meus olhos e cérebro para aprender a apreciar este novo modelo de boa equipa. E, como aprendiz que sou, continuo, quiçá ingenuamente, a subestimá-los e a acreditar que não vão conquistar este título e que Denver vai ganhar com base no seu talento.
Mas tenho a certeza que se me provarem o contrário, os Heat me estarão a ensinar muito sobre como construir uma organização e equipa de sucesso com base numa cultura de sucesso.
Carlos Osvaldo Mabutana
WASH and Community Development Practitioner - RESILIENCE Specialist - FTF RESINA Project Activity - Nampula and Zambézia
1 aMuito bom artigo Carlos. Tenho acompanhado a trajetória dos Heats, nesta temporada...e tem sido super interessante. Eu também contava com o domínio tenebroso dos Nuggets, a ver pela forma como iliminaram a equipa do D´Ham (Lakers). Mas o GAME 2, mostrou que, com esta tarimba que mencionou, anular o Joker e Murray, não é uma tarefa impossível. Eu sou dos que não aprecia tanto o jogos dos Heats, mas como bem disse, também irei aprender algo no final desta série. Que vença a melhor equipa.