Cultura digital #57

Cultura digital #57

Há imagens que tem o poder de perpetuar erros. Veja-se o caso da célebre ilustração ‘The Road to Homo Sapiens’, publicada em 1965, que sugere que a evolução humana tem sido progressiva e linear.

Sabemos hoje que o Homem moderno, o Homo sapiens, miscigenou-se com várias espécies arcaicas antes da saída de África e depois da sua saída deste continente. O Projeto Genoma Humano já comprovou a presença de ADN de Homo neanderthalensis e Denisovanos em várias populações modernas e tem provas da mistura aditiva de outras espécies humanas que se extinguiram entretanto. Somos, há várias dezenas de milhares de anos, a única espécie humana sobrevivente.

Infelizmente, a necessidade do Homem de se diferenciar do animal, seja pela linguagem ou pela sua capacidade cognitiva superior, levou-nos a criar cisões artificiais dentro da nossa própria espécie.

O filósofo italiano Giorgio Agamben, acredita que o ser Humano não é algo natural, é necessário que seja ‘produzido’. A sua concepção de Homem, ou ‘máquina antropológica’, divide-se em duas categorias: A mais antiga funcionava humanizando o ‘animal’, ou seja, figuras como os escravos e os bárbaros eram considerados animais com forma de pessoas. A moderna ‘animaliza’ alguns humanos, com a intenção perversa de os tornar não-humanos, como por exemplo os judeus durante o Holocausto ou os refugiados da Síria.

De forma a pararmos esta máquina antropológica é necessário mudarmos a mentalidade de instituições religiosas, estados e pessoas o que, há primeira vista, parece ser uma tarefa impossível.

Uma das formas poderá passar por abraçar as nossas ‘origens’ animais não esquecendo que fazemos parte do reino animal e que apesar das nossas diferenças continuamos a ser animais (no bom sentido da palavra). Devido ao nosso estatuto como espécie dominante temos responsabilidades éticas e morais para com o nosso pequeno ‘berlinde azul’ e todos os seus habitantes.

Fiquei satisfeito quando há dias vi um trailer para um filme intitulado “Alpha” (realizado por Albert Hughes) que tem lugar no Paleolítico, algures há 20.000 anos atrás. São necessários mais filmes como este que descrevem as origens do Homem e a sua relação com a natureza.

Dos anos oitenta recordo-me de dois filmes que tratam este tema do Homem primitivo e que merecem ser vistos ou revistos. O primeiro chama-se “The clan of the cave bear” (1986) e acompanha a vida de uma jovem Cro-Magnon que é educada por Neandertais. Este filme é uma adaptação do livro homónimo de 1980, da autora Jean M. Auel, e faz parte de uma série de livros intitulada ‘Earth’s Children’. O segundo filme, de 1981, intitula-se “A guerra do fogo” e é sobre o confronto entre duas espécies humanas, uma moderna e outra mais arcaica. A narrativa é uma adaptação da obra homónima de 1911 de J. H. Rosny e tem lugar há cerca de 80.000 anos. De referir que este filme ganhou um Oscar da Academia para melhor maquilhagem e penteados. Um prémio técnico é verdade mas não deixa de ser um Oscar.

Espero sinceramente que todas as descobertas atuais, desde que o Projeto Genoma Humano chegou ao fim, sejam apropriadas por escritores e guionistas e que sejam promovidas pela cultura popular. Só o conhecimento generalizado pode travar a máquina antropológica e, nesse sentido, o Cinema e a Literatura continuam a ser meios de comunicação poderosos.

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