Cultura Digital #71
Há vários anos que vou ao FIMFA – Festival Internacional de Marionetas e Formas Animadas de Lisboa. Regra geral sinto que ir a este festival é uma espécie de sorteio, pois tenho visto coisas boas e coisas pouco interessantes. Este ano tive uma experiencia sui generis: assisti ao pior espetáculo de que tenho memória (apesar de ter elementos interessantes) e a um espetáculo que julgo ser dos melhores que já vi na minha vida. A companhia norte-americana, responsável pelo espetáculo de grande qualidade, chama-se Manual Cinema e veio a Portugal, pela primeira vez, apresentar a peça ”Ada/ Ava”. A estória retrata a vida de duas irmãs gémeas septuagenárias que trabalham num farol. Este é um espetáculo multimédia, sem diálogos, com recurso a quatro retroprojetores (tecnologia que caiu em desuso) que, ora funcionando em simultâneo (sobreposições e metamorfoses), ora sequenciando a projeção de vários acetatos e cartolinas recortadas, projetam sobre um ecrã a narrativa visual como se fosse um teatro de sombras mas com uma linguagem que mais se aproxima do cinema (transições rápidas, escalas de planos variadas). Alguns dos acetatos contém personagens e outros elementos articulados, como na animação de recortes (cut-out animation), tornando possível o movimento em tempo real de formas bidimensionais simples. Para além disso três atrizes, usando máscaras especiais, interagem com as cartolinas e acetatos retroprojectados. O espectador consegue assistir a tudo num segundo ecrã, maior, que projeta a performance. Esta multiplicidade de ecrãs e todo o aparato técnico e performativo da equipa pode, por vezes, subtrair a atenção do espectador da estória apresentada; é inevitável, pois a curiosidade em perceber os truques técnicos e como determinados efeitos especiais são efetuados podem ser um elemento disruptor. Isto não significa que a experiência cinemática não seja imersiva, muito pelo contrário, a estória é simples e cativante. A música que acompanha a peça é tocada ao vivo, um pormenor que, no meu entender, valoriza a mesma. O resultado final é uma espécie de filme animado produzido em tempo real. A soma das várias técnicas e linguagens (animação, cinema, teatro) não é fragmentária e tudo encaixa perfeitamente, mas fica a dificuldade em classificar um artefacto artístico destes que não se conforma com as categorias e géneros mais tradicionais. No final do espetáculo chamaram o público ao palco, de forma a que todos pudessem espreitar o processo. Em poucos minutos os retroprojetores estavam rodeados de pessoas curiosas que tentavam perceber os ‘segredos’ da equipa de atores e marionetistas.
Enquanto não voltam a Portugal é possível assistir a segmentos das várias peças e informação sobre a companhia no site oficial. Vale a pena dar uma vista de olhos nestes materiais desta companhia premiada. Fica aqui um apelo, a quem faz a programação de teatro e cinema nas ilhas dos Açores, para que fiquem atentos a este grupo de performers americanos; gostaria de ver um dia os Manual Cinema num dos muitos palcos que temos.
Websites:
https://fimfalx.blogspot.pt
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