Da ideia ao sonho empreendido

Da ideia ao sonho empreendido

De onde vem as boas ideias? Alguns dizem que são inspirações aleatórias, ou mesmo lances de sorte. Outros acreditam que são pequenas genialidades, que surgem apenas nas mentes mais criativas e privilegiadas. Particularmente gosto de pensar que as boas ideias estão por aí. Afinal, o mundo é uma infinita fonte de inspiração, repleto de experiências diferentes e com inúmeros problemas distintos a solucionar. Cada problema eventualmente fica no caminho de alguém com o interesse, personalidade e maturidade certos, e então as ideias e soluções surgirão.

É até mesmo possível que o surgimento das mesmas boas ideias não necessariamente dependa de individualidades. A história recente da ciência, berço das maiores e mais importantes ideias da humanidade, me ajuda com esse argumento. Todo os anos, o mesmo prêmio Nobel em Física, Química ou Medicina é concedido a diferentes pesquisadores. Os cientistas não ganharam o mesmo prêmio por trabalharem juntos, pois sequer se conheciam. Ganharam por ter realizado a mesma pesquisa, muitas vezes de forma absolutamente independente do outro. Isso é muito curioso, pois mostra o quão inclusive pessoas extraordinárias, com trabalhos e ideias incríveis, também tem seus substitutos na história. Talvez uma boa ideia seja uma questão de pioneirismo.

O fato é que o mundo precisa muito de inspirações. Não apenas daquelas revolucionárias, mas também das menores, que instigam a criação de pequenas empresas e que levam soluções a sua comunidade. A importância dos pequenos é, literalmente, gigantesca. São empreendimentos que se ajustam à realidade local e capturam cada pequena oportunidade, como nenhuma grande empresa faz. A gigante Magazine Luiza percebeu isso, e então criou uma forma inusitada de espalhar parceiros pelo Brasil. Hoje, qualquer pessoa bem intencionada pode se tornar um vendedor da empresa. Ela vai até mesmo ganhar um website pessoal, o “Magazine Alfredo”, e sua seleção particular de produtos. O vendedor divulga seu site, vende, recebe sua comissão e a Magazine Luiza se encarrega da logística de entrega. Isso é incrível, mas não necessariamente uma novidade, na essência. No Boticário, mesmo com aquele grande número de lojas físicas, 60% do faturamento advém de consultores individuais, a venda direta. Uma prática bem estabelecida por suas concorrentes Avon e Natura.

A enorme relevância dos pequenos negócios também decorre de sua grande contribuição ao mercado de trabalho. Segundo o Sebrae, em 2015, mais da metade do número de empregos formais do Brasil estava nas micro e pequenas empresas. Certamente o maior volume de empregos ou oportunidades está mais perto do que se imagina, muito embora muitos jovens sonhem em trabalhar apenas nas grandes corporações. Frequentemente pensam que somente serão bem sucedidos se conseguirem, formando uma equação que não fecha. Por exemplo a Ambev, modelo de gestão e maior empresa da América Latina. Superlativa em muitos aspectos, é uma companhia que possui apenas 20 mil empregados diretos. De quantas empresas como a Ambev o Brasil necessitaria para atender sua demanda integral de postos de trabalho?

Muito embora nosso país tenha muito a evoluir para facilitar o início dos pequenos, muitas grandes ideias começam por esse caminho, que deve ser estimulado. E certamente há um destino especial reservado àquelas pequenas ideias extraordinárias que, felizmente, estão cada vez mais comuns. Empresas inovadoras surgem como nunca, e algumas sequer existiam há uma década. Hoje já transformam não apenas nosso cotidiano, mas até mesmo nossa visão de futuro e até mesmo a de seus concorrentes centenários. Foram tão bem sucedidas em seus ideais que se tornaram gigantes mundiais rapidamente, como a Tesla Motors e o Uber. BMW e Toyota já anunciaram a extinção de seus motores a combustão em um futuro próximo, e muitas companhias de táxi e suas ineficiências escancaradas estão se reinventando por todo o mundo.

Seria o sucesso desses empreendimentos apenas consequência de uma boa ideia? Evidentemente não, muito embora muita gente pense que poderia ter fundado o próprio Facebook apenas tendo a mesma ideia de Mark Zuckerberg. Há, em sentido contrário, uma conclusão empírica mostrando que o número de boas ideias é expressivamente maior que o número de empreendimentos que surgem e se tornam bem sucedidos. A verdade é que enxergamos apenas as empresas que tiveram idealizadores com um bom nível de execução e souberam como fazer para chegar lá. O sucesso que lhes deu visibilidade decorreu da capacidade de alguém em implementar uma boa ideia e desenvolve-la a um patamar sustentável, e isso não é tão comum. As boas ideias, mesmo sendo importantes, são apenas parte importante do processo. Vale até mesmo dizer que muitas delas, talvez, sequer sejam novidades. Elas têm o status de um objetivo idealizado, e são como fagulha. Se não há combustível, não queima.

Não pretendo, de forma alguma, diminuir a importância das boas ideias. Elas são inegavelmente necessárias, mas é necessário que sejam combinadas com outros fatores muito importantes para que sejam bem sucedidas. Vou partir do princípio de que sua ideia virará um negócio. O primeiro importante fator é que essa ideia brilhe seu olho. Sair da inércia ao risco de empreender poderá ser particularmente difícil se o seu objetivo não te inspira. Aliás, não haverá nada mais individual do que o que faz seu olho brilhar. É a identificação com a ideia, que conecta o início de tudo e a visão de longo prazo. O início, por que te puxa e engaja. E o longo prazo, por que é para você suficientemente prazeroso vislumbrar aquele ideal atingido no futuro, principalmente se fizer parte disso. Seja empreendendo em sua própria ideia, executando ou se associando à ideia de alguém, ou até mesmo se identificando com o sonho da empresa que você trabalha, certamente o nível de envolvimento será muito maior, mesmo nas atividades mais simples.

O segundo fator é o poder de execução, que é a capacidade prática em implementar e manter um processo, mesmo inicial. É necessário ter ou desenvolver as habilidades certas, e se possível aliar-se a pessoas com habilidades complementares importantes ao negócio. Independentemente do seu perfil, é o nível de execução que aumenta a probabilidade de continuidade, pois deve haver grande resistência às muitas adversidades do início da jornada empreendedora. Isso pois, muitas vezes, estará sozinho, e qualquer aposta terá um grande risco pessoal a sua carreira ou patrimônio. Geralmente não existirão manuais operacionais, e muito do que se vai fazer tem uma grande probabilidade de estar errada. Não há líderes para guiar e dar feedback, nem tampouco recursos sobrando para procedimentos que podem dar errado.

Com uma boa ideia motivadora e um bom poder de execução, o empreendedor vence a inércia e implementa o seu negócio. Se chegou aqui, ele agora deve enfrentar a dura estatística da taxa de sobrevivência de empresas. Segundo o Sebrae, dos negócios que abriram em 2012, apenas a metade deles (excluindo-se as MEIs) conseguiu sobreviver após dois anos. Para muitos, os procedimentos implementados no início são os mesmos por muitos anos, principalmente se não há interesse em expandir-se. Afinal, é o nível (ou ausência) de rotina com a complexidade necessária à competição existente no mercado que a empresa está inserida. Não está errado se ainda funciona, pelo menos em relação às expectativas do empreendedor.

Inevitavelmente, em algum momento, os sobreviventes serão forçados a ser mais eficientes, além de potencialmente mais interessantes como escolha. É aí que entra em cena o ultimo e mais decisivo fator no longo prazo, que é a escolha e implementação de um modelo de gestão adequado. É, literalmente, um interminável caminho de escolhas e processos a desenvolver que objetivam elevar continuamente o patamar da rotina do seu negócio. Quando for demandado que seja mais eficiente em logística, que otimize o controle de seus custos, ou mesmo que busque um novo caminho no Road to Market, o modelo de gestão implementado será determinante. Se há procura por um bom modelo para apenas uma ou mesmo para as diversas áreas de seu negócio, é por que surge uma necessidade competitiva. E ela, em nenhuma hipótese, deve ser negligenciada, por uma questão de sobrevivência.

Existiria um modelo de gestão universalmente adequado? Embora a pergunta seja generalista, a resposta não. Generalista pois aborda qualquer tipo de ideia de negócio, e a variedade é infinita. E a resposta, de forma inusitada, é que há um padrão quando abordamos modelos de gestão a implementar, independente do tipo de negócio. Na essência, um bom modelo de gestão deve melhorar continuamente uma empresa, evoluindo a estratégia, objetivos e processos a partir do ponto exato em que está. Identificar esse patamar é uma tarefa complexa, pois demanda uma profunda auto avaliação antes de seguir em frente. Qual a estratégia e os objetivos atuais? Quais os processos e rotinas definidos? Geralmente não haverão respostas prontas. Se estabelecer metas é definir objetivos de vendas ou participação de mercado, o que fazer quando não sabemos qual a participação atual? Se elevar o patamar de uma empresa significa elevar o patamar da rotina dessa empresa, o que dizer das empresas sem rotina qualquer? Apenas após definidos todos esses pontos, o que dá para sua a camisa, seguimos para a real evolução do processo.

A partir desse ponto, então, o conhecimento será decisivo. Não conhecimento pontual e aleatório, mas coerente e específico ao seu negócio, estrategicamente utilizado. Certamente o Kaizen, o PDCA ou o DMAIC, que nada mais são do que procedimentos que objetivam inserir conhecimento ao processo em diferentes graus de complexidade, serão mais frequentemente utilizados. O conhecimento adicional também é o responsável pelas inovações, e tem potencial para impulsionar a empresa para o futuro. Elon Musk certamente não levaria a Tesla ao patamar atual apenas com bons produtos. Teve que elevar a autonomia das baterias automotivas comerciais a um nível inédito, além de revolucionar o conceito de autonomia veicular.

Há uma lógica nessa jornada, que nos permite rever praticas comuns. Ao invés de esperar as boas ideias surgirem do nada, podemos estimular os indivíduos certos em experiencias edificantes, com boa liberdade de atuação. Além de ter boas ideias, devemos também transforma-las em ideais ou sonhos, estimulando o engajamento próprio e de possíveis sócios que encontrarmos pelo caminho. É também muito importante identificar e desenvolver o perfil correto, com um bom poder de execução, e saber que um pequeno negócio exigirá dedicação integral. E por fim, é mandatório desenvolver os processos com um bom modelo de gestão e melhorar continuamente, passo a passo. E aí, tem alguma boa ideia? Mãos a obra! A jornada provavelmente será longa, mas certamente valerá muito a pena!

Alfredo Ennes

LabGestão

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