De como explicar a contabilidade da indesejada das gentes (a Umberto Eco, com gratidão)

De como explicar a contabilidade da indesejada das gentes (a Umberto Eco, com gratidão)

Morreu o Umberto Eco e meu amigo Fábio Chiossi está decepcionado com a já longa lista de mortos neste curto ano. Eu também, mas formulei uma hipótese quantitativa do luto por admiração. Até certo ponto, ela se inspira no tom quase sério, quase jocoso, do "Diário Mínimo" do Eco. A falta de jeito é toda minha.

Quando lhe parecer que está morrendo muita gente notável, pense na curva normal, na expectativa de vida e nos critérios de notabilidade - especialmente em como eles variaram ao longo dos anos.

"Morir es una costumbre que sabe tener la gente", escreveu Jorge Luis Borges. Os notáveis que ora se vão têm de quase 70 a pouco mais de 80 anos, salvo alguma tragédia prematura. 

Geralmente, os notáveis que vêm adotando o triste costume descrito por Borges tiveram seu auge criativo nos anos 60 e 70. No caso dos astros do rock, passado o risco de morrerem de overdose na juventude, têm garantida sua vida longa e próspera (saudade, Leonard Nimoy), escalando com vigor a pirâmide da expectativa de vida até terem idade para morrer de câncer.

David Bowie, astro do rock dos anos 70, tinha acabado de completar 69. Harper Lee, que ganhou um Pulitzer por seu livro de estreia em 1961, já tinha 89. Eco foi um hit tardio; seu best seller "O Nome da Rosa" saiu quando ele tinha 50 anos, mas ele já tinha uma carreira acadêmica sólida e internacionalmente reconhecida vários anos antes disso. Morreu aos 84.

Aqueles anos 60 e 70 foram décadas de crescimento avassalador na quantidade de notáveis, com a explosão dos meios audiovisuais de massa, e ainda vieram mais duas décadas assim depois. Muitos desses artistas tiveram carreiras longas - vide os Rolling Stones, agora no Brasil; em atividade há 54 anos, a última baixa que tiveram foi em 1969. (Aproveite para vê-los enquanto não chega a próxima, aliás. Continuam ótimos.)

Minha hipótese é de que a sensação de "tá morrendo gente que nunca morreu antes" vai piorar até a década de 2030, quando a idade começar a levar as personalidades dos anos 90. Depois, deve cair a frequência. Não é que faltem grandes artistas de 2000 para cá; eles apenas são menos visíveis. Entram anos de nostalgia, pouca criatividade e celebridades instantâneas.

Duvido que haverá tanto pranto se morrerem de velhos daqui a algumas décadas o bebê Jordy, o Pe Lanza do Restart, a Fani do BBB, a youtuber Kéfera, a MC Melody e o cara do tranquilo e favorável. O sertanejo Cristiano Araújo teve o duvidoso azar ou duvidosa sorte de perder a vida antes de cair no esquecimento.

Essa noção não impede os luminares de nos faltarem, nem torna menos triste a perda de um gênio como Eco. Mas ao menos dá a serenidade da análise.

Boa Tarde Marcelo. Eu gostaria de lhe deixar uma sugestão de pauta. Se isto for possível, para qual endereço de email poderia enviar detalhes? Obrigado

Oh la la ancien, c'est dur dur d'être ancien.

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