De olho no PIX: o próximo passo do Big Brother da Receita
No final de 2020, após um importante período de testes, o Banco Central instaurou no Brasil o PIX, sistema de pagamentos instantâneos, um modelo inédito na América Latina.
Como se esperava, a inovação conferiu muito mais agilidade às transações financeiras, remodelando a experiência das pessoas como consumidores e no modo com elas se relacionam com as empresas – independentemente do segmento.
Para a economia, o PIX representa uma forma de manter o dinheiro em constante circulação, possibilitando, ainda, novas oportunidades de negócio para as companhias.
Para se ter uma ideia, o PIX já é o meio de pagamento mais utilizado no país e, de acordo com um levantamento do Banco Central, movimentou R$ 10,9 trilhões no ano passado, mais do que o dobro do valor registrado em 2021 (R$ 5,2 trilhões).
Receita de olho
Percebendo a relevância que os pagamentos instantâneos adquiriram entre os consumidores brasileiros –, a Receita Federal já tem fiscalizado mais de perto o modelo, o que pode, a depender da abordagem do Fisco – que, no Brasil, como se sabe, costuma ter um viés amplamente punitivista e com foco na "arrecadação acima de tudo – representar um retrocesso e mais um peso no bolso do contribuinte.
Fato é que, a partir deste ano, o Fisco passa a ter controle total de monitoramento sobre as transferências realizadas via PIX, de modo retroativo – e inclui, portanto, as movimentações realizadas desde novembro de 2020, quando se deu a instauração do sistema.
Esse novo passo foi oficializado pelo Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária), a partir de um novo documento, o Convênio ICMS 166/2022, que altera o Convênio ICMS nº 134/2016.
O documento discorre sobre o fornecimento de informações por parte de instituições financeiras e de pagamentos – que integrem ou não o SPB, Sistema de Pagamento Brasileiro –, e confia à Receita Federal o controle e acompanhamento das movimentações realizadas por essas instituições e intermediadores. Além disso, o Convênio define que cabe ao Fisco analisar transações realizadas com cartão de crédito e débito.
Recomendados pelo LinkedIn
O objetivo inicial da medida tem um propósito relevante: o de mitigar a sonegação de impostos e a ocorrência de desvios de ordem financeira por pessoas físicas e jurídicas; ademais, situações de imprecisão nas declarações de consumidores e/ou empresas passam agora a ser resolvidas junto à Receita Federal.
Impactos
Como já apresentei em diversos artigos, o excesso e a velocidade das mudanças na legislação fiscal brasileira, a rigor, tendem a trazer impactos negativos para consumidores e empresas, dentro de um cenário tributário já bastante complexo e oneroso para o contribuinte.
A criação de um novo Convênio – que permite, ainda, uma análise retroativa das movimentações financeiras via PIX – pega de surpresa e pode representar uma complexidade a mais dentro do sistema para as empresas.
Um possível impacto da medida sobre as pessoas jurídicas envolve os tipos de declaração que podem passar a ser exigidas pela Receita, acrescido do já complexo processo de conciliação de pagamentos, dada as amplas possibilidades de que hoje um consumidor dispõe para pagar suas compras e transações comerciais.
Tornar-se-ia necessária, portanto, a posse de documentos fiscais que comprovem o recebimento também dos pagamentos instantâneos – uma tarefa que pode apresentar obstáculos mesmo para empresas que se organizem rigorosamente sob a legislação –, já que a falta deles caracterizaria sonegação fiscal.
O risco maior a meu ver inclui ainda uma possível taxação futura de transações via PIX, diminuindo a atratividade dessa inegável inovação dos meios de pagamento do país e, naturalmente, aumentando os custos fiscais, sobretudo para setores como varejo.
Em outras palavras: a inovação, no Brasil, corre sempre o risco de ter seus caminhos encurtados pela torrente incessante de impostos e pelo labirinto fiscal do país. Espero, sinceramente, que eu esteja errado: mas já vimos esse filme antes e, como diz o ditado, muitas vezes desconfiamos do futuro, quando nos recordamos do passado.