De onde vem o futuro? Uma possível resposta numa tatuagem

De onde vem o futuro? Pra muita gente, é consequência do passado que chega ao presente e desemboca no futuro. Durante muito tempo e ainda hoje, carrego a visão de Gilberto Freyre que através do conceito do Tempo Tríbio dizia que se ficamos presos ao passado, nos tornamos arcaicos. Que se passamos o tempo todo sonhando com o futuro, nos tornamos utópicos. Que o ideal é trazer as referências do passado e construir o futuro todos os dias, a partir do presente. Ele dizia algo parecido com isso. A primeira vez que ouvi o conceito Futuro Ancestral, fiquei todo arrepiado, até os cabelos do sovaco. Ouvi de Célia Xakriabá e fiquei encantado com aquilo. Precisamos mergulhar cada vez mais nas referências, nas tecnologias e cultura dos povos originários. Sabe por quê? Porque um dos futuros possíveis será aquele em voltaremos a viver como há 10 mil anos atrás. E mesmo num futuro não catastrófico, beber na ancestralidade será um caminho poderoso para impedir (ou adiar) que a gente mergulhe de forma ainda mais profunda no mundo digital ou digitalizado. Talvez, o futuro ancestral seja a bússola orientadora da nossa humanidade. Para conseguirmos manter, ou resgatar, recuperar, nossa humanidade. Bebamos urgentemente dessa fonte. A outra referência que costumo trazer vem de Silvio Meira com o conceito O Futuro vem do Futuro. Essa linha consequente do tempo não existe. Na verdade, temos o passado que nos traz ao presente, e infinitas possibilidades de futuros que caminham em direção a um período de tempo considerado presente, que não é apenas um instante. Não existe um futuro e sim diversos. Múltiplos caminhos que se direcionam aceleradamente ao nosso encontro, e que muda o tempo a partir de cada movimento que a gente faça, de cada decisão tomada. Acho lindo tudo isso e resolvi misturar toda essa confusão numa tatuagem. Calma que vou explicar!

Desde que me entendo por gente, sempre pensei em fazer uma tatuagem. Não sei se nunca fiz por medo, falta de ideia do que fazer, e ainda hoje agradeço demais por desistir de fazer um tribal aos 17 anos. Ufa! Mas criei coragem e tá aqui o resultado. Resumir uma das doidices que mais bagunçam o liquidificador do meu juízo não seria uma tarefa fácil, e transformar um resumo numa obra de arte é surreal demais e por isso agradeço imensamente a Rodolfo Nascimento do Estúdio Sete Pele. Que trabalho lindo! Chegar no briefing que nos levou a essa arte envolveu muita reflexão e a partir dela cheguei a esse texto, uma reflexão sobre de onde vem o futuro, numa tatuagem chamada TEMPO, e ainda com minha visão otimista de tudo e de todas as pessoas.

O futuro vem de qualquer lugar e de qualquer tempo. Na verdade, o futuro está dentro do nosso juízo e as pessoas se deslocam no tempo a partir da forma como enxergam o mundo e as pessoas. Penso que as pessoas vivem em tempos diferentes, ao mesmo tempo. Tem gente que está na era medieval, tem gente pregando gente na cruz, tem gente que tá tão a frente do seu tempo que ninguém entende o que diz ou faz. Às vezes a demora pra se fazer explicar é tanta que se perde o tempo de colocar em prática quando finalmente o povo entende o que se queria. Tem gente que tá no mundo dedicando muita energia para nos aproximar do futuro, de um futuro mais justo para todas as pessoas de todos os lugares. Tem gente que faz um esforço danado pra deixar as coisas como estão, ou para voltarmos ao passado. E os futuros estão vindo o tempo todo ao nosso encontro, independente da forma que você lida com eles. Vejo dois cenários, num deles, você está numa prancha de surf. Um dos futuros te capturou e você está navegando nessa onda em alta velocidade, e trazendo um bocado de gente junto. Em outro cenário, você pode levar um caldo tão, mas tão valente que quando você "tornar" esse futuro estará lá longe, bem distante de você. Em qual cenário você deseja estar? 

Se quiser embarcar no meu cenário otimista, é muito fácil. Mas dá muito trabalho, visse? Tem que refletir mais sobre como consome coisas e isso cansa demais. O tempo todo me pego comprando besteira e me arrependendo. E olhe que reflito, escrevo e falo muito sobre isso. Pra tu ver como é difícil. Tem que fazer mais e comprar menos, esse é um exercício massa de fazer e dá pra começar ajeitando as coisas em casa. Também é preciso se ligar que não existe mais esse negócio de vida estudantil. A gente precisa estudar o tempo todo e a vida toda. Primeiro porque é massa aprender coisas novas, e depois porque tudo está mudando rapidamente e deve acelerar ainda mais. Aprender a aprender é fundamental e não ensinaram isso na minha época de escola, só botavam a gente pra decorar coisas, boa parte delas inúteis. Também temos que fazer as coisas de um jeito diferente. Fazer negócios, hoje e nos futuros, vai muito além da emissão de notas fiscais. O que você faz para gerar uma nota fiscal importa, importa muito. Mas os negócios devem considerar o impacto positivo que podem gerar no planeta e na vida das pessoas. Em algum lugar do futuro, só vamos fazer negócios desse jeito e se você acha que essa conversa é coisa de comunista, te prepara, pois vai dar ruim pra tu.

E pra fechar, precisamos desacelerar. Pode ser contraditório e de fato é, mas talvez o meu maior desafio no momento seja esse. Num contexto de aceleração radical das transformações, gerando efeitos incalculáveis e talvez imprevisíveis, tentar acompanhar as mudanças no ritmo em que elas acontecem talvez seja um grande erro. Minha reflexão mais profunda dos últimos meses tem sido sobre como botar o pé no freio e continuar ajudando a promover as mudanças que acredito e me impulsionam. Ter equipe massa, gente e instituições moendo junto é fundamental, e estamos trabalhando nisso. Mas o desafio real está na condução de tudo isso. As coisas estão engrenando lindamente com o Fab Lab Rec, se não fossem minhas sócias e sócio, não poderia ter assumido o desafio de conduzir a chegada da Startupbootcamp ao Brasil, terceira maior aceleradora de startups do mundo que chega com a missão de investir em 20 mil negócios nos próximos 10 anos, priorizando startups lideradas por pessoas pretas, periféricas e do interior. E pra completar, ainda sigo rodando por tudo o que é canto com minhas palestras, e priorizando o interior do Brasil. Nos próximos meses estarei em 18 cidades do interior do Mato Grosso do Sul, além de Ouro Preto e Ji-Paraná em Rondônia. E olhe que tá rolando conversa com Rio de Janeiro, Paraíba, e por aí vai. Só preciso desacelerar o juízo, largar um pouco do zap e acredito que tudo se azeita. Se ligasse nessa minha viagem? Tá acontecendo contigo também? Meu mantra agora será "vamos desacelerar para conseguir acompanhar o ritmo acelerado das mudanças". Faz sentido ou é mais uma doidice minha?

Voltando pra tatuagem, ela representa o tempo em duas camadas ou personagens, o passado e o futuro, é físico e digital, direciona para caminhos múltiplos. Fincada na terra, enraizada, tem uma coluna vertebral em forma de DNA. Com raízes que formam ombros mas também podem ser veias e artérias. Também podem representar uma rede de rios interconectados, interligados. Os dois personagens ou camadas que, na verdade, formam um só, o presente. São duas personalidades, talvez, uma camada externa, que olha pra baixo, para o passado, está concentrada e contemplativa. A outra camada é interna, que olha pra cima, para o futuro, está cheia de esperança, acredita que vai dar tudo certo. 

De onde vem o futuro? O futuro vem das escolas, vem das cidades, vem dos negócios sustentáveis. Vem de Célia Xakriabá e dos povos originários, vem do tempo tríbio de Gilberto Freyre, o futuro vem do futuro de Silvio Meira, vem sabe de onde? Vem do que você acreditar que é possível fazer com ele. Vem de cada movimento que fizermos e que contribua para o acesso de todas as pessoas de todos os lugares ao direito básico de ser feliz. Só depende do que fizermos hoje para atrair o melhor futuro possível em nossa direção. Qual futuro você está puxando para o presente? Bora moer?

Dicas:

Além do Apenas Moderno - Gilberto Freyre

O Futuro vem do Futuro - 23 Anotações para 2023 - Silvio Meira

Célia Xakriabá