De volta para a Internet das Coisas
Se você tem mais de trinta anos, deve ter assistido “De volta para o futuro”. Se tem menos de trinta, deve ter ficado sabendo do filme pelos seus pais ou pela internet. A bordo do famoso carro-máquina-do-tempo DeLorean, o personagem Marty Mcfly viaja para o passado e também para o futuro, sempre tentando consertar situações para que o presente se mantenha “original”.
O famoso skate que flutua (o hoverboard), as propagandas em hologramas 3D (com o tubarão virtual atacando Marty) e a jaqueta que seca sozinha são alguns gadgets do filme que permanecem no imaginário nerd até hoje. E acabamos por associar estas traquitanas com uma visão de futuro. Pesquise rapidamente por esse filme na internet e você entenderá melhor a comoção que causou e ainda causa. Tanto é verdade que em 2008 ele foi considerado um dos dez melhores filmes de ficção científica americano, segundo o American Film Institute.
Esse ano de 2015 é emblemático para recordarmos a trilogia desse que foi um dos maiores sucessos de bilheteria de todos os tempos, por ser o ano mais ao “futuro” das empreitadas de Marty Mcfly.
A metáfora do “De volta para o futuro” parece estar sendo roteirizada novamente, agora com a Internet das Coisas. De fato, ainda vivemos um período pré-internet-das-coisas, o que permite uma série de confabulações sobre os padrões, protocolos e dispositivos que irão, daqui a alguns anos, se materializar a partir dos nossos sonhos e visões pitorescas sobre como seremos influenciados pelas tecnologias transparentes.
À parte da guerra mercado-tecnológica que já se armou em busca dos padrões, há um espaço-tempo deslocado entre as soluções proprietárias e a tremenda popularização necessária para que as tecnologias estejam imersas e interagindo em nossas vidas, pelos objetos que nos cercam. Devido a isso, vejo o Open Source com um princípio “vital” para a massificação da conectividade que a Internet das Coisas pretende alcançar. Mesmo porque não imagino sermos reféns de uma única assistência técnica corporativa nesse mundo de conexão plena.
O que me move a essa conclusão? É só imaginar o estrago que as próximas gerações de impressoras 3D farão no mercado de bens de consumo. Quando produtos forem vendidos como modelos Revel, ou seja, com a capacidade de serem produzidos, montados e conectados a partir da nossa casa, então assistiremos uma inversão (ou reinvenção) interessante no modus operandi capitalista. Não acredito na salvação pela tecnologia, mas penso na tecnologia que produz a si mesma, capaz de provocar pequenas grandes revoluções no modo como consumimos bens. Hoje produzimos informação. Amanhã produziremos artefatos. Até por isso será uma Internet das “coisas”, literalmente.
Outro sonho que vem dos Jetsons é a automação de ambientes, hoje acessível somente às classes mais privilegiadas. Porém, quero sonhar com algo além de poder ligar a banheira de hidromassagem à 20 quilômetros de casa. Dá pra imaginar o significado da palavra rastreamento no mundo da Internet das coisas? À medida que a própria capacidade de conexão será um componente intrínseco das coisas, retirar-lhes essa característica pode significar inutilizar o objeto. Retirá-lo do seu ambiente será algo mais complexo que deletar um arquivo. Talvez a polícia do futuro possa lidar melhor com os roubos e furtos. Talvez a clonagem e duplicação de IDs por objeto possa representar um desafio ao imposto de renda. Nesse campo, ainda somos como Marty Mcfly, ingênuos para compreender o mundo de interação 360° que nos aguarda.
Na educação, teremos uma pequena grande revolução. O mobile learning e a aprendizagem ubíqua já são dois fenômenos ocasionados pelos dispositivos móveis. A partir do momento que os dispositivos estiverem conectados entre si, poderemos aprender (muito) sobre cada um deles, bem como sobre as relações entre os diferentes objetos interligados.
Isso significa compreender de fato porque seu carro não está funcionando, ou poder escolher em qual escola você quer estudar no dia de hoje. Mais do que assistir, você poderá interagir com eventos realizados em qualquer parte do mundo. Os comportamentos físicos e químicos de determinadas experiências poderão ser acompanhados em tempo real. Informações sobre nosso corpo serão fornecidas a cada batida de nosso coração. Estudantes de medicina poderão estudar esses diferentes comportamentos em diferentes pacientes, independente de que lugar do planeta eles estejam.
Por meio da melhoria de pesquisas e consultas via Big Data, teremos um controle maior sobre as informações que circulam pelas redes. A partir dessas análises, trabalhos escolares terão uma base real de intervenção. Problemas serão encontrados mais facilmente, e muitos possivelmente serão evitados.
Por tudo isso é perceptível que o mundo do trabalho e do aprendizado caminhem mais integrados. Aprender fazendo poderá ser uma das tônicas do aprendizado do futuro. Os ambientes (físicos) escolares se justificarão pelo trabalho em equipe, e dependendo da idade escolar, os alunos poderão sair do modelo avaliativo para um modelo participativo, onde seu aprendizado gera retorno social, por meio de atividades calcadas em acontecimentos reais.
Portanto, bem-vindos de volta aos primórdios da computação ubíqua. Nela, literalmente o ambiente é operacional. Lembraremos com saudades de nossos smartphones e tablets, verdadeiros ENIACs da Internet das Coisas. Vamos lembrar como éramos felizes nesse tempo de superfícies táteis-interativas, uma época "ingênua" onde ainda gastávamos nossos dedos em teclados virtuais. Mas, pensando bem, nada mal se pudéssemos entrar no DeLorean e conhecer agora o futuro, para descobrir o que de fato o mundo da computação ubíqua reserva para nós, viajantes de tempos tão acelerados e de espaços cada vez mais virtuais.
Por Daniel Boppré - Gerente de Projetos em Contexto Digital