Delírio americano e pesadelo brasileiro
Manhã de 9 de novembro de 2016. Acordo e vou direto no Instagram, hábito matinal do qual não me orgulho. Já na segunda deslizada para baixo na tela, o susto: “Donald Trump é eleito presidente dos EUA”.
Mais indignado do que surpreso, mando uma mensagem para a Marina, minha filha: “Oi. Ele ganhou”. Ela: “Sério? Não acredito”. Há pouco havíamos retornado de um período de estudos nos EUA. Testemunhamos debates e trocas de acusações entre os candidatos e eleitores. Havia também as pesquisas e a imprensa. Curiosamente, partiu dos jornalistas – e não da população – a maior manifestação de surpresa.
Nesta última eleição norte-americana, a imprensa e, principalmente, a opinião pública, estiveram deslocadas da realidade. Ignoraram, por despreparo ou soberba, todos os sinais e acabaram “surpreendidas pelo Natal”.
Mas quais sinais evitariam a surpresa? Antes, uma ilação sobre o conceito de opinião pública, essa entidade que, por definição, representa a voz do povo. Seja no país de Trump, seja no Brasil de Michel Temer, a opinião pública é ouvida por meio de interlocutores. A esses cabe transmitir a mensagem. Em países democráticos, a voz da opinião pública ressoa a partir da imprensa. Em ditaduras – de direita ou de esquerda –, o governo é a única voz.
Nos Estados Unidos, a opinião pública (a imprensa) ignorou a opinião do público. Agora, a mesma imprensa que não conseguiu interpretar as ruas, busca razões que justifiquem a própria miopia. Para além de fake news e conspirações russas, a vitória de Trump deveu-se (surpresa!) ao discurso racista, xenófobo, homofóbico e misógino.
A Ciência Política explica: um candidato a presidente expressa os desejos do eleitorado em suas várias camadas. Se esse candidato for o vencedor, suas ideias chancelam as opiniões daquela maioria.
Parte da massa silenciosa que elegeu Trump é chamada de white trash. A alcunha horrorosa serve para definir o norte-americano branco, na maioria sulista, que perdeu o emprego e vê sua renda definhar junto com as novas convicções de igualdade e justiça social. Esse estrato sempre esteve ali. A sorte do estado das coisas era que, até então, não havia alguém para verbalizar essas ideias fora do lugar e representá-las na cena política. Isso até surgir Donald Trump. Mas a imprensa (ou a opinião pública?) insistia em tratá-lo como piada. Quando notaram, a tempestade perfeita já estava ganhando força e varrendo a América.
Felizmente, aqui no Brasil não temos tamanha anomalia política. O que temos é um candidato a presidente que diz que não teria um filho gay, que negros só atrapalham a economia do país e não servem nem para procriar, e que algumas mulheres são tão feias que não merecem nem mesmo serem estupradas.
Por acaso ele ocupa o primeiro lugar nas pesquisas, com mais ou menos 25% das intenções de voto. Mas a opinião pública (imprensa?) não o vê como ameaça e o trata em tom de galhofa. Afinal, o Brasil não é um país racista, xenófobo, homofóbico e misógino. Isso é coisa de americano. Nós somos “abençoados por Deus e bonitos por natureza”.
Tomara que, na manhã do dia 8 de outubro próximo, eu possa ler os posts matinais no Instagram e não precise mandar para a minha filha a mesma mensagem incrédula de 2016. Se isso acontecer, será um pesadelo e bastará esconder a cabeça embaixo do edredom para a ameaça ir embora. Tomara.
Consultora de Sustentabilidade
6 aBoa materi
Professor Universitário | Doutor em Administração | Economista | Administrador
6 aTomara mesmo, amigo. Vamos lutar para não acontecer.