Democracias à La carte
Se uma pessoa desavisada chegasse hoje ao Brasil, sem nenhuma informação sobre o país, e tentasse entender os debates políticos que frequentam a mídia e inundam as redes sociais ficaria, no mínimo, confusa. Todos manifestantes dizem defender a democracia. Nesse ponto parece não haver divergências. No entanto, enquanto uns denunciam os abusos do presidente Bolsonaro que estão corroendo as instituições e colocando em risco o regime democrático, outros, como o próprio presidente, ao contrário, acusam as oposições por não respeitarem as liberdades individuais garantidas na Constituição e por quererem impedi-lo de governar.
Democracia parece haver para todos os gostos, tanto para os que querem manter os princípios estabelecidos na lei e as normas oriundas da Constituição, que sustentam a separação e a independência dos Poderes, a organização federativa da República e o Estado de direito, quanto para os que imaginam uma democracia customizada conforme seus interesses.
Na extrema esquerda, por exemplo, na tradição leninista a democracia estaria subordinada ao partido único, sem liberdade de expressão. A experiência brasileira recente evidencia que na democracia à moda petista a hegemonia é do Partido dos Trabalhadores e os fins justificam os meios para atingi-los.
Na extrema direita, por seu lado, o fascismo e o nazismo fizeram do Estado instrumento de dominação, sem respeito às liberdades individuais. Aqui, está em formação um modelo, personalista, sem vínculo com partidos políticos e com o poder concentrado na pessoa do presidente e de seu entourage. É a democracia à moda Bolsonarista. As instituições são ameaçadas diariamente pelo presidente que tenta submeter o Estado aos seus desejos e caprichos, nos mínimos detalhes. Que digam as Ilonas e Luanas.
O momento atual é muito grave. A pandemia segue ceifando vidas e causando desesperança, a economia navega ao sabor das ondas do mercado e o governo está todo mobilizado para as eleições do próximo ano. O presidente Bolsonaro não administra para todos, mas reivindica expressar o desejo da maioria da população, promovendo passeatas de moto e cavalgadas pelas ruas das capitais em uma falsa demonstração de defesa da liberdade; liberdade que ele desrespeita. Que digam as jornalistas agredidas, Vera, Patrícia e Daniela.
Fora do contrato em vigor, detalhado na Constituição de 1988, qualquer outra interpretação de democracia é, na verdade, uma forma de autocracia, que restringe as liberdades e compromete o bem-estar coletivo.
No ambiente atual de radicalização, a eleição presidencial de 2022 caminha para escolha de qual autocracia não queremos. O Brasil merece coisa melhor. Valha-nos Deus!
*Dedico esta coluna à memória do ensaísta social-liberal José Guilherme Merquior, cujo nascimento há oitenta anos e morte há trinta não deveriam ficar no esquecimento.