Depósitos a Prazo
Faz tempo que não publicava os artigos e volto agora com o tema #sermae.
A quem interessar possa:
"Depósitos a prazo"
Olá queridas mamães, cuidadoras, vovós, babás dedicadas, pajens e afins. Como estão indo com os cuidados com seus bibelôs?
Estive pensando (na verdade não sei bem se “estive”, se estou a partir deste momento (agora-já) ou se sempre pensei sem saber ao certo se, de fato, pensava sobre isso), acerca do nosso papel de cuidadora, educadora, protetora e figura de exemplo para nossos pequenos seres que estão sob a salvaguarda da nossa responsabilidade.
Vamos e venhamos: todas nós refletimos mais ou, às vezes, menos sobre essa enorme responsabilidade, isso é claro. Porém, em determinados momentos da nossa vida, a depender também de como anda nossa própria saúde mental, somada aos anos de tarimba, questionamos essa grande atribuição com mais seriedade.
O que quero dizer é que se tivesse me tornado mãe aos 20 e poucos, sem dúvida nenhuma, meus questionamentos sobre minha tremenda responsa maternal seriam bem diferentes dos de hoje, que – aos 52 – já são também muito diferentes de quando minha filha nasceu, quando eu tinha 40.
Posso afirmar (categoricamente) que eles, hoje, são mais maduros e implicam em buscas cada vez mais altruístas para alcançar resultados que sejam verdadeiramente muito proveitosos para minha filhinha.
Ah OK, estou até ouvindo você já me dizer: “mas, Alessandra, é isso que toda mãe quer e deseja para seu filho: que ele (só ele), seja feliz.”
“Péra aí”. Nós duas sabemos que não é muito bem assim. Confessemos! Queremos que sejam felizes acima de tudo, mas desejamos também nossa felicidade própria e a satisfação de nossos desejos pessoais. E muitas vezes essa pulsão é tão, tão, tão intensa que fica difícil controlar essa realização satisfatória e deixamos a função materna um pouco, digamos, de lado.
O passar dos anos nos ajuda beneficiando-nos com uma maturidade melhor trabalhada neste aspecto (pelo menos deveria ajudar) e vamos compreendendo que temos, sim, uma responsabilidade direta na relação desejo-satisfação dos filhos/satisfação-desejo da mãe à medida que o tempo (generosamente) nos concede o traquejo de saber sublimar com amor nossas significâncias pessoais em favorecimento de uma educação mais saudável para nossos filhos e vamos percebendo como é importante abrir mão de determinadas satisfações para que nossas crianças possam contar com melhores cuidados e maior atenção e, ainda, o quanto esse bom trato faz diferença para melhor no desenvolvimento de um Ego mais fortalecido deles.
Trocando em miúdos, quero dizer que na medida em que abrimos mão (com amor, digo e repito, com amor), da busca frenética pela satisfação de nossos desejos pessoais a favor do cuidado mais atencioso para com nossos filhotes e filhotas, estamos tomando uma atitude madura na arte de educar.
Calma lá! Não estou dizendo para você se anular e deixar de viver sua vida. Estou dizendo que cair na farra jogando a merd...no ventilador é coisa para se fazer quando não há nenhum ser vivente que dependa de você. É isso que eu digo!
Estranho não é? Talvez não lhe caia bem ouvir isso num momento em que o mundo nos diz que a “regra do jogo” é respeitar nossos próprios desejos custe o que custar, que é provar nosso valor nem que seja empurrado goela abaixo de qualquer pessoa que esbarre o nosso caminho, que é fazer o que se bem quer independentemente do que os outros dizem, blá blá blá...
Recomendados pelo LinkedIn
Para tudo nesta nossa vida há dois pesos e duas medidas. Nem tanto à terra, nem tanto ao mar. Nem tanto eu, nem tanto tu e, assim, sobra um “tantão” para nós (acabei de inventar essa).
Pretensiosamente arrisco a dizer que esta reflexão é uma proposta desafiadora perante tanta cobrança mundana para que meus gostos e desejos pessoais sejam satisfeitos entremeio ao desígnio que a vida me impôs de educar uma criança (haja vista, um propósito que muito me anima e agrada). É um duelo né minha gente? Afinal, ser mãe é essa eterna briga entre o que é bom para mim e o que realmente devo fazer para que tudo se torne bom para mim.
Aproveito o gancho para pensar sobre o quanto essa angústia e frustração são os responsáveis pelas expectativas surreais, mega estrambólicas e exageradas que depositamos sobre nossos filhos e filhas. Estou certa de que esses sentimentos são os desencadeadores do tremendo peso das cobranças que exigimos deles numa relação bem direta e explícita: se não realizo meu desejo por mim mesma, faço com que extravase de alguma forma através da vida deles e, assim, a prazo, vamos depositando nossas angústias sobre nossos filhos, exigindo que vivam e se comportem do jeito que a gente quer, custe o que custar, haja o que houver.
Não vou, evidentemente, isentar-me desse “bolo”, também faço parte do conteúdo desse ingrediente assim como você, mas parar para pensar se a minha atitude é educativa de fato ou é uma forma de despejar minhas expectativas fracassadas sobre a cabeça da minha filha é um exercício que tento fazer todo santo dia. É fácil? Não. Evidente que não é. Dói né, gente? Encarar o fracasso das nossas expectativas é ver o tempo perdido, é sentir a água escorrer pelas mãos, é tirar o doce da boca, é... (complete você mesma). É um soco no estômago!
Porém, esse esforço ajuda muito e toda vez que me sinto tentada a despejar sobre minha menina os meus vazios existenciais, penso o quanto é importante fazer o caminho inverso, então, vou depositando a prazo na conta da educação (que consigo dar) todos os meus desejos para que ela, minha filhinha amada, possa encontrar seus próprios meios para se realizar e para ser alegre e feliz. E nestes desejos estão:
• Minha enorme vontade em vê-la pondo em prática sua vocação pessoal de maneira realmente genuína, sendo artista em sua essência;
• Que sua “cuca” seja fresca e livre para não se amarrar em falsas verdades que a iniba a ponto de colecionar inúmeras frustrações;
• Que tenha amigos verdadeiros que segurem sua mãozinha quando a “porca torcer o rabo”;
• Que possa se desvencilhar de mim e do papai com amor e gratidão sem se sentir cobrada de nada a nosso respeito;
• Que saiba se divertir e se amar.
Coisa pouca, né? Mas são depósitos feitos a prazo, um pouco, uma gotinha, outro pouco e mais uma gotinha todos os dias para que, ao final, some um copo cheio de amor próprio que a sacie para o resto da vida.
É isso!
Alessandra Calazans