DEPENDÊNCIAS QUÍMICAS E COMPORTAMENTAIS Abordagem terapêutica para tratamento de transtornos pelo uso de álcool e outras drogas


A inteligência é o único meio que possuímos para dominar os nossos instintos”

(Sigmund Freud)


RESUMO


Este trabalho tem como objetivo primordial descrever práticas terapêuticas, como as técnicas do Modelo Minnesota e outras hoje utilizadas, em conjunto com os 12 Passos, preconizados pelos Grupos de Ajuda Mútua (AA, NA e outros), e utilizados no Modelo Minnesota. São práticas norteadoras para um tratamento largamente utilizado em consultórios, ambulatórios, ambientes de internação e mesmo em programas corporativos de empresas destinados à prevenção do uso de drogas.


As descrições encontradas em trabalhos acadêmicos tem evidenciado eficácia do Modelo Minnesota. Ao mesmo tempo, vemos nesses mesmos trabalhos indícios de uma carência, de uma abordagem que vá além do modelo de 12 Passos. Não por ineficácia destes, mais do que consagrados e tidos como a maior e melhor ferramenta pelos Grupos de Ajuda Mútua (AA, NA e outros). Mas sim pelo fato de estarmos tratando de seres humanos, tão semelhantes como raça e composição genética, porém tão diversificados pelas suas origens, seus costumes, sua cultura. Diferenças e semelhanças existentes até mesmo em diferentes localizações geográficas no globo terrestre. Determinantes diferenciais quanto à alimentação, ao clima, às demandas por energia e necessidades de subsistência. Por esses motivos é que o Modelo Minnesota, como linha mestra de uma conduta terapêutica, pode ser otimizado com a introdução de manejos e técnicas adicionais, de forma a se apresentar como uma conduta à qual o cliente tenha mais facilidade em aderir. Um modelo que se propõe, não se impõe; que seja acolhedor sem ser piegas nem excessivamente cuidador, mas que principalmente seja entendido pelo cliente como um caminho com grande possibilidade de sucesso, viabilizando assim o trabalho de uma equipe terapêutica para introduzir o cliente numa metodologia de tratamento.


Foram inspiradores deste trabalho todas as dinâmicas e os estudos desenvolvidos no Curso ministrado pela Clínica Contexto, a pesquisa e revisão da literatura acadêmica e da literatura dos Grupos de AA e NA. Muito importante, também, foi a vivência com o o ambiente real de tratamento, atendendo dependentes internos e ambulatoriais, durante o trabalho colaborativo desenvolvido na Clínica Vila Serena.


O resultado foi uma profunda reflexão sobre um fenômeno que afeta seres humanos causando-lhes mal. Um fenômeno tão complexo que até sua tipificação e classificação como doença, bem como seus critérios de diagnóstico, vêm sofrendo constantes revisões pelas instituições especializadas mundo afora.


O leigo fala em alcoolismo, alcoólatra, drogadição, drogado, viciado, doença de caráter, doença da adicção, compulsivo, dependente químico, adicto. Estende essas designações até um julgamento moral injusto do indivíduo que sofre de uma doença, e que necessita de tratamento.


Neste trabalho procuramos usar a classificação do DSM-V, que é o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, publicação mais atual da American Psychiatric Association, referendada pela Associação Brasileira de Psiquiatria, descrita abaixo:


Transtornos Relacionados a Substâncias e Transtornos Aditivos


No entanto permitimo-nos citar os termos populares em partes do trabalho para maior desenvoltura e melhor compreensão para o leitor.


Passemos às sessões seguintes, nas quais abordaremos algumas características da doença e as práticas terapêuticas de modelos de tratamento praticados e estudados, aos quais tomamos a liberdade de inserir textos e comentários de nossa responsabilidade.



1. INTRODUÇÃO AOS CONCEITOS DA ADICÇÃO NO SER HUMANO


As drogas psicoativas conseguem destruir a saúde física e mental, a vida social, afetiva e financeira das pessoas que iniciam o seu uso e tornam-se adictas. Esse fenômeno afeta também diretamente familiares, amigos, colegas escolares e de trabalho, tornando-os também pessoas doentes, não da adicção, mas da codependência, em maior ou menor grau, provocando invariavelmente a desestabilização dos vínculos afetivos e sociais, podendo chegar à sua destruição.


Mais além, as drogas vão se refletir na sociedade, onde, sob diversas óticas, percebemos não somente o potencial destruidor, mas a realidade devastadora que afeta, em última análise, a vida saudável de uma comunidade, de uma cidade, de um país.


Crianças são reféns do comportamento de pais adictos. Se violentos, praticam maus tratos e colocam em risco a saúde e a vida dos pequenos. Se apáticos, deixam de cumprir suas obrigações de provedores de seus filhos quanto a alimentação, segurança, higiene, saúde e educação.


Se ilegais, vivem e fazem seus filhos viver num clima de violência e terror constante. Quando reclusos por atos ilegais praticados, deixam crianças indefesas sem chão, sem mesmo as migalhas de afeto que eventualmente proporcionavam.


Os adictos, eles próprios, têm suas vidas funcionais interrompidas quando em uso de drogas. Mentes brilhantes, personalidades únicas, preciosas, pessoas com alto desempenho laboral, grandes realizadores, a força motora de trabalho que a sociedade tanto necessita. Toda a vida torna-se estagnada; ou melhor, toda essa energia vital do indivíduo se canaliza para um único e sinistro objetivo: obter meios para adquirir e consumir drogas.


Um fenômeno que se manifesta num indivíduo e produz efeitos num raio de ação considerável.


A solução definitiva para a total abstinência do indivíduo ao uso de drogas psicoativas ainda não foi encontrada, a despeito de pesquisas e desenvolvimentos de medicamentos para combate ao problema. Laboratórios fazem investimentos consideráveis até a colocação no mercado de uma nova droga, capaz de produzir resultados muito positivos, atuando diretamente na bioquímica do ser humano, notadamente no sistema nervoso central. Graças a todo esse desenvolvimento, o cérebro humano tem hoje boa parte consideravelmente conhecida quanto ao seu funcionamento fisiológico e, em grau semelhante, as consequências fisiopatológicas do uso de substâncias psicoativas.


No entanto, a adicção, o transtorno pelo uso de substâncias psicoativas, é reconhecidamente uma doença de múltiplos componentes. As interações químicas e os mecanismos de controle de produção de substâncias que estimulam ou inibem a atividade cerebral constituem um componente importantíssimo da doença, pois essa é a porta de entrada. A ingestão, seja por que meio for, de uma substância que proporciona ao indivíduo um prazer novo, forte, indescritível, que se sobrepõe aos prazeres que conhecia até então, oriundos de seus processos fisiológicos: isso é sensacional, mágico, divino. E a partir daí um número considerável de indivíduos vão, paulatinamente, substituindo os prazeres fisiológicos pelos prazeres das drogas. Mas o componente bioquímico é certamente apenas mais um dos componentes da doença instalada, como veremos a seguir.


Como é conhecida hoje, a adicção, ou transtorno pelo uso de substâncias psicoativas é considerada pelos estudiosos do assunto como um fenômeno patológico que afeta, de forma direta, as áreas abaixo enumeradas e sobre as quais tecemos nossos comentários.


Vale lembrar que, além dessas áreas, a fisiologia do corpo humano é assolada pelos efeitos nocivos que as drogas vão provocar em sistemas, aparelhos e órgãos funcionais, tornando-os doentes não pela questão da dependência, mas pelos efeitos bioquímicos derivados do uso abusivo e prejudicial das drogas, comprometendo o bom funcionamento do corpo humano e colocando em alto risco a saúde e a vida do usuário de drogas.



· Área Biológica: interação bioquímica


Que diz respeito às reações químicas que ocorrem em sua maioria no sistema nervoso. Como resposta aos efeitos da ingestão de drogas psicoativas o cérebro reage liberando substâncias que vão atuar no circuito do prazer, proporcionando sensações e percepções agradáveis e de bem-estar. O sistema de recompensa cerebral tem como função promover e estimular comportamentos que contribuem na manutenção da vida e da espécie, como a alimentação, proteção, sexo, entre outros. Esse sistema de recompensa, quando ativado, em nosso caso particular pelo uso de drogas, proporcionará sensações de prazer e satisfação. As substâncias psicoativas são capazes de ampliar em centenas de vezes a atividade deste sistema de recompensa, alterando o funcionamento cerebral. Uma vez instalado o uso contínuo de uma ou mais substâncias psicoativas, estará instalada no indivíduo a adicção. Ironicamente, essa mesma adicção fará com que o indivíduo com comprometimento moderado ou grave procure cada vez mais o uso, devido às sensações de desprazer que passará a sentir pela falta ou abstinência do uso das drogas.



· Área Mental das Percepções, Emoções e Sentimentos


Que mobiliza nosso cérebro para as percepções, sejam oriundas dos sentidos que conhecemos – visão, audição, olfato, paladar e tato; sejam oriundas de dos sentimentos não descritos, objetivos ou subjetivos. Enfim, tudo aquilo que nos mobiliza, nos emociona, nos provoca sentimentos, mesmo que não tenhamos uma definição clara e não saibamos na grande maioria das vezes expressar “aquela coisa” que está balançando nossos pensamentos, nosso corpo, nosso comportamento. Os mesmos estímulos ou inibições, provocados pelo uso de drogas que afetaram o cérebro e o sistema nervoso, vão ser responsáveis por distorções nas percepções, emoções e sentimentos, podendo levar o indivíduo a estados de delírios, alucinações, catatonismo e confusão mental. O comprometimento dessa área tornará o indivíduo cada vez mais distante dos fatos reais, das emoções e sentimentos normais que um indivíduo sadio experimenta nas mesmas situações do cotidiano.



· Área Mental da Razão e Cognição


As funções cognitivas são classificadas em memória, atenção, linguagem, percepção e funções executivas. O sistema cognitivo nada mais é do que a relação entre estas funções, atuando para atender demandas de situações que vivenciamos no dia a dia, para suportar desde os comportamentos mais simples até os de maior complexidade, que exigem muito mais do nosso cérebro.


Memória – É uma das funções cognitivas mais empregadas porque ela está em funcionamento durante toda a vida do indivíduo. É a capacidade que temos de registrar, guardar informações e, quando necessário, trazê-las e aproveitá-las no presente. Um nível adequado de atenção do indivíduo produzirá um bom funcionamento da memória. Para que haja armazenamento correto de informações outras funções cognitivas, como a atenção e as capacidades de percepção e associação devem estar íntegras, não apenas armazenando informações, mas principalmente agregando juízo de valor, fazendo comparações com crenças e conhecimentos previamente armazenados; e estabelecendo novas associações lógicas.


Atenção e atenção seletiva – São funções complexas e sua eficiência é determinada principalmente pelo comportamento, pela motivação e desejo de armazenar determinadas informações.


Atenção dividida – É a capacidade do indivíduo em ter atenção e armazenar informações a partir de mais de um estímulo.


Concentração – A nossa capacidade de prestar concentração depende diretamente do funcionamento adequado e integrado de diversas áreas cerebrais. O cérebro está constantemente sujeito a uma quantidade enorme de estímulos e informações, provenientes tanto dos órgãos sensoriais, as origens mais conhecidas, quanto de sistemas internos de regulação orgânica, como sistemas de controle da postura corporal ou funcionamento metabólico, e mais ainda, quanto da nossa própria atividade de raciocínio, voluntária ou involuntária sobre fatos reais ou fantasias que nos vêm à mente. Sabe-se também que a quantidade de informação que o cérebro recebe é muito superior à sua capacidade de lidar com ela, de processá-la. Estima-se que o cérebro receba cerca de 40 bilhões de bits de informação por segundo, enquanto sua capacidade de processamento é limitada a cerca de 2 bilhões. Assim, pode-se concluir pela necessidade de filtrar ou bloquear boa parte destas informações. Prestar atenção, essencialmente, significa inibir distrações, de forma flexível e de acordo com as necessidades de cada instante. Dessa forma, temos que manter a concentração, por alguns meios e recursos e por inúmeros fatores, desde a carência de ânimo, de motivação, ou mesmo pelo anseio de atenção sobre assuntos concorrentes no mesmo espaço de tempo.


Percepção – É uma função cognitiva onde o indivíduo é capaz de formar e distinguir os estímulos vindos de um ambiente através dos órgãos sensoriais e poder dar um significado para eles.


Linguagem – Esta função também é utilizada pelo indivíduo todos os dias e durante a maior parte do seu tempo de vigília. É usada de maneira oral, falando e escutando, ou de maneira escrita, lendo e escrevendo. A linguagem tem grande amplitude em nosso cérebro e é definida pelo uso de um meio complexo e aparelhado de combinar palavras a fim de se comunicar. Não obstante, a comunicação pela linguagem não se constitui somente em palavras. As formas não verbais, como desenhos, gestos, imagens visualizadas em estado de vigília ou em sonhos são igualmente capazes de evocar sentimentos e ideias.


Funções Executivas – Constituem um contexto neuropsicológico que usa as atividades cognitivas para o planejamento e execução de tarefas. Abrangem as tomadas de decisões, a lógica, o raciocínio, as estratégias e as soluções de problemas. Esses processos cognitivos também são produzidos diariamente, durante todo o período de vigília.


As funções cognitivas interagem entre si e o indivíduo prescinde delas na sua totalidade. Quando precisamos resolver um problema, são ativadas todas as funções cognitivas para que ele seja solucionado. Um exemplo clássico atual: Batemos um carro. Ocorreu neste problema uma possível falta de atenção; para auxiliarmos as pessoas envolvidas precisaremos usar a memória para utilizar os primeiros socorros, manter a calma, ligar para o socorro médico pedindo ajuda – isto requer memória e atenção; e assim podermos realizar todos os procedimentos para solucionar os problemas que se apresentarem em função desse evento.


O funcionamento da área mental da Razão e Cognição do indivíduo, comprometido com o uso de substâncias psicoativas, passa a funcionar com o objetivo precípuo de perpetuar o autoconvencimento de que o uso de drogas vai proporcionar prazer, o grande prazer sentido no início da adicção. Mais ainda, que esse uso vai eliminar o desprazer físico e mental causado pela falta que a droga faz na química do seu cérebro já comprometido. O indivíduo ativará todas as suas funções cognitivas, todos os seus mecanismos de defesa, para justificar a sim mesmo sua necessidade de consumir drogas. Concluído esse processo de autoconvencimento da sua necessidade, vai usar toda a sua capacidade cognitiva, todo seu raciocínio, para reforçar suas crenças e valores na adicção. Sua mente traçará estratégias e planos minuciosos para obter os meios físicos e financeiros para adquirir sua droga de escolha para o consumo. Nada vai detê-lo pelas vias universalmente pacíficas e relacionais. Talvez, na ocorrência de um evento extremo, ele seja demovido de suas intenções. O que acontecerá, invariavelmente, será a execução de uma sequência de ações, atitudes e comportamentos que culminarão com seu consumo de drogas.


É tudo muito complexo, não é mesmo? É absolutamente necessário e importante dizer que o uso continuado de drogas vai danificar esse complexo e maravilhoso funcionamento de nossas mentes, tornando-nos cada vez mais criaturas intelectualmente inertes, improdutivas, incapazes. Muito pior, criaturas dependentes não só de drogas, mas dependentes de pais, de esposas e esposos, de filhos, da sociedade. Um ônus para aqueles que nos amam, para o mundo, sem propósito algum. Talvez unicamente para o exercício da caridade do próximo.


Além disso, o comprometimento da razão e das funções cognitivas transforma o indivíduo num ser com grandes dificuldades de convívio social, chegando mesmo à total inabilidade de relacionamento e atitudes com o outro; um verdadeiro estado de demência, invariavelmente irreversível. Em sentido figurado, as pessoas costumam dizer que o indivíduo adicto gravemente comprometido “passou para o outro lado do espelho”. Imagem interessante, porém triste, que nos remete a visualizar alguém que não está presente no mundo real e que podemos ver apenas seu reflexo inerte porém com vida, daquele que um dia foi como qualquer um de nós.




· Área Mental do Comportamento e Execução das Ações


No campo de estudo dos transtornos por uso de substâncias psicoativas pode-se entender a área do comportamento humano como a responsável pela mera execução de ações pré-determinadas, resultantes de uma trama psicológica construída pelo dependente. Todo o arcabouço mental estará afetado:


seus instintos (sobrevivência e preservação da espécie),

seu sistema de recompensas, prazer e desprazer (água, alimento, sexo, drogas),

seus sentimentos e emoções (medo, tristeza, raiva, alegria, etc.),

e sua razão, seu raciocínio e cognição (crenças, valores, planos, tramas, autoconvencimento).

Como já foi dito, nada conseguirá deter o adicto disposto a consumir sua droga. Excepcionalmente, um acontecimento extremo, que cause impedimento físico, como perseguições policiais, prisões, acidentes, poderá determinar uma parada momentânea na consecução de seus objetivos. Formado o autoconvencimento na Área da Razão, a justificativa do uso, as ações para obtenção e o uso propriamente dito da droga já são uma questão fechada. Para o adicto, uma missão, algo que deve ser executado a despeito de qualquer fato, ultrapassando todos os obstáculos, uma linha de chegada, onde a sua “vitória” é uma questão de vida ou morte.


 ·     Área Espiritual

Provavelmente a maioria de nós já passou por situações críticas, de saúde, de trabalho e emprego, de aspectos financeiros, de relacionamento com companheiro ou companheira, filhos, familiares, amigos, comunidade e com a sociedade em geral. Fazemos uso de todas as ferramentas cognitivas das quais dispomos, procuramos entender a situação, sua importância e gravidade, as possíveis consequências; e o encaminhamento que devemos dar para a solução. A despeito de toda energia dispendida, de todas providências tomadas, a situação permanece praticamente a mesma, inalterada, ameaçadora.


Qual de nós, num momento como este, não pensa em pedir ajuda a um poder maior, clamar por uma força sobrenatural capaz de nos proteger e prover forças para que continuemos a enfrentar a situação, um poder que promova a nossa fé e nos dê a esperança que, se persistirmos, as melhoras começarão a acontecer. Talvez alguns poucos não se voltem para o auxílio que chamamos de espiritual. Constatamos uma condição de singular, a nossa relação com o outro, descobrimos que a nossa união com qualquer força será sempre maior que a nossa própria força, passível de falhas e recaídas, percebemos, pelo simples exercício da lógica, que há uma força maior, que quanto mais houver união, maior será a força, chegando a uma força suprema, que une a todos e a tudo o que existe no universo, capaz de empoderar cada indivíduo com a soma da energia de todos. Capaz, enfim, de vencer qualquer obstáculo que a doença da adicção tente impor ao propósito de uma vida nova, livre da escravidão causada pela busca incessante e inútil de um prazer que não existe mais, e que nunca mais voltará a existir.


Voltando nossa atenção novamente para a adicção às drogas notamos um aspecto particularmente interessante: a constatação que os danos causados pelo uso de substâncias psicoativas vão se alastrando, progredindo e aumentando. Como estará a saúde do adicto, comprometido com o uso de drogas? Como ele foi afetado? Que áreas de sua vida foram comprometidas?


Olhando a sinopse abaixo podemos fazer uma pergunta: Em cada tópico listado, houve melhora ou piora com a progressão do uso de drogas?


Sistema nervoso, aparelhos respiratório e digestivo, estruturas musculares, sistema cardiovascular;

Mente, percepções, emoções, sentimentos, memória, atenção, concentração, raciocínio, convivência com a família, amizades, trabalho, patrimônio, laser, convívio social.

 


Ainda não falamos da Área Espiritual. Poderíamos ousar dizer que a área espiritual, embora não totalmente ilesa, é a área que a doença não conseguiu destruir? É a área mais preservada do indivíduo usuário de drogas?


Em sua maioria, sim.


Preservada a Área Espiritual, encontramos real esperança de um caminho de volta.


 Evidentemente, faz-se necessário um tratamento, que seja multidisciplinar, que trate todos os aspectos aqui descritos da doença, cujo modelo utilize estratégias terapêuticas diversificadas, com abordagem focal, ou seja, combater primeiramente a doença em si, para que o indivíduo possa passar por uma desintoxicação dos efeitos das drogas em seu organismo levando-o a um estado de sobriedade. Dependendo do nível de comprometimento com o uso de drogas, esta etapa é imprescindível para que o indivíduo recupere, mesmo que parcialmente, sua capacidade cognitiva, pois é dela que ele vai precisar para entender sua doença, para poder optar pelo tratamento, para seguir o tratamento multidisciplinar, tomando medicamentos, estudando e conhecendo a si próprio e à sua doença, aprendendo métodos de evitar o uso de substâncias, fazer uso de treinamento mental para aprimorar o ferramental necessário que reforçará sua convicção e opção pela sobriedade,


Comorbidades subjacentes não devem ser desprezadas, nem ter sua importância diminuída, mas devem ser objeto de condutas terapêuticas específicas, que devem estar integradas ao tratamento da adicção. Daí a necessidade imperiosa de uma abordagem multidisciplinar.


 Uma proposta para atacar o problema de formas diversificadas, ou melhor, através da combinação de tratamentos, onde se procura debelar os problemas um a um, sempre pensando que a doença se manifesta no físico, na mente (emoção, razão e comportamento) e no “espírito”, que é, fundamentalmente, a relação afetiva e de amor do indivíduo, consigo mesmo, com o outro, com seus familiares, amigos, com a comunidade em que vive, seu trabalho.


 Vamos começar reforçando a relação que não se rompeu, não foi destruída pela doença, que é o relacionamento do indivíduo com o que ele não pode controlar, não pode atacar, não tem poder algum sobre, não compreende, sente medo e respeito: a relação com o que é sagrado, com a percepção metafísica, com uma força percebida como maior que o próprio indivíduo, mas que permanece incomensurável. Com a relação que tem nomes, visões e interpretações diferentes, em cada povo, em cada cultura, em cada indivíduo em particular. Essa relação é chamada nos Grupos de Mútua Ajuda de Poder Superior; chamamos, na maioria das religiões de Deus. Seja quem e como for, incontestavelmente uma força maior, na qual percebemos a mão estendida, para a qual queremos caminhar, para sentir proteção e conforto, para chegarmos à realização plena como criaturas diferenciadas no mundo em que vivemos. E a própria Hierarquia das Necessidades, de Abraham Maslow nos mostra quantas realizações nos esperam.


 Vamos, pois, passar adiante e, passo a passo, procurar entender como podemos nos beneficiar desse modelo de tratamento, estacionando uma doença incurável, progressiva e potencialmente determinante de nosso fim.

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