Desafios do profissional de Relações Governamentais

Desafios do profissional de Relações Governamentais

Após mais de dez anos atuando na área como diretor de relações governamentais em 3 multinacionais diferentes, comecei a fazer um balanço dos principais desafios que tive e, sobretudo, do meu aprendizado. O Brasil ainda não enxerga o trabalho de relações governamentais como alguns outros países. Por aqui, o termo é muitas vezes confundido com o de “lobista”, termo que tem uma percepção um tanto pejorativa no Brasil, diferente do que ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos.

Mas vamos lá. Acredito que algumas habilidades e práticas sejam essenciais para que alguém se torne um bom profissional nessa área. Vou descrevê-las aqui e espero que possam ajudar a quem deseje trabalhar nessa área que é ao mesmo tempo desafiadora e empolgante.

Transparência

Somente através de relações transparentes é possível estabelecer uma relação de confiança mútua. Não se trata de dizer que tudo deva ser revelado e aberto nas conversas e negociações. Obviamente, sempre haverá informações confidenciais que não poderão ser compartilhadas entre as partes, mas a questão da transparência envolve deixar claros os objetivos e os reais interesses entre elas. Desde que sejam interesses legais e éticos, será justo e mais produtivo que as partes saibam quais são. Isso poupará tempo e evitará embaraços desnecessários.

Mapeamento de atores e de influências

Um correto e bem-feito mapeamento de todos os atores – ou stakeholders como são mais conhecidos – bem como uma análise das suas interrelações e influências é fundamental. Nesse trabalho, assim como em quase todos, há tomadores de decisão e influenciadores. Saber quem são, onde estão e que relações têm entre si é fundamental. Nem sempre você terá acesso direto ao tomador de decisão, mas poderá chegar a ele através da sua rede de relacionamentos – pessoas à sua volta que direta ou indiretamente influenciam no processo decisório. Tão importante quanto fazer esse mapeamento é mantê-lo atualizado. Mudanças ocorrem a todo momento.

Formação de coalisões

Feito o mapeamento acima, o trabalho seguinte será o de formar as coalisões necessárias. Trabalhos de relações governamentais são normalmente complexos, além de difíceis. Voltando ao primeiro tópico acima mencionado, a transparência será fundamental para que se construam coalisões em torno de objetivos comuns. Decisões públicas envolvem diferentes segmentos da sociedade, daí sua complexidade. É inútil pensar que abordagens unilaterais possam ser efetivas e sustentáveis. Quanto melhores as coalisões entre os vários atores, maiores as possibilidades de êxito.

Olhar estrategicamente o todo

A complexidade das relações governamentais exige um olhar para o todo, não apenas para uma parte das questões envolvidas. É necessário olhar com atenção as implicações das tomadas de decisão no curto, no médio e no longo-prazos. Medidas tomadas em um local terão consequências em outros, e se não forem corretamente avaliadas, poderão levar a erros ou fracassos. Em muitos momentos faz-se necessária a chamada “vista do helicóptero”. É necessário tentar sair um pouco das ações para olhar de cima para o todo. Não raro, conclui-se que a estratégia precisa de correções. Sem esse olhar de cima, torna-se difícil notar as necessidades de mudanças de estratégia.

Persuasão

Dispor de ótima habilidade de comunicação, ser assertivo e objetivo nas conversas é fundamental. Interlocutores governamentais têm paciência zero para pessoas prolixas e pouco objetivas. Algumas reuniões são difíceis e raras. Por isso, precisam ser plenamente aproveitadas. Preparar-se e planejar antes, conhecer o tema, estar munido de informações e dados, e estabelecer uma pauta clara para a reunião são coisas necessárias. Mas comunicar-se bem, de forma objetiva e assertiva é um elemento fundamental para que você tenha maiores possibilidades de êxito. Quem fala demais, acaba não sendo ouvido. Acho que isso é algo válido para todas as áreas das relações humanas.

Resiliência

Profissionais com perfil de curto-prazo e que necessitam de conquistas imediatas para se motivar não darão certo em relações governamentais. Os trabalhos, como dito, são complexos e muitas vezes demorados. Na minha experiência pessoal, as realizações que me deram mais satisfação vieram depois e dois ou três anos de intenso trabalho, idas, vindas e realinhamentos. Mudanças de governo ou mesmo de pessoas nas estruturas quase sempre fazem com que você tenha que recomeçar o trabalho praticamente do zero. Em um dos projetos que liderei, isso aconteceu três vezes. É preciso ser resiliente para não se desmotivar diante disso.

Ética e Compliance

Deixei esse tema por último de propósito, porque ele merece destaque especial por ter que nortear todos os trabalhos e relações. Seguir à risca as leis em vigor é obrigatório e dispensa maiores comentários. Mas as empresas possuem regras de conduta que muitas vezes são mais rígidas do que as próprias leis locais. Isso é muito comum em companhias multinacionais, e não há espaço para improvisos ou “jeitinhos” quando o assunto é ética e Compliance. Acho fundamental trabalhar a quatro mãos com a área de E&C da empresa. Não é raro nos depararmos com situações que parecem estar em zonas cinzentas das leis, onde pairam dúvidas. O suporte de E&C nesses casos é indispensável.

 Antes de concluir, gostaria de mencionar que um profissional de relações governamentais deve gostar de política. Acho curioso quando ouço alguém dizer que não quer se envolver com ela, porque não acho que seja possível dissociar uma pessoa da sociedade em que ela vive. A palavra política tem origem grega, de politikos – cidadãos que viviam em uma cidade (polis). Ou seja, tem a ver com as relações de cada cidadão com a sua comunidade. Fazer política, portanto, é algo inerente às relações das pessoas numa sociedade. Uma vez que os interesses não são todos comuns – e muitas vezes são conflitantes – a política implica em encontrar a melhor combinação desses interesses para o bem-estar comum.

#RelaçõesGovernamentais #RelaçõesPúblicas #GovernmentRelations #PublicRelations

Raul Cury Neto

Managing Partner na VITTORE - Legal | Tax & Finance | Compliance & Data Privacy | Corporate Affairs & ESG | Financial Market | Human Capital

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Reflexões perfeitas meu caro, parabéns!

Géssica Leal

Public Policy Specialist | Mevo

1 a

Excelente artigo, Igor! 👏🏼

Laureci Lopes

Estrategia e Suporte ao Negócio| Vendas Publicas ao Governo| Vendas Canal Institucional e Privado | OPME | Advogada Generalista Empresarial

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Excelente Igor!

Igor parabéns pela matéria, nunca vi um nada tão claro e, ao mer ver, é de fato o que reflete esse tema! Nos últimos 25 anos trabalhei nessa área em um grande laboratório farmacêutico e esses foram os conceitos que Nortearam minhas ações na execução dessa grande atividade em Relações Governamentais. Não Tive a oportunidade de interagir com você mas estou certa que aqueles que tiverem esses conceitos certamente terão sucesso nessa área. Parabéns!!

André Pasternak

Executive search, career mentoring, human capital & corporate governance, business & strategy applied to the recommendation of C Level executives and Board Members. Expert in Healthcare & Social Impact sectors.

1 a

Excelente Igor! Couldn't agree more. Forte abraço!

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