Desafios para apurar haveres em uma dissolução parcial sociedade

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Desafios para apurar haveres em uma dissolução parcial sociedade

A dissolução parcial de sociedades e direito de retirada geram discussões e controvérsias entre sócios que param, em grande parte, no judiciário. Lá, não é diferente. Continuam as discussões e controvérsias em verdadeiras batalhas por questões periféricas que acabam por atrapalhar a cessação e liquidação do vínculo societário, este iniciado pelo affectio societatis ou bona fideis societatis.

Nesse contexto, até a questão da data de desligamento é objeto de muitas discussões, que também faz parte tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Fruto desses debates na I Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal em março de 2013, foi publicado o enunciado 13, que dispõe:

A decisão que decretar a dissolução parcial da sociedade deverá indicar a data de desligamento do sócio e o critério de apuração de haveres.

Um dos primeiros desafios para o magistrado numa de dissolução parcial de sociedade é fixar os parâmetros (definição do critério de apuração dos haveres, a data da resolução, a forma e condições que os haveres ou deveres serão pagos; arts. 604/605, CPC) para a avaliação da sociedade com o fim de apurar e liquidar a quota do sócio retirante, observado as previsões e omissões do contrato social e legislação aplicável.

Longe de eliminar as discussões em torno da dissolução parcial de sociedade, com os novos contornos trazidos pelo Código de Processo Civil (CPC) de 2015, no caso do o método adequado a ser utilizado na apuração do valor das quotas, prevê o artigo 606 que, em caso de omissão do contrato social, o juiz definirá, como critério de apuração de haveres, o valor patrimonial apurado em balanço de determinação. Leia:  a partir dos saldos contábeis e tendo por base o balanço patrimonial, aplica-se os “ajustes” ativos e passivos pertinentes, a preço de saída, para se chegar ao real valor do patrimônio líquido, este de conceito essencialmente contábil, para se obter o valor da quota social do sócio retirante ou excluído, consequentemente.

Wagner José Penereiro Armani, na sua clássica obra Dissolução Parcial de Sociedade Profissional Análise Crítica e Questões Práticas, chama a atenção sobre os entendimentos do Superior Tribunal de Justiça ao apreciar a questão, afastam a cláusula negociada pelas partes em detrimento ao critério legal, sustentando que o previsto no contrato social somente seria aplicado em caso de consenso entre os sócios. Em caso de dissenso, deveria ser aplicado o balanço de determinação.

Fundamental que o perito nomeado preste todo o apoio técnico ao magistrado no esclarecimento sobre a funcionalidade e aplicabilidade de determinado método de avaliação de empresa e de apuração de haveres, para minimizar o campo minado das discussões que retardam significativamente a marcha processual e podem levar ao desequilíbrio na paridade das armas, por definição de premissas inadequadas e que beneficiem uma parte em detrimento da outra.

A pesquisa na jurisprudência e o suporte na doutrina, contribuirá para o esclarecimento e demonstração de qual o método é adequado ao caso concreto e que predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento da qual se originou, conforme prevê o inciso III do art. 473 do CPC.

A troca de experiência entre peritos e conversa com magistrados e advogados tem revelado que o diálogo prévio entre perito e magistrado ainda é pouco explorado. A especificidade da matéria e a divergência nas premissas balizadoras da prova pericial pelas partes, revelada nos autos, justificam o contato prévio no exercício da relação de confiança empenhada no auxiliar da justiça. Inspirada nas lições do desembargador e jurista Adalberto José Q. de Camargo (1987, p. 137), seria o exercício do dever de aclarar o caminho do juiz que, por não a ter quanto a um determinado fato, está na escuridão, no caso, para a escolha do método para a apuração dos haveres em uma dissolução parcial de sociedade e definição das premissas necessárias para o pleno desenvolvimento da perícia.

O conhecimento e o domínio dos conceitos sobre Métodos Patrimoniais, Métodos Econômicos, Economic Value Added (EVA) e Método de Fluxo de Caixa Descontado contribuirá na fixação das premissas pelo magistrado o que, certamente, reduzirá significativamente a possibilidade de causar prejuízos na conta de apuração do saldo do sócio retirante da sociedade – se é devido (haveres) ou não (deveres).

Colaciona-se o seguinte julgado no RE nº 89.464/SP pelo Supremo Tribunal Federal, na apuração de haveres quando há dissolução parcial da sociedade por cotas de responsabilidade limitada.

 COMERCIAL. DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE LIMITADA. PEDIDA A DISSOLUÇÃO TOTAL POR SOCIO DISSIDENTE, NÃO E POSSIVEL, EM PRINCÍPIO, DECRETAR A DISSOLUÇÃO PARCIAL, COM SIMPLES APURAÇÃO CONTABIL DOS HAVERES DO AUTOR. ADMITIDA QUE SEJA A DISSOLUÇÃO PARCIAL EM ATENÇÃO A CONVENIENCIA DA PRESERVAÇÃO DO EMPREENDIMENTO, DAR-SE-A ELA MEDIANTE FORMA DE LIQUIDAÇÃO QUE A APROXIME DA DISSOLUÇÃO TOTAL. NESSE CASO, DEVE SER ASSEGURADA AO SOCIO RETIRANTE SITUAÇÃO DE IGUALDADE NA APURAÇÃO DE HAVERES, FAZENDO-SE ESTA COM A MAIOR AMPLITUDE POSSIVEL, COM A EXATA VERIFICAÇÃO, FÍSICA E CONTABIL, DOS VALORES DO ATIVO.

(STF - RE: 89464, Relator: Min. CORDEIRO GUERRA, Data de Julgamento: 12/12/1978, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 04-05-1979 PP-03521 EMENT VOL-01130-03 PP-00859 RTJ VOL-00089-03 PP-01054)

Nesse contexto, o segundo desafio, é a escolha do perito para a nomeação. O escolhido tem que ser técnico e não qualquer pessoa sem a formação adequada ao objeto da perícia (art. 156, CPC), deve ser detentor de conhecimento especializado sobre o patrimônio da sociedade periciada, conforme previsto no parágrafo único do artigo 606 do CPC, que dispõe:

 “Em todos os casos em que seja necessária a realização de perícia, a nomeação do perito recairá preferencialmente sobre especialista em avaliação de sociedades.”

Já para o perito, ancorado na sua ciência e amparado nas normas técnicas, caberá desenvolver seu planejamento de trabalho e definir as etapas necessárias a consecução do trabalho para o alcance do objetivo da prova pericial determinada, observado os princípios da preservação da empresa, da sua função social e da livre associação.

É fundamental selecionar, analisar e conhecer a sociedade avalianda considerando, minimamente, os seguintes aspectos:

1) societários – tomar conhecimento sobre o tipo societário da sociedade, a composição societária, a participação e a função desenvolvida por cada um dos sócios, dos atos (reuniões societárias, de conselhos, fatos relevantes) e livros registrados: contrato social e suas alterações, certidões de atos e livros registrados no órgão competente;

2) contábil – tomar conhecimento da situação patrimonial e dos resultados gerados, considerando o histórico desde a data da saída temporária até a saída definitiva: balanços patrimoniais, demonstração de resultado dos exercícios, demonstração do fluxo de caixa, demonstração da variação do patrimônio líquido, balancetes e escrituração contábil (livro diário e livro razão); relatório de conciliação e de composição das contas, relatório do controle dos bens patrimoniais (imobilizado); contratos de locação de imóveis e de empréstimos; Relatórios de Auditorias Independentes, dentre outros observados ao longo do trabalho pericial;

3) comercial – tomar conhecimento sobre os direitos e obrigações junto aos seus parceiros, contratantes e financiadores: contratos de concessão e de uso da marca e seus aditivos;

4) jurídico – tomar conhecimento dos ativos e passivos ocultos à escrituração contábil: relatório do contencioso e posição das ações – ativo e passivo, emitidos pelos advogados da avalianda, certidões de natureza cível, de falência e/ou recuperação judicial, execução fiscal – federal, estadual e municipal e criminal, trabalhista emitidas pelos tribunais e, conforme o caso, certidões de inteiro teor emitido sobre cada ação;

5) participações societárias - contrato de constituição e de participação em outras sociedades e relatório de controle das suas participações e investimentos;

6) imóveis – identificar se a avalianda possui imóveis ocultados na escrituração contábil e sobre a situação dos imóveis onde funciona sua sede: certidões vintenária dos imóveis escriturados e certidões de propriedade emitidas pelos Cartórios de Registro; declaração do responsável sobre as propriedades de imóveis, certidões de regularidade junto a Secretaria de Finanças;

7) veículos – certificado de licenciamento atualizado dos veículos para confirmação da propriedade e existência de gravames;

8) fiscal – verificar se os valores das operações realizadas e dos débitos tributários estão condizentes com a escrituração contábil: livros de entrada, saída e de apuração de ICMS, livro de serviços, estoque e declarações fiscais enviadas para a Fazenda – federal, estadual e municipal, certidões de regularidade: FGTS, ISS, ICMS, IPTU, relatórios de débitos fiscal e previdenciário e de parcelamento junto ao Fisco;

9) Rescisões de contratos de trabalho – conhecer o valor do passivo das rescisões de contrato de trabalho de 100% dos funcionários na data do balanço especial de determinação e apurar o valor do ajuste para o saldo do balanço apresentado: planilha de cálculo rescisório fornecida pela avalianda, RAIS, CAGED/Folhas de pagamento, GFIP/SEFIP e extratos do FGTS;

10) Contratos de empréstimos, arrendamento  e mútuo – levantar e conhecer os valores das transacionadas e verificar se os registros contábeis e o saldo do passivo apresentado no balanço da avalianda estão de acordo com os instrumentos firmados: contratos financeiros, de empréstimos e financeiros firmados e planilha de controle e conciliação dos valores registrados na escrituração contábil.

Definido o planejamento da perícia (o que, quando, como, onde e quem), considerando os procedimentos previsto na Resolução n° NBCTP01 (R1), expedida pelo Conselho Federal de Contabilidade publicada no dia 27 de março de 2020, seguirá a marcha pericial das análises e exames das provas acostadas aos autos e nas fornecidas pelas partes durante o trabalho pericial e nas diligências realizadas, a vistoria, a indagação, a investigação, a testabilidade e a avaliação propriamente dita para, ao final, certificar com segurança o valor da avalianda e das quotas do sócio excluído para que se proceda a satisfação dos haveres ou dos deveres, conforme o resultado.

São os cuidados necessários que impactam diretamente na paridade das armas, na prova pericial, na aceitabilidade ou não da peça técnica produzida e na credibilidade do seu signatário. Uma relação umbilicalmente ligada e sustentada na confiança não pode distanciar-se dos diálogos necessários e balizadores para que a prova pericial alcance e revele a certeza técnica numa apuração de haveres em uma dissolução parcial de sociedade, empresária ou profissional. (art. 156 c/c inciso I, § 1º do art. 464 e parágrafo único do art. 606, ambos do CPC)


Valer-se de conhecimento especializado é investimento necessário para redução de custos e celeridade na resolução de questões, judicializadas ou não.!

Ficou interessado? Não hesite em nos procurar – 61 3039-7373 pericia@primaziapericia.com.br

Por: Sandra Batista, perita contábil e tributária

CRCDF 14.927/O-4 | CNPC/CFC 71

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Referências:

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Especial nº. 89464, Relator Ministro Cordeiro Guerra, Data de Julgamento: 12/12/1978, 2ª. Turma, Data de Publicação: DJ 04-05-1979 .

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº. 1335619/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Data de Julgamento : 03/03/2015, 3ª. Turma DJe. 27/03/2015.

Armani, Wagner José Penereiro. Dissolução Parcial de sociedade profissional: análise crítica e questões práticas.Curitiba: Juruá, 2019.

 

 


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