Desafios no Tratamento de Válvula Aórtica Bicúspide Sievers Tipo 1 (R+L) Utilizando TAVI: Relato de Caso com Válvula SafeSync 30 mm

Desafios no Tratamento de Válvula Aórtica Bicúspide Sievers Tipo 1 (R+L) Utilizando TAVI: Relato de Caso com Válvula SafeSync 30 mm

Autor: Elaine Blaya

14 de agosto de 2024.

Resumo: 

O tratamento de válvulas aórticas bicúspides (BAV) apresenta desafios únicos devido às suas características anatômicas e hemodinâmicas. Este artigo descreve o caso de um paciente masculino de 83 anos, portador de uma válvula aórtica bicúspide Sievers tipo 1 (R+L) extremamente calcificada, submetido a um procedimento de TAVI com a válvula SafeSync (Braile Biomédica)) de 30 mm. O pré-procedimento revelou um gradiente médio transvalvar de 106 mmHg e um gradiente de pico de 153 mmHg, que foram reduzidos para 8,1 mmHg e 17,1 mmHg, respectivamente, após o implante, sem vazamento paravalvar e sem distúrbios de condução. A área da válvula nativa foi de 0,6 cm² antes do procedimento e ampliada para 2,2 cm² após o implante. O artigo discute os desafios relacionados à escolha da prótese, à necessidade de pré-dilatação com balão de 28 mm, e às particularidades do manejo intraoperatório.  

Palavras-chave: Válvula aórtica bicúspide, TAVI, SafeSync, Gradiente Transvalvar, Balonamento.

INTRODUÇÃO

Apresentamos o caso de um paciente do sexo masculino, de 83 anos, com um histórico médico de estenose aórtica severa (EAS). O diagnóstico foi confirmado por ecocardiograma, que revelou um gradiente médio transvalvar de 106 mmHg e um gradiente de pico de 153 mmHg. Esses valores são indicativos de uma obstrução significativa ao fluxo sanguíneo, refletindo a gravidade da estenose aórtica.

A avaliação clínica detalhada e a tomografia computadorizada (TC) revelaram a presença de uma válvula aórtica bicúspide Sievers tipo 1 (R+L), uma anomalia anatômica caracterizada pela fusão das cúspides direita e esquerda da válvula aórtica. Esse tipo de BAV é frequentemente associado a complicações devido à sua morfologia assimétrica e à calcificação severa. Neste paciente, a calcificação foi particularmente extensa, com um total de 4082 mm³ de cálcio acumulado nos folhetos da válvula nativa. Esse valor é significativo, uma vez que a presença de calcificação superior a 600 mm³ é um preditor conhecido de obstrução coronariana, podendo aumentar a dificuldade e o risco associado ao procedimento de implante da válvula. A calcificação severa não só agrava a estenose, mas também aumenta a rigidez da válvula e a complexidade do implante transcateter. Antes do procedimento, a área da válvula nativa estava reduzida para 0,6 cm², uma condição grave que compromete a eficiência da válvula e a qualidade de vida do paciente. Após o implante da válvula SafeSync de 30 mm, a área da válvula foi ampliada para 2,2 cm², demonstrando uma melhoria significativa na função valvar e no alívio da obstrução ao fluxo sanguíneo.

 

Figura 1: Planejamento do caso; Análise do aparato valvar aórtico

RELATO DE CASO

Apresentamos o caso de um paciente do sexo masculino, 83 anos, com histórico de EAS diagnosticada por ecocardiograma, que revelou um gradiente médio transvalvar de 106 mmHg. A avaliação clínica e tomográfica indicou a presença de uma válvula aórtica bicúspide Sievers tipo 1 (R+L) com calcificação significativa.

 

Figura 2: Válvula nativa Sievers tipo 1 (R+L)

 

PLANEJAMENTO E PROCEDIMENTO     

Dada a complexidade anatômica e o grau de calcificação da válvula nativa, optou-se pela utilização de uma válvula SafeSync de 30 mm. A decisão foi precedida por uma cuidadosa avaliação das dimensões do anel valvar e da geometria da BAV, essenciais para minimizar o risco de mal posicionamento da prótese ou vazamento paravalvar. A presença de calcificação severa foi particularmente relevante, pois aumenta a rigidez da válvula e pode interferir na expansão completa da prótese.


Figura 3: Calcificação severa evidenciada através da Tomografia Computadorizada - etapa de planejamento do caso


Figura 4: Dimensionamento da válvula SafeSync que será implantada - optou-se pela válvula 30 mmFigura


Devido à calcificação extensa, foi realizada uma prédilatação com balão Cristal (Bard) de 28 mm para facilitar a expansão adequada da válvula SafeSync. O balonamento prévio foi essencial para garantir uma expansão homogênea da válvula, reduzir o risco de subexpansão e vazamento paravalvar, e preparar a válvula nativa para a implante da prótese. Estudos indicam que o balonamento em BAVs, especialmente em casos calcificados, pode ajudar a melhorar o resultado do implante, apesar dos riscos associados, como a dissecção do anel valvar ou embolização de fragmentos calcificados.

 

Figura 5: Prédilatação com Balão Cristal 28 m

            

RESULTADOS

O procedimento foi realizado com sucesso, com a válvula SafeSync de 30 mm implantada sem complicações. O gradiente médio transvalvar foi reduzido de 106 mmHg para 8,1 mmHg e o gradiente de pico foi reduzido de 153 mmHg para 17,1 mmHg, e a área da válvula foi ampliada de 0,6 cm2 para 2,2 cm2 refletindo uma melhoria significativa na hemodinâmica do paciente. 

 

Figura 6: Válvula aórtica SafeSync 30 mm implantada na posição aórtica


O ecocardiograma transesofágico realizado imediatamente após o implante confirmou a ausência de vazamento paravalvar e a integridade estrutural da válvula. O paciente não apresentou distúrbios de condução pós-operatórios, uma complicação comum em procedimentos TAVI, especialmente em casos de BAV.

 

Figura 7: Ecocardiografia intraoperatório


DISCUSSÃO

O tratamento de válvulas aórticas bicúspides com TAVI exige considerações adicionais em relação à escolha da prótese e ao planejamento do procedimento. As BAVs, especialmente do tipo 1 (R+L), apresentam uma morfologia assimétrica, que pode dificultar o posicionamento adequado da prótese. Além disso, a presença de calcificação severa, como no caso descrito, aumenta o risco de complicações como mal posicionamento da prótese, vazamento paravalvar, e distúrbios de condução.

 

Desafios do Caso

Este caso em particular foi desafiador devido à combinação de idade avançada do paciente, a complexidade anatômica da BAV Sievers tipo 1 (R+L), e a extensa calcificação da válvula nativa. A alta calcificação não só torna o implante tecnicamente mais difícil, como também aumenta o risco de complicações, como embolização de fragmentos calcificados, dissecção do anel valvar e mal posicionamento da prótese. O risco de distúrbios de condução, como bloqueio atrioventricular, é também elevado em casos de TAVI, especialmente em BAVs com calcificação extensa. Esses riscos foram mitigados por meio de um planejamento detalhado, uso de balonamento prévio, e escolha cuidadosa do tamanho da prótese.

 

Manejo dos Riscos

Para manejar os riscos associados, foram adotadas várias estratégias:

1. Avaliação Pré-procedimento: A tomografia computadorizada foi utilizada para avaliar as dimensões do anel valvar, a extensão da calcificação e a anatomia da raiz aórtica. Essas informações foram cruciais para a escolha da prótese e para o planejamento do balonamento.

2. Prédilatação com Balão: A decisão de realizar a prédilatação com um balão de 28 mm foi baseada na necessidade de melhorar a conformidade da válvula nativa para receber a prótese de 30 mm. Embora o balonamento introduza riscos, como dissecção ou embolização, ele foi considerado necessário para garantir uma boa expansão da válvula SafeSync.

3. Seleção da Prótese: A válvula SafeSync foi escolhida devido à sua capacidade de se adaptar a anatomias complexas e de proporcionar uma expansão adequada em casos de calcificação severa. A escolha do tamanho adequado da prótese foi crítica para minimizar o risco de vazamento paravalvar.

4. Monitoramento Intraoperatório: O uso de ecocardiografia trans esofágica durante o procedimento permitiu o monitoramento em tempo real da expansão da prótese e da presença de vazamentos para valvares, permitindo ajustes imediatos, se necessário.

5. Prevenção de Distúrbios de Condução: O posicionamento cuidadoso da válvula e a monitorização eletrocardiográfica contínua foram essenciais para evitar a compressão do sistema de condução, uma complicação comum em TAVI que pode levar à necessidade de marcapasso permanente.

Conclusão

Este relato evidencia a complexidade e os desafios envolvidos no tratamento de válvulas aórticas bicúspides, particularmente do tipo Sievers 1 (R+L), utilizando TAVI. A combinação de uma anatomia assimétrica e calcificação extensa requer um planejamento minucioso e uma execução precisa para garantir o sucesso do procedimento. No caso descrito, a válvula SafeSync de 30 mm demonstrou ser uma escolha eficaz, proporcionando um resultado hemodinâmico excelente, com redução significativa dos gradientes transvalvares e sem complicações relevantes, como vazamento paravalvar ou distúrbios de condução.

O manejo cuidadoso dos riscos associados, incluindo a avaliação tomográfica detalhada, a decisão de realizar a prédilatação com balão, e o uso de ecocardiografia transesofágica intraoperatória, foi crucial para o sucesso do implante. Estes aspectos sublinham a importância de estratégias personalizadas e de uma equipe multidisciplinar bem coordenada no tratamento de BAVs com TAVI.

A experiência com este caso aponta para a necessidade de abordagens individualizadas, especialmente em pacientes com anatomias desafiadoras e calcificações significativas. O sucesso do implante da válvula SafeSync de 30 mm não apenas demonstrou a viabilidade do uso dessa prótese em casos complexos de BAV, mas também destacou a importância de avanços tecnológicos e técnicas de imagem no aprimoramento dos resultados em procedimentos TAVI.

Estudos futuros e uma maior coleta de dados em populações diversificadas serão fundamentais para validar essas práticas e expandir as indicações de TAVI em pacientes com válvulas aórticas bicúspides. Além disso, a constante evolução nas técnicas de imagem, no design de próteses e nas estratégias de manejo dos riscos continuará a desempenhar um papel essencial na otimização dos resultados clínicos e na segurança dos pacientes submetidos a procedimentos de alta complexidade, como o descrito neste caso.

Em resumo, a aplicação bem-sucedida da válvula SafeSync em um contexto de válvula aórtica bicúspide Sievers tipo 1 (R+L) demonstra o potencial de novas tecnologias em superar desafios anatômicos significativos, contribuindo para o avanço contínuo da cardiologia minimamente invasiva e para melhores desfechos clínicos em uma população de pacientes cada vez mais diversa e complexa.

 

Referências

1. Sievers, H. H., & Schmidtke, C. (2007). A classification system for the bicuspid aortic valve from 304 surgical specimens. The Journal of Thoracic and Cardiovascular Surgery, 133(5), 1226-1233.

2. Yoon, S. H., Lefèvre, T., Ahn, J. M., Hayashida, K., Watanabe, Y., Kawashima, H., ... & Kodali, S. K. (2020). Transcatheter aortic valve replacement in bicuspid aortic valve stenosis. Journal of the American College of Cardiology, 76(9), 1018-1030.

3. Makkar, R. R., Yoon, S. H., Leon, M. B., Chakravarty, T., Rinaldi, M., Shah, P. B., ... & Kodali, S. K. (2019). Association between transcatheter aortic valve replacement for bicuspid versus tricuspid aortic stenosis and mortality or stroke outcomes: a retrospective study. JAMA, 321(22), 2193-2202.

4. Forrest, J. K., Mangi, A. A., Popma, J. J., Khabbaz, K., Reardon, M. J., Kleiman, N. S., ... & O'Hair, D. P. (2016). Early outcomes with the Evolut R self-expanding transcatheter aortic valve: A multicenter study. Journal of the American College of Cardiology, 67(25), 2872-2881.

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