Descendo a Rua da Ladeira
Uma rápida pesquisa me indicou o caminho. Rua da Ladeira. Bati o ponto. Subi a Espírito Santo a pé. De sapatos é uma tarefa ainda mais árdua. Na Praça da Matriz respirei um pouco. Do alto, tudo parece mais bonito, mesmo não sendo. Mesmo com um forte cheiro de mijo ao lado da Catedral, esquina com a Duque de Caxias.
Enquanto tomava um ar, um flanelinha me confundiu com um motorista. "Ficou bem guardado, patrão!". Desfiz o mal entendido. Cruzei a praça. Acessei a Rua da Ladeira com uma certa esperança. Um homem anão e sem braços se atravessou na calçada. Pediu umas moedas. Respondi mecanicamente que não tinha. O que era mentira, pois estava ali exatamente porque havia dinheiro em meu bolso.
A bendita perdição dos sebos da Rua da Ladeira. Ia em busca de João Antônio. Casa de Loucos. 10 reais. Malhação do Judas Carioca. 10 reais. Ô, Copacabana! 12 reais. Malagueta, Perus e Bacanaço. 5 reais. Leão de Chácara. 13 reais. Relíquias. Pechinchas. Achados. Somados dão o preço de um bom buffet, quiça com um chopp com dois dedos de colarinho tirado na hora.
Como pode? Um dos maiores escritores brasileiros. Alguém que descreveu e transcreveu nossa alma sem subterfúgios, sem tiques, exatamente como somos. Alguém que morreu só. E somente depois de 15 dias deram falta de seu corpo, já apodrecendo, em um apartamento. Então, sua obra vale um almoço. Não paga sequer um sushi em um shopping center. Não paga uma fútil iguaria gourmetizada do momento.
Onde foi que a Literatura errou para valer tão pouco? Tomo o caminho de volta. O anão sem braços segue no mesmo lugar. Agora, encostado em uma mureta, ao lado do sebo Beco dos Livros. Dessa vez, não pede. Finge que não me vê. Eu também não teria nada.
Em mãos, só uma sacola cheia de livros. Repleta de histórias de pobres homens e pobres cidades, que João Antônio escreveu como ninguém.
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