Desconhecer para se reinventar
Me inspirei no texto Desconhece-te a ti mesmo, da Eliane Brum para transcorrer aqui, e sobretudo gostaria de destacar um parágrafo da autora: Descobri ainda que é preciso resistir também às certezas que as pessoas têm sobre nós. Há gente de todo o tipo. E alguns ficam muito desorientados se a gente muda, se qualquer coisa ao redor deles muda. Querem desesperadamente que voltemos a ser um clichê seguro. Quando você abre mão do seu clichê, o clichê que mora em alguns começa a coçar. Desinteressei-me de alguns amigos que queriam porque queriam que eu dissesse que sentia falta da vida que tinha, muito parecida com a deles. Percebi que torciam menos secretamente do que gostariam para que meu projeto desse errado, para então continuar vivendo em paz com certezas sobre as quais, ao que parece, têm muitas dúvidas. Do mesmo modo que guardei apenas um olhar de Mona Lisa para aqueles que adoram teorias conspiratórias e queriam saber “de verdade” o que tinha acontecido, porque lidam melhor com fofocas velhas do que com fatos novos. Fechar portas é também virar as costas para quem exige que sejamos sempre os mesmos para sua própria comodidade.
O momento mais profundo que tive na minha vida, de desconhecimento, foi quando eu pude morar fora do Brasil, e o que me permitiu me abrir para esse "desconhecer" não foi eu mesma, senão o fato de não ter mais os mesmos olhares sobre mim. Imagino que muitas pessoas que tiveram a oportunidade de sair das suas cidades e cair no mundo, puderam vivenciar esse tipo de situação libertadora, porque os novos olhares sobre a nossa pessoa, possibilitam novas interpretações, livres de velhos julgamentos. Você passa a ser visto muito mais pelos seus atos pontuais, do que julgado pela sua história, afinal, aquelas pessoas não conhecem a sua história. Vão aprender de você o que você permitir que elas conheçam dali pra frente e talvez o que você escolha mostrar do seu passado. Os preconceitos parecem não te atingir nesses casos, livre de estereótipos, você se permite a uma espontaneidade que às vezes é difícil de experimentar no seu "habitat natural".
Resistir às certezas que as pessoas têm sobre nós, mostrou-se algo extremamente difícil no meu retorno à casa. Eu via que, não importava o quanto eu tinha abandonado os meus velhos clichês, as pessoas à minha volta não queriam abandoná-los e continuavam forçando sua antiga visão sobre mim. Essa desorientação que as pessoas sentem quando as coisas mudam ao redor delas, muitas vezes acaba nos atingindo, e quando vivemos um momento de transição isso pode nos causar certo desconforto, queremos assumir essas novas verdades que vamos conhecendo sobre nós mesmos, mas buscamos aceitação, e às vezes acabamos retomando alguns aspectos para deixar os outros mais confortáveis com a nossa presença.
Fechar as portas, escolher pessoas, manter perto de si quem nos permite sermos nós mesmos, mesmo em um momento de total desconstrução, mesmo num momento de confusão, pode nos ajudar muito com estas descobertas. Para nossos velhos conhecidos, podemos parecer hipócritas, contraditórios, mas estamos apenas mudando aquela velha opinião formada sobre tudo.
Que necessário se faz esse processo de desconstrução, é exatamente como a autora diz, é um libertar-se dos velhos gostos e dos hábitos, para descobrir novos gostos talvez ainda mais verdadeiros, e quem sabe reafirmar questões que em algum momento lhe pareceram mal resolvidas. Mas uma vez descoberto, resista às certezas que as pessoas têm sobre você, deixe que elas lancem seus olhares com seus velhos clichês, permita que elas não entendam suas razões e não acompanhem suas mudanças, mas abraça-te nesse novo eu, escolhe tuas novas verdades, mesmo que elas venham a ser diferentes em um novo tempo. E aprenda que para isso será necessário fechar algumas portas.