Desenvolver o ecossistema de impacto? Um desafio maior do que pensamos
Texto originalmente publicado na edição 3 da Revista AGORA

Desenvolver o ecossistema de impacto? Um desafio maior do que pensamos

Nos últimos anos, tenho estado à frente da Ago Social realizando os principais programas de aceleração, fortalecimento e desenvolvimento de OSCs, negócios de impacto e empreendedores sociais do Brasil. Trata-se de uma vivência riquíssima, atuando com grandes empresas, investidores e mais de 5 mil empreendedores e instituições que promovem transformação socioambiental no país.

Nessas interações, não raramente ouço que “se as OSCs fossem organizadas e bem geridas como empresas, resolveríamos muitos problemas que hoje não têm solução”.

Na realidade, um dos papéis dos dinamizadores do setor é exatamente investigar essa relação entre a oferta de apoio e recursos e as reais demandas dos empreendimentos. Sem isso, haverá o risco permanente de um potencial subaproveitado.

Existe dinheiro na mesa para investir no setor, porém, o impacto somente será proporcionalmente equivalente quando aplicado nos pontos cruciais de cada instituição.

De fato, há espaço para melhorar pontos de gestão, capacidade empreendedora, inovação, entre outros. Porém, essa análise não pode ser simplista. Por isso, quero trazer aqui três reflexões e opiniões que tenho a respeito desse tema:

1. A questão vai muito além de copiar o modelo de gestão empresarial

É interessante que o ecossistema de impacto usa uma série de ferramentas tradicionais de gestão. Por exemplo, algumas OSCs aplicam a análise SWOT no planejamento estratégico com baixíssima capacidade de análise e, meses depois, vemos que tudo ficou na gaveta. Outras vezes, empreendedores estão no enésimo modelo de pitch, mas ainda possuem falhas significativas em seu comportamento empreendedor.

Adotar recursos corporativos no dia a dia da gestão voltada ao impacto tem a chance de ser uma boa saída - desde que aplicadas e utilizadas da maneira certa, extraindo sua máxima potencialidade.

Não quero dizer com isso que as ferramentas não são importantes, mas outras habilidades também são fundamentais. Em outras palavras, não podemos mais fazer aquela transferência “copie e cole” de expedientes empresariais e achar que imediatamente as OSCs e negócios crescerão.

Desenvolver gestores e gestoras também é parte desses processos de otimização e aperfeiçoamento.

2. A linguagem precisa ser adequada

Provavelmente você já passou pela experiência de buscar um tema, assistir à palestra de um expert naquele assunto e o discurso parecer “grego” para você. Muitos atores do setor falam exatamente isso da comunicação com empresas ou investidores.

O diálogo claro é um pressuposto das relações bem-sucedidas, e isso vale também para as associações dentro do ecossistema de impacto.

Fortalecer e desenvolver o setor não se trata de trazer celebridades para falarem, mas sim, contar com pessoas que vivenciam o ecossistema, passaram pelas dores e se conectam com elas.

Do mesmo modo, cabe ao empreendedor e à empreendedora conhecerem terminologias presentes no cotidiano dos ambientes nos quais estão inseridos: marketing, vendas, investimento, filantropia etc.

3. Transformação leva tempo

Muitas vezes as mudanças no mundo corporativo surtem resultados rápidos, por exemplo, um corte de custos que logo ajuda no EBTIDA ou uma ação comercial que em poucos meses aumenta as vendas. No entanto, quebrar ciclos enraizados ao longo de gerações em uma comunidade ou determinada população demora anos.

Ao realizar esforços estruturantes, como acelerar empreendedores ou desenvolver a gestão de uma organização social, precisamos saber que mesmo os resultados primários (geração de receita, sustentabilidade financeira ou consolidação da liderança) levam tempo.

Quem dirá o impacto real (mudança de uma ação assistencial para estruturante, aumento do número de atendidos ou mesmo a criação de e escala de inovações sociais)!

Neste sentido, o acompanhamento da evolução é vital: marcar o antes, atentar-se ao durante, viabilizar o depois.

Por fim, se queremos fomentar o desenvolvimento esperado, alguns aspectos são fundamentais: ouvir com profundidade os beneficiários, entender que eles não são todos iguais, traçar personas, criar trilhas bem embasadas e trazer vozes que saibam se comunicar com aquele público.

O futuro do impacto socioambiental depende da preparação e do fortalecimento dos atores que atuam diretamente com as dores da sociedade e do meio ambiente. Porém, é preciso entender como promover esse desenvolvimento.

Bruno Sterenberg

Head of Contracts at Fluminense Football Club

8 m

Super de acordo, Alexandre. Desenvolver o ecossistema de impacto é um desafio imenso que passa pela institucionalização das OSCs (equipes e modus operandis), comunicação afetiva e efetiva (orientada por métricas e indicadores) e... tempo! (ou seja, criar estrutura para manter o navio flutuando no meio da tormenta das necessárias mudanças). Que sigamos resilientes e fortes!

Ana Beatriz Soraggi Lafetá

Gestão de Projetos, Pessoas e Relacionamento | Pesquisa | Inovação | Liderança | Facilitação | Cultura

8 m

Complementa bastante o que conversamos Alê! É primordial que as organizações financiadoras se aproximem das organizações sociais, que estejam abertas a compreenderem o que precisam mudar também nos seus vieses, "mindset" e comportamentos. Acredito que perpassa bastante por uma transformação na compreensão de impacto, tempo e investimento financeiro efetivo. Se há a demanda por maior organização e melhor gestão das OSC, é primordial que haja um reconhecimento e investimento financeiro qualificado institucionalmente, assim como seria com outras organizações contratadas/parceiras que atuam fora do setor de impacto. Grata por compartilhar.

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outros artigos de Alexandre Amorim

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos