Design e Dialética — uma união (in)esperada
Esses dias estava refletindo sobre a proximidade do Design Thinking com a Filosofia, pois são duas áreas que estudo e amo, mas nunca havia relacionado. Será que universos tão diferentes podem ter similaridades? É o que veremos.
Antes, no entanto, faço uma breve contextualização para o que ainda não estão familiarizados com alguns termos. O Design Thinking, segundo Tim Brown, co-fundador da IDEO e um dos responsáveis pela propagação do framework, é uma abordagem centrada no aspecto humano e destinada a resolver problemas e ajudar pessoas e organizações a serem mais inovadoras e criativas. Nesta abordagem, as fases de inspiração, ideação e implementação para solução do problema não ocorrem em sequência, como estamos acostumados, mas em um sistema de espaços sobrepostos ocorrendo simultaneamente.
Isto significa uma ruptura com o modelo linear de pensamento que estávamos acostumados desde então, em que busco uma solução antes de entender o problema em profundidade. Significa também que estou aberto para mudar a solução várias e várias vezes, à medida que ouço o feedback dos usuários, a fim de aproximar cada vez mais o protótipo do seu ideal.
Ideal é também uma excelente palavra para introduzir a filosofia. Platão fala sobre ideal ao explicar sobre os as ideias arquetípicas (arkétipos, primeira forma) existentes no mundo mais sutil, das ideias, cujos reflexos são as manifestações diversas no mundo concreto. Por exemplo, existe a ideia cadeira, arquetípica, e todas as cadeiras do mundo são reflexos desta ideia, se aproximando mais ou menos dela. E porque estamos falando disso? Para explicar a essência do que é design. Uma cadeira não se aproxima mais de seu arquétipo apenas por sua forma, mas também pelo quão bem a forma serve a uma funcionalidade. De que adianta uma cadeira perneta ou frágil demais, que deixará cair aquele que a usar? Desconectada de seu arquétipo, perde sua essência e na melhor das hipóteses, torna-se um objeto de decoração bizarro. Da mesma maneira, a funcionalidade que desconsidera a forma possivelmente gerará produtos que ninguém desejará usar. Assim, forma e funcionalidade estão estreitamente relacionados quando se trata de design.
Já deu para perceber o início da relação entre design e filosofia, mas onde se insere a ideia da dialética clássica? Para Platão, a dialética seria o método mais eficaz de aproximação das ideias particulares a uma ideia universal, através da técnica da argumentação, validação e refutação de ideias. Por meio do dialogo, um conceito é destrinchado e investigado, até que se chegue a uma síntese mais próxima do arquétipo daquela ideia. Não seria absurdo dizer que o design thinking também busca arquétipos, realizando uma verdadeira análise polidimensional e destrinchando o problema em questão para alcançar sua raiz.
Suspeitando que poderiam existir pontos em comum entre as abordagens, decidi relacionar alguns preceitos fundamentais do design thinking e do processo dialético e me espantei em ver quantos insights emergiram. Confira:
Papel do facilitador/mediador
Em uma sessão de Design Thinking há sempre um ou mais facilitadores, cujo papel é justamente organizar as ideias e permitir com que elas fluam, a fim de que a sessão seja produtiva e os participantes vislumbrem possíveis soluções para problemas complexos.
De forma similar, aquele que conduz o diálogo tem como missão permitir com que aquele grupo de pessoas participe colaborativamente, para que se todos se aproximem um pouco mais do arquétipo que existe por trás daquele conceito. Stefanie Di Russo, em seu artigo chamado “A brief history of Design Thinking: how design came to be”, demonstra como o design participativo, baseado na co-criação, remonta à República de Platão, na medida em que todos os stakeholders (envolvidos no processo) participam na criação da república.
Trabalhar com problemas complexos
Problemas complexos são aqueles que não possuem uma única resposta ou solução. Qual é a causa e a solução para o problema da desigualdade social? Existem inúmeros fatores que influenciam, embora possamos dizer que uns preponderam mais do que outros em situações concretas. Tanto a filosofia quanto o design atuam a partir de problemas complexos. Enquanto a filosofia busca a essência por trás da ideia de desigualdade, por exemplo, o design buscará compreender casos concretos, por meio da imersão, a fim de entender quais as causas que levaram a ocorrência daquela situação específica e como fazer para evitá-las.
Abrir mão de suas premissas
Um facilitador jamais deve conduzir uma sessão de design thinking a partir de soluções prontas, pois corre o risco de influenciar as pessoas e conduzir o resultado para aquilo que acredita ser a resposta para o problema. A confiança no processo e no grupo conduzido é fundamental no processo. Da mesma maneira, um mediador de um diálogo jamais deve partir de suas próprias premissas, mas deve ter a mente limpa e assumir que “só sei que nada sei”. A primeira regra de um bom diálogo é que não há donos da verdade, apenas buscadores.
A vivência particular importa
Um designer busca entender com profundidade os problemas reais daqueles para quem está projetando uma solução, por meio da empatia e da escuta ativa. Desta forma, coloca-se em seu lugar a fim de vivenciar a mesma jornada e a partir vislumbrar dores e necessidades. Em um Diálogo, da mesma maneira, os argumentos trazidos devem refletir uma vivência individual, não sendo válidos os argumentos prontos e citações de autoridades que não tenham sido validados pela experiência vivencial.
Amor pelo problema e não pela solução
No Design Thinking, a ideia do protótipo torna o erro parte natural do processo de criação. Existem mais formas de não se fazer algo que funcione do que o inverso e se há a possibilidade de criar um ambiente seguro para errar, até que possamos chegar mais próximo da solução ideal, porque não? O protótipo é, portanto, uma forma rápida e fácil de se testar a premissa de uma ideia para saber se ela será ou não bem aceita pelo usuário. Caso possua boa receptividade, será mais fácil aperfeiçoá-la. Caso seja invalidada, não haverá grandes prejuízos em descartá-la e começar outra. Isso faz com que estejamos apegados sempre ao problema em si e não às soluções que arranjamos para ele.
O diálogo, da mesma maneira, busca entender o problema/conceito em profundidade. Logo, quando alguém sugere uma possível definição para aquele problema, essa solução será testada pelos demais através da refutação. Caso exista uma brecha, ela precisará ser aperfeiçoada ou deixada de lado. Há que relembrar sempre que todos possuem o objetivo comum de busca pela verdade e não a defesa de seu próprio ponto de vista daquela ideia.
Co-criação
Em um workshop de Design Thinking, a co-criação é incentivada constantemente, de forma que se está sempre buscando construir em cima da ideia dos demais. O mediador de um diálogo, da mesma maneira, deve construir a síntese por meio da ideia dos demais, em co-criação.
Iteração, melhoria contínua e o mundo das ideias
Depois de testar a ideia com seus usuários, o designer pode validar aquela solução através dos feedbacks. No entanto, ela ainda está longe de ser a ideal. Será preciso transformá-la em um produto e aperfeiçoá-la constantemente, a partir do feedback constante e da melhoria continua dos usuários, para que chegue mais perto de seu ideal.
Ao final do diálogo, podemos chegar a uma conclusão que nos aproxime mais do mundo das ideias, arquetípico, do que antes. No entanto, aquela solução só se torna válida para mim ao ser efetivamente aplicada em minha vida, de modo que eu perceba em que momento aquele conceito efetivamente se aplica. Ele se torna meu quando eu o incorporo e o utilizo.
Essas são algumas das comparações interessantes que encontrei entre o design thinking e o processo dialético. Não somos perfeitos, mas enquanto seres humanos, estamos constantemente em evolução e aperfeiçoamento, em um processo de iteração constante em nossa própria vida, através da superação de desafios e do aperfeiçoamento.
E você, quais as outras conexões que consegue fazer entre o design e a filosofia? Compartilhe!