Desigualdade de aprendizado

DIÁRIO de PERNAMBUCO, 03/02/2020

COLUNA OBSERVATÓRIO ECONÔMICO

POR FERNANDO DIAS * OBSERVATORIO@DIARIODEPERNAMBUCO.COM.BR

A questão da desigualdade de renda é amplamente discutida no Brasil, faz gerações, e está sempre em destaque em qualquer discussão sobre os rumos da economia e da política no Brasil. Apesar disto, é fato que poucos e efêmeros avanços fizemos aos longo destas mesmas gerações e continuamos entre as piores distribuições de renda do mundo, e com pouca perspectiva disto ser modificado em um horizonte próximo. Não que tenha havido desinteresse das diferentes correntes políticas que nos governaram e nos governam, mas simplesmente pelo fato do abismo ser imenso e das políticas que promovem crescimento com redução de desigualdade agirem lentamente. Para efeito de comparação, por exemplo, a Coréia do Sul levou em torno de 4 décadas para sair de condição similar a nossa para a que tem hoje.

E pegando carona no exemplo da Coréia (a do Sul), temos que um dos vértices da política de crescimento foi o investimento maciço na educação básica e no ensino médio. Este é um ponto de nosso interesse, pois nós também investimos pesadamente nisto nas últimas três décadas. Fora isso, há hoje forte discussão ideológica sobre a forma de ensino adotada, notadamente o método Paulo Freire. Admitindo, por hipótese, a força destes investimentos e o ideário inclusivo preconizado por Paulo Freire, deveríamos observar hoje bons resultados em termos de qualidade de ensino e homogeneidade no aprendizado, notadamente no ensino público, quando considerados aspectos externos como a renda da família ou a escolaridade dos pais.

No que se refere a qualidade de ensino os resulta- dos que temos tido na avaliação internacional, o PISA, são bem claros. Nosso ensino era muito ruim e continua muito ruim, estamos sempre nos destaques negativos avaliação após avaliação. Os dados disponíveis sugerem, enfaticamente, que tivemos sucesso em universalizar o ensino mas fracassamos em entregar ensino com qualidade há dezenas de milhões de estudantes. Mas há homogeneidade, mesmo que só nas escolas públicas? Analisando os resultados do Enem para 2018, último disponível sem contestações, os dados sugerem que não. Quando se considera a média aritmética das provas versus aspectos externos como renda da família ou escolaridade dos pais a diferença de resultado é significativa em todos os cruzamentos, chegando a mais de 40% nos extremos. Mesmo considerando apenas os alunos que só estudaram em escolas públicas os resultados são praticamente os mesmos, quanto maior a renda da família e quanto mais escolarizados os pais significativamente maior será a nota média. Sabe-se que educação é uma das principais variáveis que explica mobilidade social, e estes resultados são preocupantes em função disso. Quanto maiores forem as diferenças de aprendizado em função de fatores associados a ascensão social, maior será a imobilidade de classes. Em tese, ainda mais na hipótese de dominância do método Paulo Freire no ensino público, mesmo que houvesse baixa qualidade do ensino ele deveria ser ao menos mais homogêneo no ensino público que na média geral. Ao menos os dados do Enem não sugerem isso, pelo contrário, sugerem que não há qualquer diferença no efeito de fatores de cunho social sobre o aprendizado do aluno independente de que tipo de escola ele esteja. A dados que emergem do Pisa e do Enem são bem pouco satisfatórios. Eles sugerem baixa qualidade do ensino e baixo efeito sobre a mobilidade social mesmo considerando apenas o ensino público. Muito além de questões ideológicas, o grande problema parece ser de qualidade e homogeneidade, o básico. Talvez focar neste ponto seja uma estratégia mais eficaz e mais eficiente que o que vem sendo discutido ao longo dos últimos anos.

* PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA UFPE.

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