Deus me livre, uma mulher CEO: a persistência do machismo no topo corporativo
Em setembro de 2024, durante uma conferência de tecnologia em São Paulo, o CEO da Starware Inc., Marcos Norato, causou uma enorme polêmica com a declaração: “Deus me livre, uma mulher CEO”. A fala, que rapidamente se espalhou pelas redes sociais, desencadeou uma enxurrada de críticas por parte de grupos de defesa dos direitos das mulheres e lideranças corporativas. Norato, de 52 anos, está à frente de uma empresa que se posiciona como inovadora, mas sua declaração parece anacrônica e revela o machismo latente que ainda permeia muitas áreas do mundo dos negócios.
Quantas mulheres são CEO hoje no Brasil? E no mundo?
Atualmente, o número de mulheres ocupando cargos de CEO em empresas no Brasil e no mundo é escasso. De acordo com dados de 2023 da consultoria Korn Ferry, apenas 7,1% das empresas listadas na B3, a bolsa de valores brasileira, tinham uma mulher como CEO. No cenário global, o panorama não é muito diferente: apenas 8,8% das empresas do ranking da Fortune 500 eram lideradas por mulheres no mesmo ano. Esses números denunciam uma realidade persistente de sub-representação feminina nos cargos mais altos das organizações.
Quantas empresas no Brasil nunca tiveram mulheres em cargos de direção?
Outro dado que ilustra a gravidade da desigualdade de gênero no Brasil é que 45% das empresas nunca tiveram mulheres em cargos de direção, segundo uma pesquisa do IBGE realizada em 2022. Esse índice é preocupante, pois reflete a resistência cultural que muitas companhias ainda têm em permitir a ascensão feminina a postos de liderança.
Você sabe quem foi a primeira mulher CEO no Brasil?
A história da primeira mulher a ocupar um cargo de CEO no Brasil remonta a 1981, quando Regina Nunes assumiu o comando do banco Itaú Econômico. Embora tenha sido um marco importante para a inserção feminina nas lideranças corporativas, o avanço desde então tem sido lento, como os números atuais sugerem.
O que é um CEO e qual a sua função numa empresa?
A sigla CEO significa Chief Executive Officer, que, em português, pode ser traduzido como Diretor Executivo ou Presidente. Esse é o cargo mais alto de uma empresa, responsável por liderar a organização e traçar suas estratégias de crescimento e desenvolvimento. O CEO toma as decisões mais importantes, gerencia as operações e responde diretamente ao conselho de administração ou aos acionistas. Ele é, essencialmente, o capitão do navio que define o rumo de todo o negócio.
Recomendados pelo LinkedIn
Por que o preconceito de gênero afasta mulheres dos cargos de liderança?
O preconceito de gênero afasta mulheres dos cargos de liderança principalmente por conta de estereótipos culturais profundamente enraizados. A ideia de que as mulheres são “emocionais demais” para liderar ou que seu papel primordial deveria ser o de cuidar da família ainda está presente em muitas mentalidades corporativas. Isso resulta em discriminação estrutural, falta de oportunidades de promoção e uma maior dificuldade de acesso às redes de networking que facilitam a ascensão nas empresas.
Quais são os argumentos do preconceito usados para evitar a presença de mulheres como CEO?
Os argumentos frequentemente usados pelo pensamento machista para justificar a ausência de mulheres no comando das empresas se baseiam em estereótipos ultrapassados. Alegam que mulheres são mais vulneráveis a questões emocionais, menos dispostas a correr riscos e mais propensas a focar em questões pessoais do que profissionais. Porém, esses argumentos são completamente desprovidos de evidências científicas. Pelo contrário, estudos indicam que empresas com maior diversidade de gênero em posições de liderança tendem a ter melhores resultados financeiros e uma gestão de riscos mais equilibrada.
O que está sendo feito para combater esse cenário?
Diversas iniciativas globais e locais têm sido promovidas para combater esse cenário de desigualdade. Organizações como o Fórum Econômico Mundial e a ONU Mulheres têm campanhas focadas em aumentar a representatividade feminina no mercado de trabalho, inclusive em cargos de liderança. No Brasil, algumas medidas vêm sendo adotadas para incentivar a equidade de gênero, como programas de mentorias específicas para mulheres, além de iniciativas como o Prêmio WEPs Brasil, que reconhece empresas comprometidas com a igualdade de gênero.
Além disso, a Lei de Cotas para Mulheres em Conselhos de Administração, proposta em 2015, ainda está em discussão no Congresso, mas já é aplicada em outros países. Na Noruega, por exemplo, empresas de capital aberto são obrigadas a garantir pelo menos 40% de representação feminina em seus conselhos administrativos, uma medida que poderia ser adaptada ao contexto brasileiro.
Quais são as penalidades para falas preconceituosas contra as mulheres no Brasil?
Atualmente, no Brasil, não há uma penalidade direta para declarações como a feita por Norato, a menos que haja ofensa direta a uma pessoa ou grupo específico, o que poderia ser enquadrado como discriminação de gênero. No entanto, o impacto negativo na imagem de uma empresa pode ser significativo. Após a declaração de Marcos Norato, a Starware Inc. sofreu um boicote de clientes e fornecedores, resultando em uma queda expressiva no valor de mercado da empresa.
Quais são as políticas do Brasil para melhorar a igualdade de gênero no mercado de trabalho?
O Brasil possui algumas políticas que visam promover a igualdade de gênero no mercado de trabalho, como a Lei Maria da Penha e a Lei de Igualdade Salarial. No entanto, muitas dessas leis ainda são ineficazes na prática, principalmente devido à falta de fiscalização e à persistência de uma cultura corporativa excludente. As empresas que adotam políticas de diversidade e inclusão, no entanto, vêm se destacando como modelos a serem seguidos.
Nossa opinião
A fala de Norato não foi um deslize momentâneo, mas um reflexo de um problema sistêmico que afeta o mercado de trabalho global. Embora as mulheres estejam cada vez mais qualificadas para cargos de liderança, o machismo, disfarçado de “opiniões pessoais”, continua a restringir seu acesso ao poder. Somente com a aplicação de políticas públicas rigorosas, penalidades mais severas para empresas que perpetuam discriminação de gênero, e uma mudança na mentalidade corporativa, poderemos avançar para uma verdadeira igualdade de gênero no topo das organizações.